quinta-feira, 9 de dezembro de 2010

Destinos Cruzados (London River)


Destinos Cruzados é um filme que retrata um ataque que ocorreu em Londres em 2005. Os ataques coordenados a ônibus, estações de trem e metrô deixaram cinquenta e quatro mortos na cidade e levaram a população ao pânico. Fazendo um pequeno paralelo à nossa realidade, no Rio, infelizmente a situação de medo não é tão diferente. Motivos totalmente diferentes, mas medo e pânico igual. Em tempos de guerra, são os civis que sofrem.

O filme conta a história do sofrimento de dois pais que procuram seus filhos após os atentados de 2005 em Londres. Mostra a angústia deles de não os encontrarem, a busca desesperada por notícias e o mais importante, a sua união, sendo pessoas totalmente diferentes, em uma causa comum. Elisabeth Sommers e Ali Ousmane, interpretados por Brenda Blethyn (uma das atrizes mais sensacionais da Inglaterra, que fez O Barato de Grace, Orgulho e Preconceito, Little Voice, entre outros), e Sotigui Kouyaté (ator premiado de teatro francês e malinense, que faleceu em abril desse ano), interpretam os pais de Jane e Ali, que se unem na busca dos filhos, apesar de todas as diferenças existentes entre eles.

O filme retrata uma "cidade partida". Elisabeth, uma britânica protestante, mora no interior e trabalho como agricultora. Seu marido era um ex-soldado morto da Guerra das Malvinas e sua filha uma jovem de 24 anos que estudava em universidade em Londres. Já Ousmane, é um malinense que mora há mais de vinte anos na França, tem um filho que mal conheceu e é muçulmano. Na busca para encontrar sua filha, Elisabeth descobre que além dela morar em um bairro muçulmano em Londres, o que lhe causa estranhamento e horror, ela teria uma relação com o jovem Ali, coisa que desconhecia totalmente.

Já Ousmane tenta buscar seu filho em uma tentativa de assumir uma responsabilidade que tinha deixado há anos, a pedido de sua ex-esposa e por própria culpa. Nesta busca, os dois se encontram; na polícia, no necrotério, no bairro muçulmano. Ao descobrirem que os filhos tinham uma relação, isso desencadeia uma atitude em Elisabeth de negação. Ela não consegue acreditar que sua filha estudava árabe, namorava um muçulmano e vivia em um bairro de imigrantes. Ela se nega a falar com Ousmane repetidas vezes e até o acusa de estar envolvido em um sequestro da filha. Após algum tempo, sua atitude muda. Ela vê que Ousmane está na mesma situação, apesar dos pesares, e acaba cedendo e reconhecendo o pai que também procura o filho.

Destinos Cruzados é um filme forte, intenso, e analisa a relação humana de uma forma profunda. Diferenças raciais, religiosas, tudo isso é deixado de lado em prol de uma causa comum. O preconceito também faz parte da temática. Na tentativa desesperada de entender a filha que ela mal conhecia, Elisabeth renega Ousmane e todas as evidências de que sua filha nada tinha contra o jovem muçulmano e a cultura árabe - algo que Elisabeth jamais esperaria da filha - talvez por não conhecê-la. Ela começa a reconhecer que não vive em uma redoma e que a vida de diferentes pessoas de diferentes origens também cruza o seu caminho.

O filme tem direção do diretor franco-algeriano Rachib Bouchebad, que dirigiu filmes que retratam a situação de imigrantes e os choques culturais e preconceito no país em que vive - uma questão também muito presente na sociedade francesa e polêmica, devido a uma série de medidas tomadas pelo governo francês atualmente em relação aos imigrantes.

Destinos Cruzados é um filme sensacional. Porém, é um filme, já dito acima, intenso. Intenso porque nos faz pensar, nos faz refletir e rever nossos próprios preconceitos. Será que no mundo de hoje tomado pela paranoia, pelo preconceito, você não faria o mesmo?

domingo, 21 de novembro de 2010

À moda da Casa (Fuera de Carta)



Nada melhor que alugar alguns filmes para passar o tempo, principalmente quando você está gripada e sem vontade nenhuma de sair. Neste fim de semana, foram dois: Coco antes de Chanel (a crítica vem adiante) e o despretensioso filme espanhol chamado Fuera de Carta, ou em português, À Moda da Casa, de 2008.

O filme nos leva à Madrid e ao restaurante Xantarella, onde Maxi (Javier Cámara), chef da casa, o comanda com braço forte, com o objetivo de ganhar a tão sonhada estrela Michelin dos restaurantes europeus. Maxi é a personagem principal e o guia do filme. Por volta dele se desenvolvem histórias parelelas que nos levam ao ponto principal que é a questão da sexualidade da personagem e sua relação com o passado e o presente. Maxi foi casado, tem dois filhos mas abandonou a família quando assumiu sua homossexualidade, renegando seu passado "obscuro". Por isto, esconde sua família e seu passado. Já seu vizinho, o ex-jogador de futebol Horácio (o chileno Benjamin Vicuña), não revela sua homossexualidade por medo também das críticas da sociedade e dirige uma escola de futebol, criando uma fachada de jogador de futebol com várias namoradas comum hoje em dia.

No filme, as duas personagens funcionam de forma inversa: Maxi é homossexual declarado mas tem vergonha de demonstrar seu passado "tradicional", seu casamento e seus filhos e carrega bem a imagem do chef de cozinha estourado e gay. Já Horácio não consegue se declarar como Maxi, e tenta sair com mulheres para manter uma imagem diferente da sua preferência sexual.

O momento em que as duas personagens se cruzam é o momento de mudanças na vida dos dois. Horácio se muda para o apartamento ao lado de Maxi e eles começam a sair e a amiga e maitre de Maxi, Alex (Lola Dueñas) se interessa também pelo jogador, o que gera algumas situações "pastelão" na trama. Ao mesmo tempo em que a vida amorosa de Maxi, que é um workaholic, começa a mudar, ele é incumbido de criar seus filhos após sua ex-esposa falecer de câncer. Alba é uma menina de sete anos e Edu um menino de quinze, e apesar de Maxi tentar desenvolver seu lado paternal, ele tem que encarar os problemas de aceitação do filho, que o enxerga como o homem egoísta que o abandonou na infância.

Com estas histórias e personagens parelelos, a comédia se desenvolve de forma leve mas em torno de uma questão importante, que é a categorização das relações na sociedade. Da mesma forma que o preconceito em relação ao homossexualismo é forte, as pessoas se divertem com o estereótipo afeminado presente hoje em basicamente todas as novelas que mostram personagens homossexuais. Por outro lado, o filme mostra duas personagens gays que são complexas, não colocando-as no "mesmo saco" presente na mídia hoje. Um jogador de futebol, discreto, sério, masculinizado, e um chef de cozinha workaholic, pai de dois filhos e homossexual assumido. Maxi, na verdade, aprende na história a lidar com dois mundos que parecem muito distantes, mas não são.

O destaque de Fuera de Carta é sem dúvida o ator Javier Cámara, que interpreta o chef de cozinha. De forma ágil e delineando bem sua personagem, ele consegue retratar perfeitamente a personagem e carrega outros atores juntos, como o próprio Benjamin Vicuña. Os atores que fazem "escada" para sua personagem, Lola Dueñas e Fernanda Tejero (Ramiro)também o fazem bem, mas nada ofusca o brilhantismo de Javier, que rouba todas as cenas.

O filme é agil, às vezes rápido até demais, o que dificulta a leitura de legendas e torna quase impossível para quem não fala e entende bem espanhol acompanhar); é uma comédia, portanto não toca nestes assuntos discutidos acima de forma aprofundada, mas de forma despretensiosa e pode ser encarado como uma boa diversão para quem está a fim de ver um filme que trata de situações do cotidiano e da vida moderna, focando naquilo que é essencial em qualquer filme, as relações humanas.

sexta-feira, 5 de novembro de 2010

Valentim (Valentín)



Sei que ando bem relapsa com este blog, mas falta-me tempo para fazer muitas coisas e, por incrível que pareça, assistir filmes. Porém, não podia deixar de comentar um dos poucos filmes que vi no último mês e que me chamou muito a atenção, pois fiquei apaixonada. Pelo filme. Pelo protagonista mais exatamente. Novamente, é um filme argentino - e os diretores argentinos estão cada vez mais subindo no meu conceito. Se chama Valentim, e conta a história do mesmo, uma criança de oito anos de idade que narra uma história comovente e excitante - a da sua vida.

Valentín (Rodrigo Noya) é um menino que tinha tudo para ser mais uma criança na multidão; filho de pais separados, foi abandonado pela mãe, ignorado pelo pai e vive na casa da avó, que com muita dificuldade o cria, sempre comparando-o (mal)ao pai. Apesar das comparações, Valentín não tem nada do seu pai; o que o destaca da multidão é a imaginação, a tenacidade, a esperteza e o tato social que tem - e que consegue derreter o coração de qualquer pessoa.

O filme se passa na década de sessenta e mais uma vez,no período de ditadura, que eu entendo que é um período de muito sofrimento e muito caro na memória dos argentinos. Apaixonado por viagens espaciais, Valentín narra a sua vontade de se tornar um astronauta, apesar do "pequeno problema" que tem (o estrabismo). Mas isso não é um problema. O problema é que ele vive sem aquilo que considera mais importante: uma mãe. Por isso, quando Valentín conhece a nova namorada de seu pai, Letícia (Julieta Cardinale), ele encontra a oportunidade de ter a mãe que tanto sonhara, e faz de tudo para conhecê-la melhor e ganhar sua simpatia (o que não é muito difícil, mas que, como criança, acaba gerando algumas confusões em casa).

A história de Valentín é uma história comovente e ao mesmo tempo alegre. Ele é uma espécie de pequeno herói, lutador, que mesmo com as dificuldades que encontra na vida, transforma tudo em mágica - nada o derruba. É uma criança de oito anos apenas, mas uma criança especial: não se sente derrotado, não se sente "coitado", muito menos infeliz. Muito inteligente e perspicaz com as coisas em sua volta, encontra em pequenas coisas do seu cotidiano sempre um impulso para seguir em frente.

Por onde passa, Valentín tem uma capacidade incrível de fazer amigos. Letícia se torna uma; outro amigo é o seu vizinho, um músico alcóolatra que o ensina piano, Rufo (Mex Urtizberea). Outra característica do menino é a sua inteligência emocional. Mesmo conhecendo a personalidade forte e explosiva de seu pai, a amargura de sua avó e o abandono de sua mãe, seu mundo não lhe permite ficar triste com isso. Para isso, Valentín criou um mundo bonito, de amizades, onde ele é o protagonista, e não o coadjuvante.

Dirigido por Alejandro Agresti, o filme conta com a fantástica Carmen Maura, no papel de sua avó, e do próprio Agresti como pai do menino. Conhecido na Argentina por diversos filmes, posso dizer apenas que vi um deles, Uma noite com Sabrina Love, com Cecilia Roth no papel principal, que achei muito interessante também (não me pergunte como conheço ou vi estes filmes, eu já tive um passado ligado ao submundo do cinema :D).Um filme que o tornou famoso foi A Casa do Lago, uma refilmagem de um filme coreano de realismo fantástico em Hollywood, com os queridinhos Sandra Bullock e Keanu Reeves.

