sexta-feira, 14 de março de 2014

The Spectacular Now (2013)


"The Spectacular Now" é um filme surpreendente, que vi apenas para relaxar numa viagem longa. Destacado na internet por um desavisado como uma das "melhores comédias românticas de 2013", achei que seria um bom entretenimento. Mas eis que surge um drama intenso, ligado ao mundo adolescente e às escolhas do que fazer no futuro, que permeiam a cabeça de 10 entre 10 adolescentes que estão no último ano do colegial. Descobri depois que o filme é do mesmo produtor de "500 dias com ela", um outro longa que conta com status "comédia romântica" mas que é bastante reflexivo e trata da temática do relacionamento amoroso e as desilusões e reencontros da vida.

Milles Teller e Shailene Woodley interpretando Sutter e Aimee

O filme, narrado por Sutter (Milles Teller), um adolescente que busca viver o aqui e o agora, curtir o colegial, é popular, engraçado e bebe praticamente todo o dia, mostra o retrato de jovens que buscam esquecer problemas com bebida e muitas vezes drogas. Essa é a idade de curtir, diz Sutter, mas a falta de planejamento do futuro e as constantes bebedeiras mostram que o adolescente ocupa um bom espaço da sua vida não pensando em nada e fugindo das decisões. E a partir de um início que parece bobo, de um adolescente que vemos em tantos filmes americanos, temos a impressão que o filme vai ser um desfile de clichês de High School como estamos acostumados.

Sutter bebe...demais.
Mas é aí que ele surpreende: Sutton conhece uma menina centrada (Shailene Woodley), que parece ser a garota mais fofa e madura do mundo, começa a se envolver em um relacionamento sério onde ele se confronta com os próprios medos. E assim vários personagens que parecem tão superficiais, como a ex-namorada bonitona, rainha do baile, o líder do time de futebol e a família de Sutton começam a ganhar vida, se transformando em seres humanos frágeis e cheios de dúvidas, inseguranças e problemas.

Concordo com algumas críticas que contam que o desempenho dos dois coadjuvantes é o que faz o filme crescer, e sem dúvida eles conquistam o espectador. Interessante também pois são estreantes, tendo poucos filmes no currículo, mas super bem dirigidos. Para quem ainda não se convenceu a ver, o longa ganhou um prêmio especial do júri de Sundance ano passado e críticas positivas em vários blogs e jornais especializados. 

Os dois protagonistas na pequena cidade da Georgia

Não foi lançado no cinema no Brasil, mas para aqueles que veem pela internet ou estão dispostos a alugar, não vão se arrepender. O filme ainda me lembrou outro muito interessante, com temática bem parecida, "As melhores coisas do mundo" (2010) de Laiz Badansky, brasileiro e de primeiríssima qualidade. Para mim, filmes que tratam adolescentes como seres pensantes sempre são interessantes, afinal, todos que já passaram por essa fase sabem os conflitos que surgem nesse período da vida.

O casal na "prom"
(Publicado no facebook em 12.03.14)

12 Anos de Escravidão (2013)

Talvez eu esteja muito ligada à minha profissão, e não consegui ver o filme com olhos apenas de espectador. De fato, fiquei analisando o realismo e a veracidade dos acontecimentos do longa, pois é uma coisa que faço geralmente com filmes históricos. Vi 12 anos de Escravidão e gostei - mas não o achei sensacional ou atual. 

Escravos no mercado em Alexandria, VA
 (maior mercado de escravos dos EUA)
Excelentes atuações, especialmente de Chiwetel Ejiofor, que interpreta Solomon Northup, e de Michael Fassbender, que faz o dono de escravos Edward Epps. Porém, ouvi comentários de pessoas dizendo que ficaram chocadas e o acharam extremamente pesado. Eu particularmente não achei. Uma cena ou outra, mas no geral, o filme me pareceu ser aquilo que o roteirista propôs ser: realista. 

