sábado, 29 de novembro de 2014

Ela (Her, 2013)

O filme Ela é lindo. Quando o vi, algumas semanas atrás, parei estarrecida em frente à televisão pensando justamente isso: que filme bonito. Não só pelo seu roteiro fantástico, feito com bastante detalhe e cuidado por Spike Jonze, também diretor, mas como pelos aspectos estéticos da obra, a direção minuciosa e delicada, a composição dos dois personagens principais, interpretados (sim, interpretados!) por Joaquin Phoenix e Scarlett Johansson, como pelas reflexões que ele deixa no caminho, ligadas ao futuro dos relacionamentos humanos.

Ela conta a história de Theodore, um escritor de cartas por encomenda, uma realidade da futurística Los Angeles do filme (cuja data escapa ao autor). Neste admirável novo mundo, Theodore vive relações esfriadas, tem poucos amigos e amarga uma decepção amorosa que não consegue esquecer. Theodore, aquele que trata de sentimentos no seu próprio ofício, ao escrever cartas de aniversário, de amizade e de amor, não consegue externar sua angústia e seus sentimentos - e vive solitário.
Theodore e o OS Samantha
Até que, um belo dia, é lançado um novo sistema operacional (OS) que, na verdade, é uma inteligência artificial que conversa com você, reconhecendo seu perfil, suas convicções, defeitos e interesses, e rapidamente Theodore começa a utilizar a tecnologia - em um tentativa de buscar um novo relacionamento, mesmo que não humano, que dê algum sentido à sua rotina repetitiva. Desta forma, ele conhece Samantha (Scarlett Johansson), que mesmo sendo apenas uma tecnologia e apenas uma voz, faz ele se sentir confortável com ele mesmo, e começar a ter mais esperança na sua existência humana.


Theodore passeando com Samantha
Samantha, diga-se de passagem, é interpretada pela voz de Johansson, que em momento algum aparece no filme. Interpretada, também, com muito primor. A voz dela é tão reconhecível e a imagem dela é tão comum hoje, que fiquei já com a imagem da atriz na cabeça ao pensar em como Theodore imaginava ela - uma imagem irreal, mas que para nós é incorporada pela atriz reconhecidíssima em Hollywood.

Desta forma, começa o romance de Theodore e Samantha, que para nós é algo inimaginável de pensarmos no mundo atual, mas não impossível de existir no futuro. E se no futuro um sistema de computador pudesse reconhecer pessoas como Samantha reconheceu Theodore, com suas qualidade e defeitos, e ser um companheiro bom em momentos de tristeza? E se o sistema operacional pudesse se apaixonar, como nós, humanos, nos apaixonamos, afinal, eles adquirem características humanas por terem sido criados por nós?

Algumas dessas perguntas são feitas atualmente por especialistas de tecnologia informacional que tentam criar uma inteligência artificial bem parecida com Samantha, porém, ainda falham no famoso Teste de Turing (volta e meia algum desenvolvedor diz que conseguiu criar uma inteligência artificial que se comporta como humano, mas falha - até hoje ninguém passou). Mas cada vez estamos chegando a um nível de complexidade maior e isso pode se tornar uma realidade em um futuro não tão distante.

Ela mostra como uma paixão pode surgir entre um humano e um programa de computador. Porém, mostra mais ainda: como que as tecnologias, como é Samantha, podem evoluir para se transformar cada vez mais em humanos, e romper as barreiras que as tornam dependentes de nós. As transformações que Samantha traz à vida de Theodore são perceptíveis, mas as transformações de Samantha, que aprende com o sentimento compartilhado pelo humano, são bem maiores.

A fotografia do filme é linda
O filme de Spike Jonze pode parecer elaborado demais ou futurista demais, mas ele lembra muito O Homem Bicentenário, de Isaac Asimov (cujo personagem título é estrelado pelo saudoso Robin Williams). Trazendo uma nova estética e um novo olhar sobre as máquinas, imaginadas por Asimov de uma forma muito diferente quando escreveu o livro em 1976, Ela traz uma reflexão sobre as relações humanas que uma máquina, robô ou inteligência artificial pode ter com seus companheiros - no caso, Andrew, o robô da família retratada em O Homem... é extremamente fiel aos seus donos, mas com o tempo aprende a viver como os humanos e deseja ser igual a eles e ganhar sua liberdade. Ele persegue sonhos, apesar de ser robô, e se apaixona, apesar de ser robô.

A partir desta temática, Jonze tece uma trama muito delicada sobre a relação de Samantha e Theodore, mocinhos pelo qual você se apaixona, esquece os detalhes de sua essência humana ou robótica e acaba torcendo para ficarem juntos.

Um outro fato legal do filme é sua estética - uma direção de fotografia incrível, feita por Hoyte Van Hoytema, holandês que também produziu Interstellar, que ainda não vi mas está na listinha de próximos filmes com as férias chegando. Engraçado que achei a estética bem legal, mas descobri aos poucos que havia uma coisa muito estranha na Los Angeles futurista: havia muitos atores extras asiáticos. Com o tempo, fui prestando mais atenção e achei um erro de continuidade: Theodore, em uma das cenas, desce em uma estação de metrô cheia de orientais e aparece uma plaquinha de indicações de caminho (eu acho!) em chinês. Descobri, ao ver os créditos, que o longa foi filmado também em Xangai.
Ela foi filmado parcialmente em Xangai
Pra terminar esta pequena crítica, acho que Ela entra na lista de filmes obrigatórios de serem vistos em 2014. Não só porque vale a pena, pelo roteiro, pelas atuações e direção, mas por ser um filme antenado com o presente e que nos faz refletir que num futuro não tão distante, essas pequenas máquinas que andam nas nossas mochilas ou bolsos poderão nos trazer ainda mais reflexões sobre o que é ser humano - que no final das contas, essencialmente se volta para a nossa capacidade de sentir o outro e refletir sobre isso, nos transformando com novas experiências e relacionamentos.