Valentín é um filme de 2002, portanto, para quem quiser assisti-lo, é só passar em uma locadora mais próxima. Não sei porque me levou tanto tempo para assistir, mas fica a dica aqui. Fica aqui também a lição de Valentín sobre a vida: "a vida é assim, como um talharim".Algumas coisas dão certo, outras dão errado; a vida é assim mesmo. O que a gente pode fazer é tirar o melhor proveito das coisas negativas e também das positivas. Valentín consegue fazer isso com destreza e isso o torna uma das crianças mais adoráveis e perceptivas do mundo.

domingo, 26 de setembro de 2010

O segredo de seus olhos (El secreto de sus ojos)



O segredo de seus olhos é um filmaço. E olha que eu não sou de elogiar filmes dessa forma. Roteiro impecável, simples, redondo, atores excelentes, história envolvente, fotografia, cenário e montagem de época super bem feitos. Tudo bem que ele ganhou um oscar (e convenhamos que hoje o oscar é mais político que qualquer outra coisa), mas o oscar de filme estrangeiro geralmente é bem merecido. Nesse caso é com certeza. Deveria tê-lo visto há muito tempo atrás e não vi. Só decidi vê-lo agora, e percebi que quase perdi um filmaço de bobeira.

Enfim, O Segredo de seus olhos é argentino e dirigido e escrito por Juan José Campanella, super conhecido no seu país e no circuito pequeno de filmes "de arte". Ele é mais conhecido também por O Filho da Noiva (El hijo de la novia), que é um filme excelente que traz Ricardo Darín e Norma Alejandro, uma atriz que é a "Fernanda Montenegro" da argentina, como protagonistas. Campanella é de fato um excelente roteirista e consegue fazer de histórias muito simples histórias muito boas, que envolvem você emocionalmente. Ultimamente, ele tem se dedicado a dirigir seriados norte-americanos, e se destacou ao dirigir House MD nas últimas duas temporadas (que eu adoro, por sinal e dá pra ver com isso também como os seriados americanos têm investimento de peso da indústria cinematográfica).

Ricardo Darín é um excelente ator, que parece que está melhorando com o passar dos anos. Neste filme, ele interpreta Benjamin Esposito, um tabelião da justiça que se aposenta e decide fazer um livro sobre o caso mais importante e que mais o marcou, vinte e cinco anos antes. Na época, ele resolveu investigar junto com seu colega de trabalho, Sandoval, o assassinato de Lilliana, uma jovem recém-casada e brutalmente estuprada e assassinada em casa. Junto com a nova juíza por quem Benjamin se apaixona, Irene Hastings (interpretada por Soledad Villamil), ele decido descobrir de todas as formas quem assassinou a jovem e junto com Sandoval, parte em busca de um suspeito, Morales, um jovem que sempre teve obsessão pela menina desde a época em que era adolescente.

O Segredo dos seus olhos se passa metade nos dias atuais e metade na década de 1970, em plena ditadura militar. Benjamin, no livro, tenta detalhar tudo aquilo da sua memória, de uma época que lhe é muito cara. Nos seus flashbacks, são introduzidos elementos, por meio da cenografia, figurino, tipo de película filmada e até mesmo pela velha máquina de escrever, cuja letra A está faltando (detalhe interessante :P), que trazem detalhes simples mas importantes de um período que Benjamin retém tanto em pensamento e em sentimentos. O assassinato da jovem o marcou muito, não só pelo caso em si, mas pelo envolvimento dele e de Irene no caso e sua aproximação com ela. Por este motivo (na verdade, desculpa) Benjamin procura Irene e juntos eles relembram o momento e os colegas que conviveram no período com eles, trazendo lembranças muito saudosas.

Na verdade, O Segredo de seus olhos é um filme investigativo, mas ao mesmo tempo muito denso e emotivo. Benjamin tem duas fixações claras no filme: os olhos da jovem assassinada e da própria Irene. Os closes estão presentes em quase todas as cenas, e os olhos fazem Benjamin desvendar o assassinato e outras questões relacionadas ao caso.

Quando li sobre o filme a primeira vez, ele havia acabado de estrear no Brasil, antes de ganhar o oscar, e já sabia que o filme prometia. Quem viu O Filho da Noiva sabe do que estou falando. Cenas densas, com poucos diálogos e extremamente expressivas. Porém, nada exagerado. O filme evolui em um ritmo que demora para você acompanhar no início, mas já no meio, você não consegue tirar os olhos da tela e no final, você não quer que o filme acabe. Me chamou a atenção as críticas dizerem que o final do filme era surpreendente. Achei estranho, conhecendo a estética e os roteiros do diretor. Na verdade, não é que não seja surpreendente (e eu não vou contar porque acho isso de jeito nenhum, vejam o filme! :P), a verdade é que o final leva ao ápice de todo o desenrolar da história.

Poderia falar aqui sobre mais detalhes do filme, mas iria perder um pouco da graça e como eu aconselho todos a verem, fico por aqui. Somente lembro de uma das cenas em que Sandoval, colega de Benjamin, fala para ele que o homem pode mudar tudo na vida, menos sua paixão. No caso, Sandoval fala da paixão pelo futebol. Na vida de Benjamin, na verdade, a paixão que ele não consegue deixar é por Irene - e nem ela por ele.

Aí está o segredo de O Segredo: aquilo que não é dito é percebido, e de forma muito sutil, ao mesmo tempo muito clara para o espectador. Porém, não espere ver um filme romântico, ou um filme de investigação, ou um drama pessoal; ele é um pouco disso tudo e muito mais que isso tudo.

quinta-feira, 9 de setembro de 2010

Labirinto - a magia do tempo (Labyrinth)



Ah, os anos 1980...boas lembranças dessa época em que eu ainda era pequena, mas havia tantas coisas diferentes, inusitadas na televisão, no cinema, na música...e ainda havia David Bowie, que aparecia nos três meios de forma tão natural...

Labirinto, cujo nome em português ganhou aquele "adicional" comum nas traduções brasileiras (sério, porque não só Labirinto?) é um clássico dos anos 1980 e que todos as pessoas da minha geração (repito, todas!) devem ter visto, se não no cinema, na sessão da tarde da Globo (que inclusive não passa mais nenhum filme dos anos 1980, só comédias bobas dos anos 2000...infelizmente. Também não vejo mais... :D) Labirinto está no imaginário da minha geração e assisti-lo novamente foi uma nostalgia total. É claro que quando você assiste um filme desses com dez anos, você imagina que ele é tão legal, fantasioso, divertido, com bichinhos tão engraçados, que não percebe o lado mais "dark" do roteiro de Jim Henson, que também dirigiu o filme, e criou os fantoches de diversos bichos e monstros que aparecem, principalmente aquele "Bando maluco" que fica tirando as cabeças e atirando para todos os lados...(como é que eu não chorava nessa cena???)

Labirinto, para quem não é da minha geração, conta a história de Sarah, uma jovem de quinze anos que vive em um mundo de fantasias criado por ela para se desligar dos aborrecimentos de casa - o casamento de seu pai e o nascimento do meio-irmão, mais especificamente. Diferente de muitas jovens, Sarah vive no seu mundo isolado, onde os livros de magia e fantasia e a criação de personagens são lugar-comum. Porém, numa noite chuvosa, Sarah é obrigada a tomar conta de seu irmão pequeno quando seu pai e madrasta saem de casa, e revoltada com a situação, ela pede para que duendes sumam com ele. Tão cruel...seu pedido é prontamente atendido pelo rei dos duendes, Jareth (sim, Bowie!), e quando Sarah percebe o sumiço do seu irmão, se desespera (acho que mais por achar que os pais vão matar ela do que por achar que vai perder o irmãozinho...) e Jareth dá a ela uma única opção: atravessar o labirinto que leva ao seu castelo numa terra de fantasia (não, não é Fantasia, de História sem fim. Quem é da geração anos 1980 sacou também ;))em um período de 13 horas senão ela nunca mais verá ele.

Bom, até aí, você pensa: poxa, que filme com lição de moral, né, ela tem que amar o irmão, e por causa disso, mesmo rejeitando-o, ela faz das tripas coração para pegá-lo com o rei dos duendes. Será que hoje os adolescentes fariam isso também? :D boa pergunta. Vou deixar em aberto.

A trajetória de Sarah no labirinto é marcada pelo encontro com animais fantasiosos, minhocas falantes, pântano fedorento, um cachorro espadachim...é, por aí vai. Mas tudo muito divertido, pois faz parte do mundo fantasioso de Sarah. No caminho, ela faz também boas amizades, descobre que o rei dos duendes tem uma "queda" por ela, daí fazer ela sofrer (sério, obscura essa parte), e descobre que é mais inteligente e tem mais valor do que achava que tinha. Conflitos adolescentes! Quem imaginava essa temática...

Bom, aqui vão as partes interessantes do filme, que eu não posso deixar de relatar (sério, se você não viu Labirinto, veja!! É um clássico, não vou poupar comentários. Se você tem a minha idade e não viu, se mate).

David Bowie é sempre um prazer, não é? Com aquela peruca espetada e roupas um tanto quando parecidas com o Pequeno Príncipe, ele está ótimo como O Príncipe dos Duendes. Deixando claro que eu adoro ele, mas os anos 1980...enfim. Porém, vou concordar com o colega blogueiro Guilherme (excelente crítica:http://filmesdocaralho.blogspot.com/2008/07/labirinto-magia-do-tempo.html) quando ele coloca que Magic Dance é meio creepy, principalmente na parte em que ele fala que o bebê tem o poder do vudu. Como ninguém nunca percebeu isso? Bowie faz toda a trilha sonora do filme, que é muito legal, aliás, e está sensacional no papel do rei dos Duendes.

Abrindo parênteses (coisa que sempre faço...sorry): queria que trilhas sonoras hoje fossem assim também, feitas especificamente por uma banda ou cantor para o filme, diferente das inserções de músicas feitas pelos produtores das trilhas, e com um baita fundo comercial.

Outro ponto importante: Jareth/Bowie mostra ter uma "quedinha" por Sarah, quando tenta drogá-la (é, ela fica chapada) e a leva a uma bolha de sabão para dançar com ele vestida de princesa dos duendes, tocando "As the world falls down", e chocantemente mostrando que na verdade, ele a faz sofrer porque aaaaaaama ela (As the pain sweeps through/Makes no sense for you/Every thrill has gone/Wasn't too much fun at all/But I'll be there for you-oo-oo/As the world falls down/Falling(As the world)/ Falling down/Falling in love). Aí você imagina, Bowie com uma menina de quinze anos?? Hummmm...