Não há novidade nenhuma nas cenas de terror psicológico, físico, castigos e outros infinitos tipos de tortura possíveis efetuadas em escravos ao longo da vergonhosa história do trabalho no novo mundo. Acho que o longa traz indignação a muitas pessoas, mas o realismo retratado já deveria estar presente no imaginário da população. São décadas e décadas de trabalho de historiadores e professores para mostrar que a escravidão foi uma realidade cruel, foi um sistema complexo se pensarmos na objetificação de seres humanos (em sociedade religiosas cristãs) e trouxe consequências terríveis até os dias atuais, que são o preconceito racial e a desigualdade social. 

Chiwetel Ejiofor, interpretando Northup em uma fazenda produtora
de algodão na Louisiana

Algumas cenas são bem interessantes, como o diálogo entre o carpiteiro canadense (Brad Pitt, produtor do longa) e Epps sobre liberdade de escolha e o mal social da escravidão, um adotando a visão clássica escravocrata e outro a visão liberal. Nao foi pra mim muito verídica, pareceu algo bem didático, inserido por Steve Mcqueen por achar necessário. Outra parte interessante é a relação de Patsy com a esposa de Epps, que a invejava, mas nada podia fazer contra a preferida do marido, e Patsy com a vizinha, casada com o seu dono, que se torna ela mesma dona de escravos, outro fato bastante relevante se pensarmos na escravidão como parte de um sistema social naturalizado. 

Lupita Nyong'o que interpreta Patsy (a fotografia
do filme é incrível)
Mas 12 anos tem seu mérito: insiste, na verdade, persiste em mostrar algo que deve ser relembrado constantemente. Que venham outros filmes então. Não vejo o filme como o melhor e mais emocionante dos últimos tempos no cinema, mas o vejo particularmente como um filme realista e relevante, que serve pra levantar, mais uma vez, o debate sobre as consequências do mal escravocrata em sociedades ocidentais, como a nossa. 

Destaque para a fotografia, figurino (o jogo de cores é deslumbrante) e a direção do filme, acho que estão sensacionais. E Anima Cris, concordo com você, talvez escolhesse outros filmes para trabalhar em sala. Mas este serviria como bom exemplo de uma biografia de tristeza e de luta, que tem um final relativamente feliz (pois Northup jamais será o mesmo), com algumas cenas bem interessantes de trabalhar. No caso de milhões de escravos que nunca experimentaram a liberdade, o final não foi tão feliz assim.

Michael Fassbender e Chiwetel Ejiofor, dono e escravo que
contracenam nas cenas mais tensas do filme
(Publicado em 09.03.14 no facebook)


Dallas Buyers Club (2013)


Nas duas últimas semanas vi três filmes que concorreram ao Globo de Ouro e creio que pelo menos dois concorrerão ao Oscar: August-Osage County, Philomena e Dallas Buyers Club. Engraçado que dos três dramas, diga-se de passagem muito bons, o que ficou martelando na minha cabeça foi o Dallas Buyers Club, que eu esperava menos. 

Matthew McConaughey surpreendente como Ron Woodrof
Não sei se foi por causa da impressionante atuação de Matthew McConaughey (que convenhamos, pra me impressionar ele tinha que bater as atuações de Meryl Streep e Judi Dench, ou seja, não foi mole não), que definhou para fazer o papel do cowboy de rodeio/eletricista/con man/white trash que descobre que é HIV positivo, em uma época em que o preconceito era escandalosamente maior e os remédios de combate à doença ainda estavam caminhando a passos pequenos (o filme começa em 1985).

O filme conta a história de Ron Woodroof, um texano que descobre a doença em fase já extremamente avançada e, desesperado com os poucos avanços do AZT, droga aprovada pela FDA e ainda em testes, busca novas drogas no México. Porém, com o tempo e sua melhora, Ron acaba não só tomando os remédios mas abrindo um negócio aparentemente muito comum naquela época chamado Buyers Club. Como as drogas estavam classificadas como vitaminas ou não catalogadas como ilegais no país pela FDA, ele passou a vendê-las para outras pessoas, em um valor mensal de 400 dólares, criando assim o Dallas Buyers Club. 

