domingo, 15 de janeiro de 2017

La La Land (2016)

Assisti ontem La La Land - minha primeira experiência de cinema na Irlanda, no Irish Film Institute (IFI), no Temple Bar. Muito boa a salinha - pequena, mas lotada pra uma estreia. A fama de La La Land precedeu a sua estreia, e tentei conter qualquer tentativa minha de buscar informações sobre o filme antes de vê-lo. Decidi ver o longa no escuro, sabendo apenas que era um musical e comédia romântica, estrelado por Emma Stone e Ryan Gosling, cujos personagens são uma atriz e um pianista que sonha viver do jazz. Esse plot por si só é o principal da trama - e o único, na verdade.

La La Land inicia com uma cena dançante muito bonita e vibrante - e já mostra para que veio aí. Não quero dar uma de spoiler, mas para aqueles que desejam não saber absolutamente nada do longa, é melhor parar por aqui. A cena inicial é importante porque é ela que dá tom à trama - tanto esteticamente, quanto no estilo do filme, clima e locação. Gravada, de acordo com o diretor, num sol escaldante em julho em Los Angeles, é passada em um viaduto da cidade, com carros e figurinos dos dançarinos marcando o tom de cores que o filme usa - cores vivas, alegres e fortes, típicas de musicais das décadas de 1950 e 1960, época do "Technicolor".

Cena inicial de La La Land
Lendo um pouco mais sobre o longa, Damien Chazelle, diretor e escritor do mesmo, se refere a dois filmes especificamente como grandes homenageados esteticamente: "Cantando na Chuva" e Les parapluies de Cherbourg, que aqui no Brasil ganhou o nome de "Os guarda-chuvas do amor". Os dois filmes são da década de 1950 e 1960 (1952 e 1964), e eu só vi "Cantando na Chuva", por sinal, adoro o filme, que faz uma referência também linda ao cinema mudo de Hollywood. Como não vi "Os Guarda-chuvas...", não tem como entender muito a referência, mas pelo trailer do longa, achado na internet, as cores com certeza são o forte da sua fotografia e direção de arte, como em La La Land.

As cores e direção de arte são excelentes
Voltando ao longa, ele tem inspirações óbvias na indústria de Hollywood, e atores e atrizes que marcaram tanto a cidade homenageada, Los Angeles, espaço de dezenas de locações e à indústria de cinema, que é até hoje tão criticada, mas movimenta bilhões de dólares na economia norte-americana. O cinema hoje anda às voltas com as sombras das séries televisivas, do Netflix e dos canais on demand, os quais você não precisa sair do sofá para assistir um lindo filme em televisões de plasma com um milhão de polegadas E som surround. Tudo está ali, para o seu melhor conforto. E não dá pra não dizer que o conforto foi criado pelos próprios note-americanos, que junto com os franceses fizeram da história da sétima arte a história de suas sociedades. La La Land tenta trazer consigo o amor pelas sala de cinema, pelos grandes musicais, gênero que se espalhou pelo mundo e especialmente Bollywood - outra indústria homenageada no longa. Com certeza neste ponto Chazelle consegue fazer mais uma linda homenagem ao cinema, com todas as cores, cenários, estúdios, cenas ao ar livre, figurinos, danças e músicas, relembrando o que o cinema pode proporcionar de melhor quando bem concebido.

Cena gravada no Rialto, cinema fechado em Los Angeles que serviu de locação para o filme

O longa conta a história do casal Sebastian (Ryan Gosling) e Mia (Emma Stone), que se conhecem por acaso pelas venues de Los Angeles. Os dois são aspirantes a estrelas na cidade que recebe mais aspirantes pela fama por metro quadrado que em qualquer outro lugar do mundo. Ele, músico, e ela, atriz. O filme conta bem a história de duas pessoas "sozinhas na multidão", cheios de sonhos e que se conhecem e conseguem crescer juntos, em todos os aspectos, um dando força ao outro. O casal em si é muito bonito, muito simpático, muito "casal 20 hollywoodiano" (apesar de Gosling ser canadense, o que nos faz nos interessar mais ainda por ele :D). Interessante que uma das cenas de audição de Mia foi inspirada em fatos reais narrados por Gosling, mostrando o quanto a indústria pode ser brutal com os atores iniciantes.