Labirinto é, sem dúvida, um filme de fantasia que por mais que achemos esquisito pelos efeitos especiais atuais, tem um bom roteiro, um bom desenvolvimento e cenas muito bem pensadas (como a cena em que Sarah cai num labirinto de mãos, ou a cena final em que ela tenta pegar seu irmão em um labirinto de escadas que se invertem). Os bonecos e a produção do filme são super bem elaborados, e é claro, parecem mesmo os Muppets (Henson criou os bonecos dos Muppets e Vila Sésamo, daí a semelhança) e Jennifer Connely está linda e fofa no papel. Quem não viu (talk to my hand...)ou não reviu o filme nos últimos dez anos, veja e reveja! Vale a pena.

domingo, 5 de setembro de 2010

Quando me apaixono (Then she found me)



O filme Quando me apaixono tem um nome bobinho em português e faz muito mais sentido quando pegamos o título original, Then she found me (e então ela me encontrou). Dirigido e estrelado por Helen Hunt, ele chegou aos cinemas também atrasado no Brasil, somente três anos (e meio!) após estrear nos Estados Unidos. O que é uma pena, pois o filme estreou em um circuito reduzido e é muito interessante e bem feito - deveria ter estreado em grande circuito. Mas eu já ando perdendo as esperanças no cinema de qualidade por aqui, pois só vejo estrear filmes de ação e comédias bobas no grande circuito e raramente algo de mais substância nessas salas.

Then she found me conta a história de April Epner, uma professora de 39 anos que se casa com essa idade e deseja mais que nunca ter um filho biológico. Apesar de ter sido adotada por uma família que lhe ofereceu tudo em toda a sua vida, April tem praticamente uma obsessão em ter um filho biológico. O problema é que seu casamento não anda muito bem, e ela acaba passando por um momento de crise onde conhece duas pessoas que se tornam muito importantes em sua vida: sua mãe biológica e um novo amor.

O papel da mãe é interpretado por Bette Midler. Aqui ela faz uma apresentadora de talk show, Bernice Graves (não judia, apesar da religiosidade ser um ponto fonte discutido na trama, pois April é judia e bastante religiosa)que depois de quarenta anos quer ter a filha de volta ao seu lado, e faz de tudo para recompensar sua ausência. O marido de April, interpretado por Matthew Broderick, é também um professor, frustrado (novidade...:D) que ainda não sabe o que quer da vida, e não consegue tomar mínimas decisões sobre ela - muito mais com outra pessoa. O terceiro elemento do triângulo amoroso é Frank, interpretado por Colin Firth, que não importa o papel que faça, sempre está ótimo. Ele é um pai solteiro sensível e inseguro que se apaixona pela professora de seu filho e luta por ela apesar de toda a sua insegurança.

O filme é um drama que se desenvolve de forma muito agradável e muito delicada também. Ele lembra os filmes de Allen e é claro que se passa em Nova York, com muitas externas rodadas no Hudson e nas ruas de Manhattan, com seus dias cinzentos e chuvosos.

April na verdade aparece na trama como uma mulher que deseja ter todos os seus sonhos realizados e começa a trama pensando os ter realizado - casando-se com seu melhor amigo e tentando engravidar. Porém, seu destino muda rapidamente e de repente ela se vê sozinha, sem pais, sem filhos e acaba conhecendo ela, a do título, sua mãe biológica, que propõe um novo relacionamento complicado, mas que proporciona uma redescoberta dela mesma.

Baseado no livro homônimo de Elinor Lipman, Helen Hunt encontrou muitas dificuldades para levar o romance às telas. Após anos procurando roteiristas e produtoras, ela mesmo co-produziu a história, dirigiu e interpretou April, personagem principal da trama.

O filme talvez tenha de positivo a delicadeza na dosagem de Hunt como atriz e como diretora, além de contar com um bom elenco que conduz bem a trama, em especial Firth e Midler, que estão ótimos em seus papéis.

Entretanto, o filme tem uma narrativa muito lenta e é bem dramático, o que pode levar alguns espectadores a se cansarem. seu título em português e o poster de propaganda não tem relação nenhuma com a trama, o que mostra mais uma vez a mancada das distribuidoras brasileiras que tentam vender uma coisa que ele realmente não é. E eu acho que o espectador se sentirá ultrajado se esperar ver uma comédia romântica e encontrar um drama com temas profundos como maternidade, traição, rejeição, entre outros.

Ele é centrado também na redescoberta de April sobre sua vida e suas prioridades, e isso é passado de forma um pouco superficial em parte do filme (principalmente quando ela fica em dúvidas em relação em continuar com o novo namorado ou voltar para o ex-marido. Poderia ter sido melhor trabalhado esse lado, assim como a participação de Broderick é ínfima no filme).

Then she found me traz, entretanto, aquele gostinho de filme independente que trata de temáticas diversas e principalmente sobre as relações humanas, e não um trama mirabolante, um roteiro intricado e atores maquiados e modelados para o papel, ao que vejo no cinema atual (sei que nos festivais de cinema e no circuito pequeno ainda há luz no fim do túnel, mas moro em Niterói, que só tem salas em dois shoppings. Aqui a situação é complicada, por isso quando dá escapo para as salas em Botafogo e centro do Rio). É um filme emotivo, sim, e talvez as mulheres se sensibilizem mais com sua temática, mas mesmo assim não deixa de refletir sobre assuntos interessantes para todos os públicos, principalmente, que não há uma fórmula para a felicidade.

sexta-feira, 27 de agosto de 2010

O Pequeno Nicolau (Le Petit Nicolas)


Carlos Drummond de Andrade escreveu certa vez uma frase que sempre achei muito interessante: "há duas épocas na vida, infância e velhice, em que a felicidade está numa caixa de bombons". Essa frase representa para mim o que há de melhor na vida, a inocência e pureza da infância, e a serenidade e simplicidade da velhice. Assim como na vida acreditamos sempre que a infância nos traz tão boas recordações pela falta de compromisso e pela simplicidade, o filme O Pequeno Nicolau me trouxe uma nostalgia dessa época, que vivi também plenamente.

Lembro de minha mãe comprando os livros da série O Pequeno Nicolau quando éramos crianças (junto com as revistas do Asterix). Quando eu era criança ela morou na França e trouxe para a gente boas recordações da literatura e cultura francesa. Já nem me lembrava mais dos livros da série (assim como esquecemos de tantas coisas boas de quando éramos novos), até que me deparei com a notícia no jornal de que havia estreado o filme baseado na série. Não podia ter sido também mais feliz a minha ideia de assistir o filme. Me trouxe muitas alegrias e também muitas recordações.

Recordações de quando era criança e achava que se alguém chamasse meu nome era porque tinha feito algo errado e iria ser castigada; recordações também do melhor aluno da turma, que sentava sempre na frente ou do menino gordinho que todo mundo brincava porque comia demais. Acho que todo o mundo já foi criança e já conheceu essas crianças - ou foi uma delas. O filme O Pequeno Nicolau traz uma mensagem importante, que é ver a vida com mais simplicidade, com um olhar mais feliz, de raiva, de medo, de dúvida, mas principalmente, inocente e despreocupado.

A trama de O Pequeno Nicolau é a seguinte: Nicolau é um menino de cerca de sete anos de idade e que como todos os meninos de sua idade, tem um olhar muito pueril sobre a vida. Ele na verdade, é uma criança feliz, tão feliz, como afirma no filme, que tem medo da felicidade ir embora de repente. Eis que surge de repente, por meio de uma curiosa e mal entendida escuta da conversa dos pais por trás da porta, uma notícia que poderia estragar tamanha felicidade: ele estaria ganhando um irmãozinho. Pelo que os amigos dele relatam, um irmão iria tirar toda a atenção da família sobre ele e acabar com sua felicidade. Mais ainda: Nicolau começa a acreditar que seus pais irão largá-lo para cuidar só do irmãozinho que está para nascer. Nicolau não se deixa abater com a notícia e decide bolar (alguns) planos mirabolantes com seus amigos para que seus pais não o abandonem.

Na história do filme, assim como nos livros, todos os seus amigos tem uma peculiaridade. Clotaire tem dificuldades de aprendizado e já está acostumado a ser repreendido pela professora; Alceste é o menino gordinho que come tudo o que vê pela frente; Geoffrey, um menino rico mas que não tem a atenção dos pais; Eudes, o "cdf" que dedura os colegas e que ninguém pode bater porque usa óculos. Esse universo infantil criado por Renné Goscinny (mais conhecido no mundo por Asterix que é de fato uma criação incrível, porém gosto muito também de Lucky Luke, quadrinho sobre um cowboy solitário do velho oeste) e imortalizado pelos desenhos de Jean-Jacques Sempé é um universo vivo em nossas lembranças, pois Nicolau é aquele menino que representa um pouquinho de todos nós.

A história do filme é baseada no primeiro livro da série, O Pequeno Nicolau volta às aulas, mas o roteiro foi feito a três mãos, por Laurent Tirard, Grégoire Vigneron e Alain Chabat (Tirard é também diretor do filme, e pouco conhecido até o momento por ter dirigido As aventuras de Molière). Sempé ajudou na roteirização, assim com a filha de Goscinny, Anne Goscinny, que só aceitou imortalizar o livro na tela do cinema após a promessa de que ele seria totalmente fiel à série de livros.

O filme O Pequeno Nicolau é muito bom em diversos sentidos: trata das aventuras de crianças que vivem e olham o mundo com o olhar de crianças, as situações entre os adultos, que são entendidas pelos adultos não deixam de ser divertidas, a fotografia e adaptação de época para a década de 1950 são excelentes e a trilha sonora sensacional(de Klaus Baudet). No final, fica aquele gostinho de querer voltar a ser criança e ter a felicidade de se preocupar com os problemas dessa fase da vida (sim, foi uma nostalgia total para mim!).

Vale a pena também se deleitar com a abertura do filme, animada por Sempé (baseada nos desenhos do livro). Aqui vai, para quem interessar, o link para assistir a abertura:

http://www.youtube.com/watch?v=H4KMXsSjSL4

PS: tenho tentado colocar links neste blog mas nunca consigo :( fica então o link acima para ser copiado, até conseguir (ou aprender) a postar o link direto...

sexta-feira, 30 de julho de 2010

Nina's Heavenly Delights



Nina's Heavenly Delights é um filme indo-escocês cujo nome em português eu não sei exatamente qual é. Isso porque no cinema estava "Amor e outras delícias", mas na internet já o achei com dois outros nomes: "Índia, amor e outras delícias" e "Uma receita de amor". Eu acho que um dos grandes problemas dos filmes quando chegam ao Brasil é a escolha dos nomes. A maioria tem um nome comercial bobo e que muitas vezes não tem a ver com o título original. O título original é mais bonito,sonoro, interessante e não gera confusões, então vou mantê-lo.

Uma segunda coisa que me chamou a atenção no filme (antes de fazer a crítica dele) foi a demora dele chegar às telas. O filme é de 2006! E chega ao Brasil em 2010? Francamente...what a shame.

