domingo, 22 de maio de 2011

Rio Congelado (Frozen River)


Assistir Rio Congelado (Frozen River, 2008) com esse friozinho que tem feito no Rio pode ser um tanto quanto incômodo. Isso porque como o nome diz, Rio Congelado se passa numa região muito, muito fria, de fronteira entre o estado de Nova York, EUA, e a província de Quebec, no Canadá, no inverno congelante habitual. Você chega a sentir o friozinho na espinha em algumas cenas. Entretanto, não deixem de ver o filme por isso. Eu assisti e gostei bastante. Me lembrou Inverno da Alma (Winter’s bone), pela mesma sensação que me deu. Apesar de não ser um suspense como Inverno e sim uma história dramática, ele tem o mesmo clima escuro/noir e uma temática de crítica social e realista. O longa conta a vida de uma mãe de família miserável (apelidados de white trash, brancos e pobres do interior), Ray (Melissa Leo), que para se sustentar e sustentar seus filhos, e não perder a casa nova comprada (daquelas já prontas por encomenda, coisa que só tem por lá mesmo), acaba entrando na contravenção, traficando imigrantes ilegais pela fronteira.

Rio Congelado também retrata a vida de uma outra mulher, que acaba “esbarrando” em Ray, e que tem peso igual ao da protagonista no filme. Lila (Misty Upham) é uma jovem moicana, que vive na reserva indígena retratada pelo longa, na região de Akwesasne (St Regis Mohawk Reservation). Lila vive, como bem é retratado, à margem da sociedade, passeando por diversos locais na reserva e convivendo com diversas personagens como ela, invisíveis. Na reserva a jogatina é liberada, ninguém pode ser preso, mas também não há oportunidades para nada. Lila vive de “bicos”, pois se envolvera com o tráfico de pessoas para ganhar dinheiro fácil, passando imigrantes pelo território moicano onde a legislação norte-americana não a atinge, e por isso não consegue emprego fora da reserva. O tráfico só é possível devido ao congelamento do rio Saint Lawrence que separa as duas regiões na época do inverno. A travessia, feita por carro, leva menos de uma hora, e já na fronteira norte-americana, os imigrantes são recebidos por um dono de hotel ligado ao esquema. Ray, desesperada em com medo de perder a casa nova por falta de pagamento na semana de véspera do natal, dirige até a reserva indígena para procurar o marido no cassino local. Lá encontra Lila, que lhe faz uma oferta generosa para transportar uma mercadoria entre os países. Ray aceita quase que prontamente, mas ao chegar lá, se surpreende com a “mercadoria”: imigrantes chineses e indianos, que se escondem no porta-malas de seu carro para fazer a travessia. Após o susto da primeira viagem, Ray acaba querendo mais dinheiro e procura Lila, que se torna sua companheira de viagens pela reserva, dividindo os lucros.

Rio Congelado acaba focando, no final das contas, na relação de amizade entre as duas, que de desconhecidas acabam criando laços: Lila tem um filho pequeno que não vive com ela, Ray tem dois filhos e tenta ser uma mãe presente; Lila vive em um trailer e na pobreza da reserva, sem perspectiva de vida; Ray não tem perspectiva nenhuma de vida, reservando isso para seus filhos, a quem proíbe de trabalhar para que completem os estudos e “procurem ser alguém na vida”. As duas acabam conhecendo melhor a outra, e acabam se solidarizando com a situação da companheira.

Bom, o filme é um drama, oficialmente, e tem cenas bem duras (como a de um bebê filho de imigrantes “esquecido” na neve), portanto, aconselho quem não está acostumado com filmes pesados a ver com calma. Porém, ele retrata um quadro dos Estados Unidos que, mais uma vez, só o cinema independente mostra: a pobreza, miséria e a situação de vida da população indígena (que se não me engano, só vi uma crítica igual em Sinais de Fumaça, de 1995!). A vida em “preto e branco” da população miserável do interior, em uma época de recessão e desemprego, é sempre um ótimo “prato” para as críticas governistas, mas creio que retratam uma realidade que é importante ser vista. Enquanto no Brasil as pessoas insistem em afirma que os filmes só mostram pobreza, favela e violência e os estrangeiros acabam associando esta imagem ao país como um todo, é enganoso achar que nos Estados Unidos só existem subúrbios bonitos, uma vida de luxo e praia na Califórnia e adolescentes de High Schools que não tem mais nada o que fazer a não ser praticar bullying com colegas. Claro que seriados e filmes de ação mostram roubos, gangues, máfia, e violência. Mas não é esse o objetivo de Rio Congelado. O filme faz um retrato simples e realista de duas vidas sofridas e de exclusão, de Ray e de Lila. A interação entre as duas pessoas até então totalmente diferentes dá a tônica ao filme, além, é claro, da crítica social presente no longa.

OBS: destaque para Melissa Leo, atriz que concorreu ao Oscar pelo longa, que está belíssima como Ray. A cena inicial já mostra a personalidade da personagem e detalhe, sem nenhuma fala. Poucas vezes vi um filme com uma primeira cena tão emblemática.