O casal Emma Stone e Ryan Gosling está ótimo
O casal está muito bem, e os dois atores já tem uma certa "química", pois atuaram em dois filmes anteriores juntos (Crazy, stupid love e Gangster Squad). Juntando tudo isso à direção precisa de Chazelle, uma fotografia e um cenário lindos, e uma coreografia maravilhosa, o que brinda o filme como o melhor de tudo, na minha opinião, é uma das grandes estrelas dos musicais, óbvia mas que ninguém dá muita bola por causa das referências visuais, que são as músicas. A trilha sonora, composta pelo iniciante Justin Hurwitz, é incrível, melódica, "grudenta" e excepcionalmente bem composta. Justin é colega e amigo de Chazelle, e até então tinha composto poucas músicas para filmes e seriados, além de compor as músicas de Whiplash, na parceria prévia com Chazelle. A trilha sonora de La La Land é marcante, e dá o tom à trama. O interessante é que poucas pessoas percebem o quanto a arte sonora nos filmes é importante na montagem do mesmo - ela realmente dá tom aos longas, em qualquer situação.

Uma das cenas que reverencia Hollywood
Por final, não há como não fazer comparações de La La Land com dois filmes especificamente: Whiplash (2014), do mesmo diretor, e "O Artista" (The Artist, 2011), de Michel Hazanavicius. Whiplash para mim é a grande obra de Chazelle, talvez a que ele vai ser lembrado para sempre como seu grande filme - uma ode ao jazz (já fiz uma crítica aqui no blog, aqui vai o link:  http://femovieblog.blogspot.ie/2015/02/whiplash-em-busca-da-perfeicao-whiplash.html). "O Artista" é uma homenagem linda ao cinema, um filme mudo e em preto e branco que ganhou os corações de todos pela grande atuação de Jean Dujardin. Em termos de roteiro, acho que O Artista é um primor , e vejo La La Land como um filme com um roteiro muito mais acessível em termos de público. Porém, La La Land, pelo conjunto de uma obra que busca surpreender por todos os aspectos plásticos, é um grande filme. 

Gosling impressiona tocando piano

Vale a pena ver, afinal, La La Land, e acho difícil alguém sair da sala sem um sorriso ou uma lágrima no rosto - feliz por sinal, pois no final, Hollywood ainda nos encanta pela forma na qual até hoje se reinventa e nos traz a beleza da arte traduzida em pequenas grandes obras, como La La Land.

Aqui vai o trailer do filme:








domingo, 28 de fevereiro de 2016

O quarto de Jack (Room, 2015)

Me lancei ao desafio de ver os filmes concorrentes ao Oscar até a cerimônia, que é hoje, e foi um desafio bem difícil. Em poucas semanas consegui ver uma boa parte dos filmes que queria, mesmo com dificuldades no trabalho e de tempo, que ultimamente têm me tomado todo o meu tempo acordada e, diga-se de passagem, de sono. E o longa O Quarto de Jack foi, pra mim, um dos filmes mais perturbadores que vi ultimamente, que me fez mergulhar em um universo totalmente diferente e me fez pensar bastante para escrever sua crítica. Por isso a própria dificuldade e demora em fazê-la.

O longa é perturbador por chocar, por trazer um tema tão complexo, tão difícil, tão assustador quando pensamos que, ao mesmo tempo que o longa é uma obra de ficção, ele é baseado em histórias existentes de pessoas que passaram pela mesma situação de Joy (Brie Larson) e Jack (o brilhante ator mirim Jacob Tremblay) - uma jovem sequestrada aos 17 anos e mantida como refém em um quarto há sete anos, período o qual tem um filho com seu algoz. E também, por incrível que pareça, o longa consegue lançar um olhar lindo sobre o tema ao mostrar toda a situação de clausura e abusos sofridos por Joy pelos olhos ingênuos de uma criança de cinco anos, seu filho Jack. O Quarto de Jack é, ao mesmo tempo, perturbador e belo. Como equacionar isso?
Jack e Joy, no quarto título do filme
O roteiro do longa se inicia com um olhar da vida de Jack no seu quarto, junto à sua mãe e os elementos criados por ele e por ela para que Jack pudesse ter uma infância saudável - elementos da sua imaginação, que afloram sob o olhar da mãe que faz questão que o menino tenha sonhos, fantasias, amigos imaginários e tudo o que uma criança de cinco anos pode ter no seu desenvolvimento. Joy faz questão de manter uma rotina, estudar com o filho, comemorar seu aniversário, fazer exercícios, estabelecer horário de dormir - e poupar o filho dos encontros com seu sequestrador, Old Nick (Sean Bridgers), toda vez que ele os visita, o levando para armário e fechando-o de todo o horror que Joy vive diariamente. Narrado por Jack, que vive neste mundo à parte, mas que é o seu mundo, o longa traz justamente uma contraposição ao espectador o cotidiano de fantasia e de descoberta, pela visão de Jack, e a realidade da vida dele, pela visão de Joy, a qual o espectador percebe aos poucos, com o andar do filme. 
 O ator mirim Jacob Tremblay, incrível atuando no longa
Dirigido por Lenny Abrahamson, o longa foi roteirizado pela própria autora do livro, a canadense Emma Donoghue, e por isso se torna muito fiel à obra escrita. O filme é canadense, britânico e irlandês, e por isso acredito que sua estética e história não sejam lugares-comuns como outros filmes hollywoodianos, apesar da história se passar nos Estados Unidos. Digo isso porque apesar da indústria cinematográfica norte-americana ser diversa hoje em dia, não acredito que um roteiro com este peso e teor seria fácil de ser aprovado por estúdios hollywoodianos, acostumados com longas que, mesmo que contenham temas pesados, são baseados em uma cultura puritana que renega a desconstrução de pilares familiares, como o conceito de família (que neste caso, inclui o agressor de Joy, pai de Jack) e de infância, que devido à clausura, faz com que Jack tenha uma infância que não se enquadra em conceitos tradicionalmente concebidos.