Bom, Nina's Heavenly Delights conta a história da jovem Nina (Shelley Conn), cozinheira escocesa descendente de indianos cujo pai tem um restaurante (o Taj) e a ensina desde pequena as delícias da culinária indiana. Porém, ao falecer, o pai deixa o restaurante e dívidas, e somente Nina está disposta a tocá-lo. O filme é uma comédia romântica com aquela "puxada gastronômica" que está se tornando comum em muitos filmes e pode-se dizer que não tem uma produção muito apurada - tem problemas sérios de roteiro, edição, filmagem de externas e outras coisas que o fazem ser um filme mediano. Porém, a temática dele é bem interessante: mostrar famílias imigrantes indianas na Escócia (e pode-se dizer que as externas gravadas de verdade em Glasgow são lindas...mas eu sou suspeita, meu sonho é conhecer a Grã-Bretanha, toda ela! :D), além de tratar-se de uma comédia romântica onde o casal principal é gay. É isso aí, Nina é gay e conhece uma jovem, Lisa (Laura Fraser), que a ajuda na cozinha do Taj, e se apaixona por ela e...o resto, bom, não vou contar, mas o filme tem tudo aquilo que você pode esperar de um filme romântico.

Bom, aí vocês me perguntam: qual o problema, filmes com casais gays? Depois de Brokeback Mountain já surgiu um monte... Aí eu digo: bom, não um filme que trata de uma família tradicional, mesmo que imigrante, indiana, e tem o elenco todo indiano, e com produção indo-escocesa, que mostra duas jovens mulheres em um relacionamento gay. Isso não é lá muito comum, não é? Ok, isso faz o filme se tornar mais interessante. Primeiro porque os relacionamentos gays na cultura indiana ainda são um graande tabu (se já é na nossa, imagina na deles). Segundo porque até mesmo hoje em dia, é muito difícil ver filmes (filmes não "adultos", meninos!) que tratam de relacionamentos homossexuais femininos. Quem se lembra de algum, levanta a mão (ou melhor, comente abaixo!:D). As pesquisas já mostram que o relacionamento amoroso entre mulheres é muito menos aprovado pela sociedade do que o relacionamento entre homens. E acho que o filme trata isso com naturalidade, tenta quebrar tabus (o melhor amigo de Nina é um transexual) e diverte como uma comédia romântica que, convenhamos, tem um roteiro fraquinho, mas pelo menos trata de questões interessantes.

O filme peca muito na qualidade e na previsibidade. O orçamento percebe-se de longe que é fraco e os efeitos especiais...bom, teria sido uma boa ideia tirá-los, já que não ficaram bons mesmo! Cenas externas gravadas em estúdios, fantasmas que aparecem e desaparacem em efeito fade, além de falta de uma atuação forte da protagonista que apesar de tentar, não convenceu muito no papel jovem determinada-apaixonada-confusa. A história do romance é bem previsível logo no início e as reviravoltas também. E a comida indiana...bom essa é de dar água na boca! (para quem gosta)

Nina's Heavenly Delights é um filme, porém, bom para ser visto de forma despretensiosa, com amigos, um namorado (desde que ele não seja um preconceituoso de carteirinha e se for, larga ele na porta e vai assistir sozinha!), num fim de tarde ou num dia em que você está de bobeira sozinha passeando pela cidade. Ele também mostra uma realidade interessante da vida de imigrantes em Glasgow (inclusive Nina tem uma irmã que faz dança tradicional escocesa, o que causa um certo impacto à primeira vista, mas que diabos, elas são escocesas, ué!) e tem uma temática interessante.

PS: me sinto meio ultrajada de ter ido ver um filme no cinema de 2006 em 2010! Isso é o que enfraquece o cinema...

domingo, 25 de julho de 2010

Tudo pode dar certo (Whatever works)



Um filme de Woody Allen é sempre um filme de Woody Allen. E é muito difícil fazer uma crítica de Tudo pode dar certo porque o último filme que vi dele foi Vicky Cristina Barcelona. Filmaço. E um dos filmes que está no “top 10” da minha lista de filmes preferidos é A Rosa Púrpura do Cairo (fantástico). Bom, o que me chama a atenção nos filmes de Allen é a agilidade dos roteiros e diálogos em seus filmes e a sua capacidade de contar histórias de relacionamentos – dos mais simples aos mais conturbados. E aí está a graça em seus filmes, pois nenhum relacionamento é perfeito, e a fantasia criada por Hollywood de “felizes para sempre” com certeza não cola para Allen.

Também não sou muito fã de cinema “explosão”. Estou longe também de querer ver só filmes europeus ou de pequenos circuitos. Adoro o cinema americano – mas o cinema inteligente, independente, das novas ideias, de roteiros incríveis. Allen transporta para seus filmes uma aura de simplicidade, com pitadas de comédia e reflexões sobre a vida, mostrando que o ser humano é muito complexo quando se trata de seus sentimentos. Os relacionamentos são complexos e as pessoas tem uma capacidade de metamorfose durante a vida que impressiona. E é isso que Allen faz, mostrar essa metamorfose. Bom, vou parar de devanear sobre Woody Allen e falar um pouco sobre o filme.

Tudo pode dar certo é um desses filmes que faz você refletir sobre a importância dos relacionamentos, mesmo aqueles que você acha que nunca poderiam dar certo, acabando com diversos estereótipos sociais existentes. Ele conta a história de Boris Yelnikoff, um ex-professor de física e "quase ganhador do prêmio nobel", como gosta de dizer, que vive recluso em um apartamento em Nova York e passa os dias ensinando xadrez para crianças. Ou melhor, torturando criancinhas que querem aprender xadrez. A personagem de David tem poucos amigos, reclama muito da vida pois não vê mais sentido no universo e como ele funciona, tenta se suicidar num plano que não dá certo e não crê mais em muitas coisas no mundo, somente em que ele é um local de meros acasos.

Numa bela noite em Nova York (chuvosa e fria, é claro), Boris conhece Melody Saint'Ann Celestine (adoro o humor do Woody Allen :P), uma jovem da Louisiana com cerca de dezoito anos e pouco afeita ao ensino, e a abriga depois de muita insistência em sua casa. A convivência com a menina, que Boris acredita ser o oposto de tudo aquilo que ele já viveu em um relacionamento, o faz questionar sobre as chances deles, de origens totalmente opostas e estilo de vida totalmente diferente, se encontrarem, e acaba percebendo isso como um "sinal", como se o universo tivesse uma capacidade incrível de criar acasos. Na verdade, Boris acaba se afeiçoando a ela, que apesar de toda a falta de conhecimento em física e discussões sobre a relatividade, ri do que Boris fala, ouve e repete suas teorias e aceita as crises de pânico e o TOC que Boris desenvolveu durante a vida.

Tudo pode dar certo trata justamente do inesperado, do novo e da revitalização da vida de Boris - que ele achava que já estava praticamente acabada. Não importa se os relacionamentos são entre pessoas opostas, complicadas ou com idades muito diferentes (bom, não vou comentar muito sobre isso, além de que aqui mais uma vez Allen faz um auto-retrato dele, vide seu relacionamento com sua enteada), eles podem acontecer apesar de todas as leis da física, como diz Boris, dizerem que nunca vão.

No papel de Boris Yelnikoff está Larry David, roterista da série Seinfeld e protagonista da sua própria série Segura a Onda (Curb Your Enthusiasm). Com humor ácido e duvidoso, aparentemente muitos torceram o nariz ao vê-lo protagonizando um filme de Allen, mas Allen queria justamente alguém que tivesse semelhanças com Boris, mesmo que no filme a personalidade dele seja bastante exagerada. No papel de Melody, Rachel Evan Wood, atriz que despontou na adolescência por fazer o filme Aos Treze e ficou mais conhecida pelo papel em Across the Universe (que acho incrível – um musical com músicas do Beatles, podia ser mais genial? :D) e atualmente pela atuação em True Blood.

A partir do encontro de Boris e Melody e da construção de seu relacionamento, outras pessoas surgem nas suas vidas- a sogra, o sogro e um jovem interessado em Melody. E assim é construída a trama de Woody Allen, cheia de reviravoltas e com muito bom humor. Enquanto sua mãe tenta empurrar o jovem galã para a filha, ela mesma começa a rever seus relacionamentos e se interessar em ser ela própria. Melody, por sua vez, é uma jovem determinada e alegre que também amadurece durante o filme e ganhando a confiança e admiração de Boris e sua mãe.

Tudo pode dar certo , ou pela tradução literal, “o que funcionar” em inglês, é um filme para se refletir sobre a natureza dos relacionamentos e mostra que muitas vezes não há muitas explicações, previsões, leis que regulem o amor – simplesmente ele existe e você pode ser surpreendido quando menos espera.

(Talvez me falte um conhecimento maior de Allen para falar sobre sua psiquê, sua relação com as personagens e seu estilo de filmagem, mas para quem se interessar, aqui está uma excelente crítica do filme http://profepedro.wordpress.com/2010/03/14/tudo-pode-dar-certo-whatever-works-woody-allen-2009/ . Como disse antes, esse é apenas um blog sobre as impressões dos filmes que vejo e que eu acho que vale a pena pensar sobre).

quarta-feira, 14 de julho de 2010

Flor do deserto (Desert flower)


Um cenário árido e ao mesmo tempo colorido pelas burcas femininas voando pelo deserto. Assim começa o filme Flor do Deserto, baseado na biografia da supermodelo somaliana Waris Dirie. Flor do Deserto conta a história de Waris desde o momento em que ela deixa sua tribo nômade no interior da Somália até alcançar o sucesso nas passarelas na década de 1980.

Diversos filmes biográficos contam histórias sofridas e da longa caminhada até a fama. Muitos acabam mal, outros bem. Lembro bem de uma biografia que gostei muito, Gia, também baseado na história da modelo de vida errática e viciada em drogas, que acaba pegando Aids e se torna uma porta-voz também da doença na década de 1980 (filme da HBO e primeiro destaque da carreira de Angelina Jolie). Flor do Deserto não é diferente, a heroína passa por uma longa caminhada de sofrimento e auto-descobertas durante todo o longa, até alcançar a felicidade.

O que marca o roteiro do filme é o drama pessoal vivido por Waris não somente em busca da fama ou de uma vida melhor na bucólica Londres no início da década de 1980, mas também do seu sofrimento devido à mutilação genital que passou, costume comum na Somália e em alguns outros países de origem muçulmana. Waris Dirie ficou conhecida por ter denunciado costumes extremamente tradicionais e pouco discutidos no mundo árabe e hoje é porta-voz da ONU na luta contra a mutilação feminina.

Waris sofreu também um grande conflito interno, mostrado no filme, de ter uma origem muçulmana e uma criação rígida e se abrir aos poucos à uma vida ocidentalizada, estrelando campanhas onde desfilava semi-nua, deixando o véu e a burca de lado. Chegou a fazer tratamentos médicos com médicos homens, algo impensável para os muçulmanos mais ortodoxos. Essa mudança não foi fácil e é neste ponto que o filme se torna um retrato fiel e bem direcionado dos conflitos de Waris. Não é somente a vida de princesa que é focado ou o sofrimento pela mutilação, mas todos os passos que a levaram a mudar sua forma de viver e pensar o mundo.