Não vou contar mais da trama, mas o filme é bom, conta uma história verídica (o que eu também não sabia), e faz uma crítica ferrenha à FDA e sua relação com a indústria farmacêutica nos Estados Unidos. A crítica não é infundada, vide a enorme influência política que essa indústria exerce lá. Ron, nos percalços de sua busca pela sobrevivência, conhece o drama de muitas pessoas com HIV, aprende a ser tolerante, dá um show de persistência e ainda ignora os médicos que, calados por força da carreira, não questionavam os terríveis testes feitos com doses altíssimas de AZT em pacientes com estágio avançado da doença.

Ron e Rayon, a transsexual vivida por Jared leto

Pena que a Jennifer Garner não acompanha McConaughey na atuação. Está sofrível, acho que melhor um pouquinho do que seu papel como Electra (que convenhamos, está longe de ser seu melhor desempenho vide a tragédia cômica que foi Demolidor, né?) Em compensação, Jared Leto está ótimo como o transsexual Rayon. Emagreceu horrores também para o papel!

De quebra vou postar uma foto de McConaughey que está incrivelmente magro, esquelético, e com certeza se doou para o papel, não só pelo sacrifício do corpo mas também pela atuação incrível, que creio eu baterá Leonardo di Caprio em O Lobo de Wall Street (se bem que o páreo é duro).

Este é o Matthew McConaughey!


(Publicado no facebook em 20.02.14)

Blue Jasmine (2013)


Vi Blue Jasmine ontem. Engraçado que não sou fã do Woody Allen de carteirinha, não conheço a trama de muitos dos seus filmes mais famosos e não tenho um filme preferido dele, mas gosto muito de seus roteiros (nem vou discutir a polêmica recente sobre ele, mas sim seu filme). Muitos filmes dele que vi têm roteiros ótimos e que se baseiam em ações do cotidiano que nos fazem refletir bastante sobre as relações humanas. Acho que existem muitas expectativas do público em ver comédias feitas por Allen, mas Blue Jasmine não é um filme engraçado. É um drama que não nos faz rir da protagonista ex-milionária e ex-socialite que perde tudo o que tem. 

Cate Blanchett sensacional como Jasmine
Nos faz sentir pena da protagonista, às vezes raiva, às vezes empatia. As situações tragicômicas que Allen descreve tão bem estão ali no filme, mas tive a impressão que o olhar crítico sobre as diferenças de classe está muito mais aguçado neste filme. Jasmine, personagem título, interpretada por Cate Blanchett, é um ótimo exemplo da premissa "dinheiro não traz felicidade". Tanto dinheiro, tantos remédios, tantas redes de relacionamento, tantas poses de família perfeita na casa de praia, tantas roupas de marca...ter não significa ser feliz. Mas para Jasmine, o dinheiro e a vida de luxo a farão feliz, e ela acredita nisso piamente - mesmo quando as únicas coisas que tem são a compaixão da irmã, de seu namorado e de seus sobrinhos. Em compensação, sua irmã adotiva, pobre, divorciada, cafona, namorada de um mecânico de carros e com dois filhos é muito mais feliz que Jasmine, pois não sonha com aquilo que não tem - ou que não é. 

Jasmine, Ginger (Sally Hawkings) e amigos e Ginger em selfie coletivo 



Engraçado que deu vontade de ver o filme novamente assim que ele acabou. É assim com os filmes de Allen, cada vez que os vejo, dá vontade de refletir sobre outras questões vendo-os de novo. 

É importante ressaltar que Blue Jasmine também não seria a mesma coisa se Cate Blanchett não tivesse uma interpretação tão arrebatadora quanto esta. Pra mim, disparada uma das melhores interpretações de 2013. Ela domina a cena, brinca com o espectador, fazendo-nos sentir empatia e raiva, ao mesmo tempo, por sua personagem. Mas Cate não está sozinha. Apesar da atuação maravilhosa da protagonista, a coadjuvante Sally Hawkins (de A Revolução de Dagenham) também tem uma atuação primorosa. Elas são opostos em personalidade e atitude, e são absolutamente sensacionais na criação desta oposição. Não me surpreendo se Blanchett e Hawkins ganharem o Oscar este ano.


(Publicado 06.02.14 no facebook)