A também modelo Liya Kebede faz - e muito bem, diga-se de passagem - o papel de Waris. De origem etíope, com certeza ela é uma pessoa facilmente identificável com Waris e alcançou o estrelato também no mundo da moda pela sua beleza ímpar. O filme é praticamente Lyia, e Lyia consegue segurar esse papel de forma sublime, o que é muito difícil para uma atriz que está começando no ramo. É claro que a beleza a ajudou; porém, ela conseguiu se transformar na Waris confusa e na Waris determinada, de uma forma muito delicada.

Flor do Deserto é um drama e portanto, quem for mais emotivo pode ir preparando os lencinhos para ir no cinema. O tema é social e árduo, como já havia dito, mas como qualquer heroína do cinema, Waris consegue alcançar sua felicidade e se tornar uma pessoa com voz, levando ao mundo todo os conflitos que muitas mulheres vivem até hoje em algumas partes do mundo e que nem sempre são discutidos - ou conhecidos.

domingo, 11 de julho de 2010

Soul Kitchen (Soul Kitchen)




Vi esse fim de semana dois filmes difíceis de se fazer a crítica. Talvez porque tenham uma estética diferente ou uma história pessoal e com um tema árduo.

Bom, o primeiro, Soul Kitchen, é um filme alemão de Fatih Akin, diretor de origem turca o qual os outros filmes ainda não vi, mas pelo que li, me parece que têm uma temática bem diferente dos primeiros. Uma coisa que me chamou a atenção e que eu também li nas críticas: a questão dos conflitos culturais, presentes no papel de Zinos (Adam Bousdoukos), o dono de origem grega do restaurante que tem como tema a música soul dos anos 1970, e que tem pouco a ver com o jeito alemão sério e erudito (tanto o restaurante quanto o próprio Zinos).

Zinos Kazantsakis é a personagem principal da história. De família imigrante grega e casado com uma alemã de família tradicional, logo no início da trama é forçado a ir a um almoço com a matriarca da família e mais suas dezenas de primos e tios. Dono do restaurante inspirado na música que tanto gosta, Zinos o toca como uma pequena lanchonete que serve a comida mais tradicional, enlatada e sem graça possível, e tem um público cativo. Todos os dias, sua rotina é igual e ele conta com a ajuda de Lucia e do barman Lutz, que tocam o restaurante que fica à beira do rio em Hamburgo, num velho galpão gigantesco.Nos fundos do galpão mora Sokrates, um idoso grego que vive reclamando de tudo - e pegando no pé de Zinos, principalmente.

Com a namorada indo embora para ser correspondente em Xangai , Zinos começa a ficar de "saco cheio" da sua rotina, e decide ir morar com a namorada. Porém, não pode deixar seu restaurante, mesmo que seja um "pé sujo", sozinho. Seu irmão, que acaba de sair da prisão, poderia tocá-lo, mas deixar o local nas mãos de um apostador compulsivo não seria uma boa ideia. O herói da história ainda sofre com um problema de hérnia que o deixa mais estressado do que geralmente o é. Acaba conhecendo assim duas personagens que vão se interessar pela Soul Kitchen mas por motivos diferentes: Thomas Neumann (Wotan Wilke Möhring), um especulador imobiliário que só está de olho no galpão, e o chef prestigiado mas com temperamento "cáustico" Shayn Weiss (Birol Ünel). Este ensina Zinos, ao longo da trama, a cozinhar com "alma", que era aquilo que Zinos acaba descobrindo que precisava para o seu restaurante.

Bom, críticas à parte, Soul Kitchen me causou estranheza pelo fato de não ser uma simples comédia (mas também eu não esperava só isso de um filme alemão, apesar de conhecer pouco a estética, o humor é bem mais contido e direcionado), não é um simples filme de aventura, apesar de parecer em certos momentos um thriller contando as desventuras do herói anti-herói, Zinos, e também não é um filme que se assemelha aos do gênero sobre cozinha ou a arte de cozinhar (cujo melhor filme é um que vi há muuuuuito tempo, Comer, beber e viver, do Ang Lee - antes dele ficar famoso por Tigre e o Dragão e Razão e Sensibilidade). Acredito que na verdade ele mistura um pouco de tudo e é original, porque não segue uma lógica que geralmente nós teríamos ao ir ao vê-lo.

Há que se dizer que na verdade, o restaurante ganha "alma" com a vinda do novo chef e com a ajuda dada pelo irmão de Zinos e pelos seus ajudantes, mas somente Zinos garante a alma do lugar, apesar de lutar de certa forma durante o filme contra o fato que de sua esposa ter ido para Xangai e ele não poder ter ido. Zinos também volta a "ganhar sua alma", esquecida pela rotina, com a música que tanto gosta (e convenhamos, também não nos lembra nem um pouco música tradicional alemã nem o estilo de vida alemão) e com a comida que nunca soube fazer mas tem a oportunidade de aprender com o famoso chef contratado.

É claro que existe ainda toda uma discussão em relação à estética do filme, ambientado em Hamburgo e numa região portuária que está se revitalizando, mas eu não manjo muito disso. Aconselho a lerem essa crítica que é bastante pertinente ao assunto:

http://omelete.com.br/cinema/critica-soul-kitchen/

Soul Kitchen é isso, um filme original sob um olhar estrangeiro (isso é importante, os dois roteiristas são Fatih Akin, o diretor, e Adam Bousdoukos, que interpreta Zinos), que contradiz o tradicional e o novo e com uma linguagem bem inovadora (apesar de ser difícil eu falar sobre isso também, pois não conheço os outros filmes desse diretor. Aliás, ando muito relapsa, há alguns anos atrás eu já o teria visto no Festival de Cinema do Rio ou nas salas do grupo Estação). No final, sentimos que a epopeia de Zinos valeu a pena, afinal, ficamos com uma vontade de comer em um restaurante como o dele, com sua própria alma e com muito ritmo.

quinta-feira, 8 de julho de 2010

Cartas para Julieta (Letters to Juliet)



Fui ao cinema, depois de um bom tempo ser ir, e dessa vez vi um filme bem legalzinho, que na verdade, é muito bonito visualmente e tem uma história romântica para contar. Cartas para Julieta é mais uma dessas comédias românticas com um roteiro bem feito, uma produção impecável e que não tem protagonistas hiper conhecidos (o que é um ponto extremamente positivo, pois ultimamente só vejo lixo desse tipo de gênero).Para quem não gosta muito do gênero, nem precisa ler a crítica. Para quem gosta, bom, então é do meu time (de românticas :)). Além disso, ver comédias românticas, bem no estilo Hollywoodiano, faz bem para a alma. Vejam que vocês vão se sentir mais leves no final.

Cartas para Julieta conta a história de uma jovem escritora e jornalista (não, não é Julieta! Seu nome é Sophie), que viaja numa "pré-lua-de-mel" com o noivo à Itália, mais especificamente para a cidade de Verona, conhecer o local "ninho de amor" que inspirou Shakespeare. Seu noivo, Victor, é um chef ítalo-americano simpático, falastrão e diga-se de passagem, lindo (Gael Garcia Bernal, sem comentários) que ao chegar na cidade só pensa em viajar pelo interior do país para conhecer fornecedores de vinhos, trufas, massas e aprender receitas diversas. Desapontada com o noivo, Sophie resolve conhecer a cidade sozinha e chega à "Casa de Julieta", local onde jovens de todo o mundo deixam cartas pedindo conselhos e falando sobre seus desencantos amorosos. Curiosa, Sophie observa as cartas sendo levadas o tempo todo para um restaurante e lá se depara com as "Julietas" de Verona, mulheres que todos os dias lêem as cartas e as respondem, dando conselhos ou esperanças às jovens desiludidas.

A partir daí, Sophie se torna amiga das mulheres e resolve ajudar com as cartas em inglês e por acaso acha, entre outras cartas no tal "muro das lamentações", uma antiga carta de 1957, de uma jovem inglesa que tinha dúvidas em se casar com um jovem italiano que se apaixonara quando esteve na Toscana de férias. Sophie responde a carta, e em poucos dias, conhece Claire, a agora senhora então jovem na época que acabou fugindo do italiano e voltando para a Inglaterra. Agora viúva, com um jovem neto, Charlie, Claire sai em busca do seu "verdadeiro amor", numa viagem belíssima de carro pela Toscana e Sophie se convida para ir junto, se envolvendo romanticamente com Charlie.

Ufa! Parece meio complicado, mas acho que não é. A história do filme é realmente permeada de clichês românticos, com direito à beijo roubado, brigas entre os jovens e risadas pelo caminho, na busca do italiano fonte da paixão de Claire. Deixada de lado pelo (lindo, vou repetir!) noivo, Claire aos poucos começa a pensar se deve deixar o romantismo de lado e ficar com Victor ou ficar com aquele que realmente está se apaixonando, Charlie.

Amanda Seyfried faz o papel de Sophie. Muito tem sido dito em relação à atriz (parece uma mistura de Michelle Pfeiffer e Dakota Fanning :D), que ela está despontando como uma forte atriz em Hollywood, não é só carinha bonita, etc. Mas eu já a conhecia de outros seriados e filmes, e por isso gosto da menina, ela tem talento (ela fez a Needy de Garota Infernal, veja a crítica abaixo! E a primeira vez que a vi, duvido que alguém tenha lembrado: ela fez a amiga assassinada de Veronica em Veronica Mars, seriado espetacular que foi ao ar há quatro anos. Durou apenas duas temporadas). No papel de Claire Smith, a excelente atriz Vanessa Redgrave, que continua linda, diga-se de passagem. No papel de Alberto, o italiano deixado para trás por Claire, Franco Nero, famoso ator de western italiano, que também é um homem muito bonito - e apesar da pouca participação no filme, excelente ator. No papel do jovem Charlie, o australiano Cristopher Egan, meio sem graça no papel (também, como competir com Gael, que além de lindo - de novo! :D - é muito talentoso?Fica aquele gostinho de que...Sophie trocou gato por lebre. Porém, ele é um pobre menino com bom coração - isso é o que importa).

As paisagens do filme foram os motivos que me levaram a vê-lo em primeiro lugar. A Itália toda, por si só, é linda. Ainda farei uma viagem de carro por lá - tenho certeza. E em relação ao filme (voltando ao filme, aliás), vale a pena conferir, para aqueles que acreditam em amor à primeira vista ou que só são românticos e esperam um dia encontrar um parceiro para a vida.

segunda-feira, 28 de junho de 2010

Linha de Passe



Completando o fim de semana com mais um "choque de realidade" (após ter visto O Contador de Histórias), deixei para o final Linha de Passe. Não estava enganada. Enquanto o Contador conta a história de uma excessão, Linha de Passe conta a história da maioria, da realidade brutal do dia-a-dia de uma família pobre que vive em São Paulo.

O que me chamou a atenção em ver esse filme pode ter sido, talvez, as críticas positivas quando do seu lançamento (que foi em 2008, como o tempo passa); Sandra Corveloni, a atriz principal, ter ganhado o prêmio de melhor atriz em Cannes (o que alçou o filme a mais salas de cinema na época, pois até então, pouca gente ouvia falar nele)e também a história simples,sobre o cotidiano de uma família de baixa renda em São Paulo. Uma mãe, quatro filhos e mais um para vir, empregada doméstica, com um filho tentando ser um jogador de futebol profissional, outro frentista e outro motoboy. Família que existe em todas as grandes cidades do país. E é partir daí que Walter Salles constrói sua narrativa.

O filme impressiona pelo realismo. Para começar, não há atores e atrizes no filme que pareçam ser atores lindos e globais. Todos tem o rosto enbrutecido, e como a maioria da população brasileira, cansado, devido à dura realidade de trabalho e falta de perspectiva.

As expectativas da família se fazem presente no filho jogador de futebol, Dario (que eu pasmei em saber que é o mesmo menino de Central do Brasil, Vinícius de Oliveira. O trabalho de caracterização, maquiagem e indumentária nesse filme está perfeito). Afinal, é o sonho de nove entre dez meninos de comunidades carente no país se tornar um jogador de futebol famoso e enriquecer. É a única forma, em muitos casos. Dario é um menino de dezoito anos, que tenta a todo custo ser percebido pelos olheiros que fazem teste para seleções juniores dos times paulistas. É bom jogador, mas como diz um dos olheiros, tem 18 anos, enquanto tem mil iguais a ele com 15, que serão contratados antes.

Dinho e Dênis, por sua vez, são os irmãos mais velhos. O mais velho, Dênis, já tem um filho e trabalha com motoboy. Tenta entrar pra carreira do crime, mas não consegue. Dinho, por sua vez, já entrou pra carreira do crime, mas desistiu a tempo. Se tornou evangélico e arranjou um emprego, renegando um passado que não quer mais.

Sem dúvida as personagens de Linha de Passe que mais impressionam são o filho mais novo, Reginaldo, e a mãe dos meninos, Cleusa. Reginaldo, não mais que doze anos, insiste em saber quem é seu pai. Viaja de ônibus todos os dias, procurando dentre os motoristas aquele que tinha vista na foto com sua mãe, em uma garagem de uma companhia de ônibus na cidade. Inconformado pelo silêncio da mãe em relação ao pai, ele chega a matar aulas para andar de ônibus - e aprender também a dirigir. Observando todos os macetes dos motoristas, as marchas, pedindo para ensiná-lo.

Cleusa, por sua vez, Corintiana doente, está grávida do quinto filho, e vive uma vida miserável e sem alegrias. Acostuma-se com esse cotidiano. Se vê ameaçada no trabalho, onde faz de tudo pela patroa, ao ouvir dela que contrataria uma nova empregada para ajudá-la devido a gravidez. Se sente triste ao lembrar dos homens que ficaram para trás em sua vida. se sente feliz ao sentar na arquibancada do Morumbi e ver o seu Corinthians ganhar. Se sente indignada ao ver o filho lhe dar de presente uma bolsa roubada. Cleusa é, verdadeiramente, o retrato de uma mulher sofrida brasileira. Não preciso nem falar de sua interpretação, acho que dispensa comentários.

O filme se chama Linha de Passe, um título que lembra o futebol do filho de Cleusa. Porém, a linha de passe também é a linha que separa sua família de outros problemas mais sérios da comunidade onde vivem (drogas, violência, bandidagem). Outra alusão ao nome seria ao cotidiano da família, que a cada dia, "passa a bola" um ao outro, se ajudando ou levantando o outro.

Para terminar, não tem como não se emocionar com a cena final de Reginaldo (eu não costumo contar final de filme, mas apenas dessa personagem farei). Escondido no banco de um ônibus, ele se aproveita do motorista não tê-lo visto e saído do carro na garagem e dá partida. Reginaldo busca sempre uma resposta, e parece que com aquele ônibus, viajando livremente, ele vai buscar as suas respostas. E o filme Linha de Passe é isso. Mais do que um filme que relata o cotidiano duro de uma família, ele mostra que cada um da família, do seu jeito, está buscando as respostas para uma vida melhor e que faça sentido.

O Contador de Histórias




Sei que prometi a crítica de Bonequinha de Luxo. Mas acabei alugando dois filmes esse fim de semana brasileiros, porque...estava com vontade. Queria ver o Linha de Passe há muito tempo, e ouvi falar do Contador de Histórias.Ainda farei a crítica de Bonequinha, mas a promessa era relatar todos os filmes que vi. Então vamos lá.

O Contador de Histórias é baseado num relato verdadeiro de Roberto Carlos Ramos (cuja história eu já conhecia, uma professora conhecida levou um vídeo dele para a escola certo dia), que de menino de rua em Belo Horizonte se tornou um pedagogo e contador de histórias, reconhecido no mundo todo. O filme se baseia na relação entre Roberto e Marguerite, pedagoga francesa que vem ao Brasil estudar as condições dos meninos de rua na década de 1970. Na Febem em Belo Horizonte encontra Roberto Carlos, de treze anos, considerado pela direção da instituição um menino "irrecuperável". Fugiu mais de cem vezes,fumava, cheirava, roubava na rua e não obedecia ninguém. Era mais um menor para entrar na estatística.

Marguerite se interessa pelo menino - e pelas causas que o levariam a se tornar um menino de rua. Insiste em entrevistá-lo e logo no primeiro encontro, Roberto Carlos conta uma história absurda e imaginativa sobre como foi parar na Febem. Marguerite se interessa mais. Quando volta para vê-lo, ele já tinha fugido da instituição novamente. E novamente Marguerite vai procurá-lo nas ruas.

Após encontrá-lo, Marguerite o convence a dar mais entrevistas, acolhendo-o em sua casa. No início, Roberto Carlos se aproveita e tenta roubar-lhe. Porém, após mais um período duro nas ruas, onde quase morre, ele decide voltar a vê-la. E assim os dois começam a conviver e aprender a gostar um do outro.

O filme todo se baseia na relação entre os dois - logo a primeira cena prenuncia isso. Roberto Carlos, por sua vez, é visto como uma criança que por consequência do destino, acaba sendo levada a fazer coisas erradas. Isso fica bem claro no filme. Afinal, como Marguerite coloca para a diretora da Febem, ela sabia que uma criança de treze anos não poderia ser considerada irrecuperável. Marguerite é a "princesa no cavalo branco". Ela surge do nada na vida do menino e resolver dar um jeito nela, pois acredita no seu potencial. Como a diretora também afirma no filme, ele teve "sorte" por encontrá-la. Apenas uma em mil teria essa sorte de ser adotada por uma pessoa como ela.

O filme é recheado de cenas tristes e que mostram o cotidiano dos meninos de rua. Crianças esquecidas, de fato, pelo governo, pelas instituições que cuidam de menores infratores e outras tantas que cuidam de órfãos e crianças abandonadas, que muitas vezes mais deseducam do que cumprem seu papel. Ensinam pelo menos os menores a se virarem. Seja pela lei do mais forte, seja pela malandragem. Isso também fica claro em O Contador de Histórias. porém, ao mesmo tempo em que o filme mostra a realidade dura dessas crianças, Roberto Carlos também deixa claro que sabia o que estava fazendo e tinha consciência dos seus atos. Mas não ligava mais para nada.

Uma cena que me chamou atenção foi quando Roberto Carlos conta a verdadeira história de como foi parar na Febem. Diferente da história inicial, em que inventa um fabuloso assalta a banco com seus nove irmãos e sua mãe e é deixado para trás, ele conta que sua mãe, ao ver a propaganda da Febem na única televisão na comunidade onde morava, acredita que ali seria um lugar onde o filho mais novo teria educação, assistência de saúde, refeições completas, uma vida melhor. E acaba entregando o filho a uma instituição que como é colocado no filme, já começou errada.

Uma das críticas que faço ao Contador de Histórias é em relação às cenas fantasiosas da imaginação de Roberto Carlos. Parecem um tanto quanto fora de contexto. Outra é sobre o andamento do filme, um pouco arrastado pro meu gosto, são mais de duas horas e no meio, você já fica cansado de assisti-lo. No início, o filme parece ser bem lento e no final, parece que as cenas são contadas de forma muito rápida.

O filme tem uma atuação ótima de Maria de Medeiros, famosa atriz portuguesa, no papel de Marguerite, e vê-se que foi feito um bom trabalho de interpretação com as crianças. A história de Roberto Carlos é uma história bonita, uma história cheia de histórias, porém, acabamos chegando à conclusão que ele foi realmente uma excessão à regra. E geralmente dessa excessões se constroem belos filmes - porém, que não correspondem muito com a realidade da maioria da população.

sexta-feira, 25 de junho de 2010

Capote (Capote)




Ontem cheguei em casa - extremamente cansada, como sempre - e consegui arranjar um tempo para ver um filme, coisa que tem sido difícil. Tinha comentado há duas semanas que iria postar minhas críticas de Capote e Bonequinha de Luxo, e vou manter minha promessa. Começando por Capote.

Capote conta a história de como Truman Capote escreveu seu livro À Sangue Frio (In cold blood), onde ele relata o assassinato de uma família no interior do estado do Kansas, baseando seu relato numa história verídica. Capote, que escreve para a revista The New Yorker, já famoso pelo sucesso de Bonequinha de Luxo e conhecido no mainstream de Hollywood, decide viajar até a pequena cidade de Holcomb com sua amiga de infância, Harper Lee (sim, ela mesma, de To Kill a Mockingbird), para investigar o assassinato daquelas pessoas. Ao chegar na cidade bucólica, como ele mesmo coloca em seu livro, com seus trigais e aquele silêncio de fim de tarde, Capote se torna amigo do xerife local e sua esposa e consegue informações exclusivas do assassinato, até mesmo entrevista com os assassinos. A partir do contato dele com um dos assassinos, Perry Lewis, ele começa a desenvolver sua história (na ficção) e também a desenvolver uma relação muito próxima com o preso na vida real.

A relação de Capote e Lewis se torna intensa, pois o assassino vê em Capote a esperança para conseguir reverter a sentença de morte e Capote vê em Lewis uma história incrível, que daria, de acordo com ele, um dos melhores livros que já existiu. Criando um gênero novo, o de "romance de não-ficção", Capote decide que a sua história é Perry e os motivos que o levaram a assassinar aquela família eram muito mais profundos do que simples maldade. Dedicando quatro anos de sua vida a esse romance, Capote estabeleceu ao mesmo tempo um sentimento de compaixão com o preso e de paixão pelo seu livro, o que o faz parecer bastante maniqueísta e frio. Ao mesmo tempo em que sente pena e consegue adiar a pena de morte do preso, ele precisa dele vivo para terminar seu livro. E assim, durante o filme, percebe-se que ele estabelece uma relação ora de distanciamento com seu "objeto" retratado, ora de aproximação.

O filme trata da vida de Capote e da personalidade dele a partir de um ponto específico de sua história, quando escreveu seu grande best-seller, e uma das obras mais importantes da literatura norte-americana. Pode-se dizer que Phillip Seymour Hoffman, que produz o filme e interpreta o papel principal, está perfeito no papel título do filme. Capote tinha sido uma criança abandonada, criada no sul dos Estados Unidos por uma mãe ausente e depois por tias (na mesma cidade de Harper), quando começou a desenvolver uma série de problemas afetivos. Sua carreira decolou ao escrever roteiros que começaram a fazer grande sucesso em Hollywood, na década de 1950.

Algumas passagens de sua vida são descritas pela personagem durante o filme (nos momentos em que Capote, propositalmente, ao meu ver, estabelece uma proximidade com o preso mostrando que ele também fora abandonado, era sozinho, excluído e discriminado por ser gay). Outro momento que me chamou a atenção é sua relação com Harper, que, escritora como ele, mas não de sucesso até então, o acompanhava em suas "empreitadas", mas no momento em que ela consegue ser reconhecida pelo meio literário com seu livro To Kill a Mockingbird e posteriormente pelo sucesso do filme (leia a crítica abaixo!), que foi feito, diga-se de passagem, antes de Bonequinha de Luxo, é menosprezada por Capote. O reconhecimento e talvez a baixa auto-estima fizeram Capote necessitar sempre atenção - o que o filme também mostra com brilhantismo. Ele era sempre a alma da festa.

Para finalizar, acho que algo que me chamou atenção também no filme é que, mais que um retrato de Truman Capote, ele faz uma crítica sobre a pena de morte, me lembrando muito "Os últimos passos de um homem". Assassino confesso, Perry tem todos os motivos para receber a pena de morte: matou à tiros à sangue-frio quatro pessoas de uma família por um motivo fútil (assalto), mas mostrou-se arrependido. Seu histórico, filho de mãe índia, crescendo em um meio de exclusão, sendo maltratado e esquecido pela mãe que era alcoólatra, vivendo uma vida errante, faz com que o espectador se comova com sua história. Mas, como Capote diz de forma magistral em uma cena no filme: "Perry se parece comigo, mas parece que eu saí pela porta da frente e ele escolheu sair pela porta de trás".

domingo, 13 de junho de 2010

Cinderela em Paris (Funny Face)




Esta semana será dedicada a Audrey Hepburn e Truman Capote, atriz e escritor de Bonequinha de Luxo, um clássico dirigido por Blake Edwards em 1961. Como passei uma semana muito cansativa e de certa forma frustrante, decidi que veria alguns filmes dela (que eu adoro) e acabei alugando também Capote para finalizar (aguardem as críticas de Capote e Bonequinha de Luxo, não deu tempo de ver e rever ainda).

Neste fim de semana assisti Cinderela em Paris (Funny Face), que acredito que fez muito sucesso por incorporar três gêneros que estavam em voga na década de 1950 (comédia, romance e musical), além de inovar trazendo a moda e o glamour parisiense para Hollywood, com o figurino belíssimo desenhado por Givenchy e que fez bastante sucesso na época.

Cinderela em Paris é um filme para entreter, e surgiu na época em que as mulheres estavam ganhando um papel maior na sociedade trabalhadora norte-americana. A personagem de Audrey, Jo Stocktohn, é uma simples e sem graça livreira em Nova York e como sem querer, "esbarra" no fotógrafo Dick Avery (interpretado pelo incrível Fred Astaire), que a lança ao estrelato ao apresentá-la a editora-chefe da revista Quality, a maior revista feminina na época. A editora procura justamente um novo rosto para a revista, um modelo de mulher diferente, e Dick enxerga em Jo as qualidades dessa mulher: intelectualizada, com o rosto diferente para os padrões da época (daí o nome Funny Face) e com opinião. No meio da história, os dois começam a se apaixonar.

Envolvido por músicas e coreografias belíssimas de Astaire e Hepburn, o filme tem um visual bonito, uma história que agrada todas as mulheres que se sentem de fora dos padrões de beleza e ainda tem uma nova estrela de Hollywood, Audrey, atriz belga que começava a calcar uma carreira de sucesso nos Estados Unidos na década de 1950 (o filme é de 1957, ela já havia feito Sabrina em 1954, mas os estúdios ainda apostavam em loiras platinadas como Marilyn Monroe e Grace Kelly para os papéis de mocinha).

O que me encanta em Audrey Hepburn, além de seu estilo totalmente único, e que acabou virando padrão de beleza é a sua sutileza nas interpretações e ela buscar papéis que inovassem. o filme Cinderela em Paris não era uma novidade. Mas partiu de Audrey a ideia de trazer às telas os vestidos de Givenchy (que acabou se tornando amigo dela), incorporando aos filmes na década de 1950 e 1960 o glamour das passarelas e da sofisticação da moda.

Sou fã incondicional de Fred Astaire e adoro musicais (bom, minha irmã costuma dizer que não há graça em ver um filme em que de repente, de forma artificial, as pessoas começam a cantar e dançar, mas eu gosto de musicais justamente porque nos fazem sonhar, nos remetem a um mundo de beleza, onde todos se unem em torno de algo em comum na cena). O que me encanta em Astaire não é sua atuação como Avery (que por sinal deveria ser um papel de um ator mais jovem, Astaire já tinha quase sessenta anos quando da filmagem de Cinderela), mas o magnetismo que ele gera por sua dança. É impossível ver Astaire dançando (e o exemplo perfeito disso é o filme Top Hat, com Ginger Rogers) e não se impressionar com sua leveza e agilidade. Talvez por isso tenha sido o par perfeito para Audrey, que também encantava pela sua fragilidade e feminilidade, em um período onde a luta pela emancipação feminina nos Estados Unidos estava se tornando muito forte.

Minha crítica ao filme é que ele reafirma alguns estereótipos femininos, como também ocorre em My Fair Lady, que já é de 1965, colocando a mulher como frágil, apaixonada e submissa em certos pontos. Jo tenta "quebrar" essa imagem feminina ao chegar a Paris mostrando que tinha personalidade e se "enfurnando" no pequeno café em Pigalle, bairro boêmio e frequentado por intelectuais. Em um verdadeiro estilo beatnik, Audrey aparece com as famosas calças pretas e blusa de gola rolê preta, cabelos presos, discutindo filosofia, dançando jazz e bebendo vinho. Porém, termina o filme vestida de noiva e declarando a Dick que o verdadeiro motivo de ir a Paris não era encontrar o professor de filosofia que tanto desejava, mas sim ficar perto do amado.

O filme também mostra Paris em seus vários cenários turísticos, numa clara "propaganda" para americanos conheceram a cidade luz. Cantando e dançando alegremente pela cidade, Jo, Dick e Mary Prescott, editora chefe da revista Quality (a excelente Kay Thompson, que incorpora a decidida editora que se torna uma verdadeira lançadora de estilo para as mulheres americanas - qualquer semelhança com a Miranda Priestly em O Diabo veste Prada NÃO é mera coincidência) mostram as maravilhas existentes na cidade luz, e fazem uma apologia à visita dos americanos à cidade. Porém, o filme se limita aos estereótipos de parisienses, que aparecem como pessoas cheias de personalidade e paixão, diferente dos americanos controlados (sério, já vi isso antes e em muuuitos filmes...)

Porém, Cinderela é exatamente aquilo a que se propõe: um musical, com coreografia de Fred Astaire, com belas apresentações de música de Astaire e Audrey, lindo cenário e lindas roupas, lançando uma nova tendência de beleza feminina, incorporada na figura esguia de Audrey e nos belos e arrojados vestidos feitos por Givenchy, terminando com um lindo final feliz. Bom, acho que vale a pena assistir e se divertir com o filme, que mais que entretenimento, nos remete a uma época em que as pessoas iam ao cinema para se libertar de algumas agruras do cotidiano (para quem quer ver um filme crítico em relação aos filmes românticos de Hollywood, veja A Rosa Púrpura do Cairo, lindo filme de Woody Allen sobre o assunto).

Para terminar, deixarei o link do vídeo de Astaire e Ginger Rogers dançando em Top Hat (em português, O Picolino) - quem não viu, veja o filme. Quem já viu À espera de um milagre vai se lembrar da cena. De fato, belíssima coreografia e música. Inesquecível:

http://www.youtube.com/watch?v=HYHZh-xnqhE

sexta-feira, 4 de junho de 2010

O sol é para todos (To kill a mockingbird)



Estava eu aqui em casa à noite enrolada no cobertor quando decidi ver um dos filmes que comprei e estava esperando a ocasião oportuna para ver. Um deles é O Sol é para Todos (To kill a mockingbird, 1962), o outro é Adivinhe quem vem para jantar (Guess who's coming for dinner, 1967). Já havia assistido o Adivinhe... antes, mas O Sol... não. E posso dizer que o filme é tudo aquilo que as pessoas me alardearam: roteiro bom, com atuações impecáveis, com uma história incrível, com uma montagem de época também incrível, com uma temática muito boa e atual para a época em que foi feito.

É muito difícil avaliar um "clássico" porque ele já foi avaliado tantas vezes, que a gente até se perde nos comentários. Ou sempre tem uma pessoa que é hiper entendedora de cinema e que detalha coisas que não você às vezes não sabe. Mas sabe como é, eu não sou cineasta...então minha proposta apenas é dar minha opinião, fazer uma crítica (leiga) dos filmes que estou assistindo. Dito isso, vamos lá.

O sol é para todos (prefiro o nome em inglês, para falar a verdade)conta com a atuação de Gregory Peck no papel do fantástico advogado Atticus Finch, na pequena cidade de Maycomb, no Alabama, em 1932, onde vive com seus dois filhos pequenos, Scout, de 6 anos, e Jem, de 10 anos. Nessa cidade, no estado mais retrógrado em relação a luta racial nos Estados Unidos, ocorre um caso de estupro e o acusado é um negro, que se diz inocente. Atticus resolve defender esse homem, e começa a sofrer também perseguições, ele e sua família, por causa disso.

O interessante na história de O Sol... é que os acontecimentos são narrados e vistos pelo olhar das crianças, seus filhos, numa idade em que elas estão começando a descobrir coisas novas. Uma delas é a pobreza, a outra a intolerância racial e a outra é a simples maldade humana.

As personagens dos filho de Atticus se juntam a Dill, criança vizinha deles que só passa férias na região (que no making off descobri que é a homenagem da autora a Truman Capote quando criança), e começam a explorar os mistérios da casa na vizinhança, de Boo Radley, homem que vive confinado em casa. Esta casa, quase mal assombrada na visão dessas crianças, é envolvida de mistérios pelos moradores da região. Como são crianças curiosas e livres, pois a cidade é pequena e todos se conhecem, Scout e Jem vivem rodando ela, encontrando outras personagens, e seguindo o pai aonde ele fosse.

A partir dessas aventuras infantis, Scout e Jem, Jem mais que Scout, devido à idade, começam a perceber que há algo errado na cidade e que envolve seu pai. Jem fica quieto, mas Scout está numa fase questionadora, perguntando tudo ao pai. Seu pai, de forma emblemática, responde: tem coisas que acontecem que são muito ruins e vocês não tem conhecimento. E Scout começa a tomar conhecimento, quando vê seu pai ser ameaçado por um habitante e chamado de "amante de negros" ("neiger lover", bastante ofensivo) e também no próprio julgamento de Tom Robbinson, o home negro acusado de estuprar a menina branca.

Outra conversa importante no filme, em que Scout começa a descobrir o que está acontencendo, e perdendo de certa forma sua inocência, é com a empregada da família, Cal, que também é negra. Cal conversa com Scout e afirma que existem algumas pessoas que fazem um trabalho ruim e que são corajosas. Uma delas seria Atticus, pai de Scout.

O roteiro do filme, baseado na história do livro de Harper Lee, com nome homônimo, é extremamente bem pontuado pois aos poucos nos coloca o olhar dessas crianças sobre a cidade em que vivem, desenvolvendo os acontecimentos no ponto de vista das crianças. No início, uma cidade idílica, com muita natureza, com muito espaço livre para se brincar, onde todos se conhecem, onde não há violência. Assim a narradora do filme, a própria Scout, mais velha, define a pequena cidade de Maycomb (inspirada na infância da própria Harper em Monroeville, Alabama), até o ano em que começaram a acontecer as "mudanças". Nessa cidade idílica, num momento de depressão econômica, a vida das crianças é simples, sem perceber os problemas que assolam os moradores da pequena região. Logo no início, Scout descobre o que é a pobreza, quando um fazendeiro simples deixa como pagamento por serviços prestados por Atticus um saco de nozes. Scout chama prontamente seu pai para recebê-lo e o homem embaraçado, que pretendia só deixar o saco na porta, é obrigado a ficar de frente com o homem que deve. Outro momento que relata a depressão econômica é quando o filho desse fazendeiro, que estuda com Scout, é convidado por Atticus a almoçar na sua casa. A menina prontamente fala que ele come como desesperado e pergunta se não há comida em sua casa. Imediatamente, é repreendida por Cal, que explica que "não se deve dizer essas coisas para os menos favorecidos".

O conflito racial é o tema do filme que perpassa todo o fio da história das lembranças de Scout sobre os acontecimentos da cidade naquela época. Tom Robbinson, homem negro e casado, é acusado de estuprar uma jovem branca, filha de um fazendeiro, confusa e acuada pelo pai violento, que só aparece no momento do julgamento. Uma das cenas mais bonitas do filme e mais forte talvez não está no julgamento nem no discurso de Atticus sobre o preconceito das pessoas, mas no dia anterior ao julgamento, quando o próprio Atticus é chamado pelo delegado para vigiar a prisão onde estaria Tom. As crianças, curiosas, correm atrás de Atticus, vigiando escondidas ele no pórtico da prisão, sentado e lendo, quando chegam os homens com armas e paus e cheios de ódio, querendo matar Tom. As crianças, quando vêem o pai ameaçado, correm logo para perto dele, assustadas. Quando o pai pede para que o filho volte, Jem diz que não, e permanece com sua opinião, apoiando o pai, mesmo com ele exigindo seu retorno. Scout, por sua vez, reconhece o fazendeiro que pagava dívidas a seu pai em alimentos e pergunta para ele porque ele não conversava com ela, como faziam quando ele ia à sua casa. Ainda acrescenta que estudava com seu filho e que ele era muito bom menino. Após essa situação tensa, os homens se retiram do local, envergonhados pela situação e pela inocência das crianças.

Outra coisa que chama a atenção no filme e que está presente no making off é a situação dele não ter uma denominação. Não era um filme de romance, não era de ação nem aventura, não era terror, nem drama de soltar lágrimas. Era apenas um filme sobre a inocência das crianças, por meio da discussão racial que era algo muito presente na época em que foi feito. Talvez por isso ele seja tão bom: sua proposta não é entreter o espectador com cenas cheias de emoção, mas sim fazê-lo sentir uma época boa da nossa juventude, uma época sem problemas, mas que aos poucos vai sendo tomada da gente pela vida adulta. Nesse sentido, O Sol... nos traz de volta os melhores momentos da infância e nos faz refletir sobre nossa própria conduta na vida adulta, e o porque dos homens mudarem tanto com o tempo.

quarta-feira, 26 de maio de 2010

Onde vivem os monstros (Where the wild things are)



Relutava em ver esse filme, porém hoje tentava descansar pois estava com a cabeça muito cheia e resolvi assisti-lo. Onde vivem os monstros é um filme bonito e melancólico. É claro que eu esperava algo parecido quando o peguei para assistir pois sabia que tinha sido escrito e dirigido por Spike Jonze, o mesmo diretor de Adaptação e de Brilho eterno de uma mente sem lembranças (e amigo de Charlie Kauffman, que fez os roteiros incríveis - e que eu adoro - desses filmes).

Onde vivem os monstros conta a história de Max, um menino que vive sozinho e angustiado por não ter a atenção da família, uma mãe que trabalha demais e uma irmã adolescente. Ele se revolta de todas as formas possíveis e chega ao ponto de brigar fisicamente com a mãe para chamar a atenção dela e do namorado dela. Revoltado, Max foge de casa e chega a uma praia, e após navegar em um pequeno barco a vela sem rumo, ele encontra uma terra fantástica, onde vivem os tais monstros de sua imaginação. Monstros que para ele são de verdade, são os amigos dele (inspirados em seus bichos de pelúcia que também representam ele em seus mais fortes sentimentos).

O filme foi baseado em um livro infantil de Maurice Sendak, que é bem prolixo e com diversas ilustrações. Jonze vai além do livro, criando um universo angustiante de uma criança que, é claro, é egocêntrica e se sente sozinha, tão sozinha que começa a conviver com monstros imaginários ao invés de seus parentes e de amigos. Os monstros vivem um relacionamento conturbado entre eles e quando Max os encontra, é proclamado rei em sua terra, é valorizando, tem toda a atenção do mundo, fazendo suas vontades. Porém, eles também esperam que Max solucione os problemas de seu "reino", principalmente Carol, que faz amizade rápida com Max por vê-lo como uma pessoa que irá unir todos eles (e justamento representa o alter-ego principal da criança).

A questão é que os problemas que existem em sua terra são os mesmos problemas que existem no cotidiano de Max - solidão, ciúmes, excesso de raiva, falta de diálogo. E Max aos poucos vai descobrindo que os sentimentos que os monstros têm um pelo outro são os mesmos que o fazem sofrer em sua casa, porém, ao entrar em contato tão profundo com esses seres, Max começa a entender que os conflitos humanos existem e são naturais, como são também aos monstros.

Acredito que o livro em questão, que eu não li, passe uma mensagem positiva para as crianças que vivem momentos complicados e acreditam ser incompreendidas pelos pais ausentes. No filme de Jonze, o livro é modificado e o roteiro segue uma linha muito mais próxima a uma linguagem adulta do que infantil. Não é para crianças verem e sim para os adultos que já foram crianças e já viveram ou vivem conflitos pessoais com família e amigos.

Por mais bonita que a estética seja, com cenários fantásticos que incluem deserto e praia, floresta e montanha numa mesma terra imaginária (e uma fotografia igualmente bonita) e a customização dos monstros tenha sido muito bem feita (eles são monstros fofos demais, dá vontade de colocar um bichinho de pelúcia deles encima da cama :D), o filme passa um ar melancólico e pesado, mostrando que mesmo na infância lidamos com questões do universo adulto. Para a criança, o centro das atenções é ela própria e mesmo que nós adultos também agimos assim, Jonze mostra que muitas vezes aquilo que você acha que pode consertar ou melhorar em um relacionamento muitas vezes não é possível, pois não depende só de nós.

Para finalizar, a trilha sonora do filme é bem interessante e acabei descobrindo ao pesquisar sobre ela que foi feita por Karen O., vocalista do Yeah Yeah Yeahs e ex-namorada de Jonze. vale a pena conferir:

http://www.lastfm.com.br/music/Karen+O+and+the+Kids

quarta-feira, 19 de maio de 2010

As melhores coisas do mundo




Ando meio sem tempo de escrever neste blog, é verdade. Culpo mais meus estudos e meu trabalho do que a mim mesma, realmente ando sem tempo de fazer qualquer coisa. Ontem ao chegar ao trabalho tive uma bela surpresa: estava acontecendo o projeto Cinema para Todos, do governo do Estado, que incentiva alunos da rede pública a verem filmes nacionais.

Acho o projeto bem bacana, e o filme em questão visto no dia (As melhores coisas do mundo, no cinema local, com direito a tudo - menos pipoca, não sei porque :D)é também muito bacana. Pra esse público adolescente, acerta em cheio ao tratar de problemas bem típicos dessa idade, como os questionamentos sobre a vida, a individualidade e a formação de redes sociais, o preconceito e as amizades e o amadurecimento por quais todos adolescente passa.

Dirigido por Laís Bodanski, As melhores coisas do mundo retrata a vida de um adolescente de 15 anos, Mano, que começa a viver uma fase de conflitos pessoais e de problemas familiares, como a separação dos pais e a descoberta da sexualidade. O filme acerta em cheio ao deixar os atores o mais natural possível, uma naturalidade que é presente em todo o filme, pois esses são problemas que atingem noventa por cento dos adolescentes, acredito. Ele também acerta ao mostrar um universo adolescente na visão do adolescente - o que muitas vezes não acontece em outros filmes atuais do gênero, ou eles são tratados como bobos, fúteis ou problemáticos.

Mano é um garoto legal, cheio de amigos, inteligente, que vê o mundo virar de cabeça pra baixo com a separação dos pais e os problemas e a adaptação a uma nova vida. De fato, por experiência própria, sei que a separação de pais gera muitos conflitos, apesar de geralmente não termos nada a ver com isso. A paixão passa, a rotina domina o cotidiano, o casal começa a questionar se deve ficar junto. Bom, acredito que muitas pessoas da minha geração e de outras já passaram por esse momento. E isso tudo na cabeça de um adolescente pode gerar uma confusão mental enorme.

Muito parecido com Jorge Furtado, acredito que Bodanski tenta captar esse universo adolescente de forma a não criar estereótipos deles, e isso por si só já é positivo, pois o que mais vemos hoje são esses estereótipos. Mano, que se encontra num momento difícil, percebe também que a adversidade traz um amadurecimento.

Outras personagens do filme, bem reais, são também muito bem retratadas. Os amigos de Mano, que bebem demais, fumam demais, o irmão dele que vive um relacionamento sério e complicado com a namorada, a amiga Carol que está descobrindo a sua sexualidade, todos eles são retratados de uma forma a não criar segmentos no filme - todos interagem.

A discussão relacionada a preconceito é algo muito presente no filme. Nós enquadramos as pessoas, e se nós o fazemos, adolescentes faze mais ainda. Eles querem pertencer a grupos, e tentar formar suas redes sociais nessa época da vida. Ganhar independência dos pais é outra coisa muito importante. A independência emocional é algo que também é bem trabalho em As melhores coisas do mundo.

Tá aí um filme que eu recomendo; e que com certeza é fiel ao mostrar todas as imperfeições de jovens que aos poucos vão se tornando adultos - também imperfeitos.