Pode-se dizer que o longa se divide em dois grandes momentos ou partes, e não vou contar aqui quais são, para não fazer spoiler, mas que nos dois momentos vemos o mundo pelos olhos de Jack, uma criança que vê o mundo com o olhar de criança. É, sobretudo, neste aspecto que o filme deixa de tratar de um tema específico de uma cultura, e se torna universal: Jack é uma criança como outra qualquer, e isso fica claro também nos seus dilemas, brincadeiras, birras, inseguranças e perguntas intermináveis à sua mãe.
Jack e Joy no quarto, brincando e vendo televisão
Achei muito interessante uma crítica que li do filme no blog Plano Crítico (http://www.planocritico.com/critica-o-quarto-de-jack/) , feita por Matheus Fragatta, na qual ele compara claramente o filme com a alegoria da caverna, de Platão. E é um pouco isso mesmo: a percepção do real, de acordo com Jack, vai mudando ao longo da trama, e em diversos pontos podemos perceber que, ao mesmo tempo em que Jack desconhece o mundo, ele quer conhecê-lo com o medo comum de alguém que nunca o vivenciou, a não ser pela tela de uma televisão. O mundo de Jack é o quarto de Jack, título do filme, e esse universo, esmiuçado na trama, é o único universo que conhece e por si só, é belo, em contraste de sua mãe, que vê o confinamento e o quarto com horror, e deseja desesperadamente sair do quarto.
Jack em seu universo conhecido, o quarto
O quarto de Jack é, sim, perturbador, mas ao mesmo tempo, o longa traz muitas discussões filosóficas as quais poderíamos ficar horas discutindo. Por ser uma situação ficcional, mas também já ocorrida no mundo real, ela nos espanta. Porém, todo o roteiro do filme, e a atuação impressionante de Joy e Jack, nos faz mergulhar neste universo e nos perguntar: "e se fosse comigo, o que faria?" Creio que todos ao verem o filme se colocam no lugar de Joy, e que todos compreendem o olhar de Jack. Creio que, por este motivo, o longa atrai logo de início o espectador. 

Em relação à corrida pela estatueta do Oscar, pode ser que O quarto de Jack não ganhe o Oscar de melhor filme. Se ganhar, será um dos filmes mais interessantes que já ganharem a estatueta. Se não ganhar, nada tira o brilhantismo da obra, que traz questionamentos extremamente profundos sobre o ser humano e como ele se adapta na vida a qualquer situação. Brie Larson, que interpreta Joy, por outro lado, tem grandes chances, e merecidamente já ganhou o Globo de Ouro e diversos outros prêmios pelo longa. Para finalizar: sei que é difícil uma criança de cinco anos concorrer ao Oscar, mas Jacob Tremblay já se tornou o ator mirim mais sensacional dos últimos anos no cinema. Palmas para ele.



Brooklyn (2015)

O filme Brooklyn é um dos concorrentes ao Oscar esse ano, e conta uma história de superação e a busca por um futuro com mais perspectiva que costumamos ver em filmes que contam a história de imigrantes em busca de um novo lar na América. 
Saiorse Ronan está muito bem como a estrela do longa, Eilis
Com roteiro adaptado de Nick Hornby (autor de tantos livros que seguem temáticas de relacionamentos nos dias atuais, como Alta Fidelidade, O Grande Garoto), o longa conta a história de Eilis, interpretada por Saiorse Ronan, uma jovem que decide sair da sua cidade no interior da Irlanda na década de 1950 e buscar emprego e uma nova vida na região título do filme, em Nova York. A região, aliás, é uma região reconhecida pela imigração irlandesa, e não à toa é o título do longa - uma terra de esperança para jovens e adultos que migram no pós-segunda guerra para o país, em um momento de crescimento econômico forte. 
A jovem com o namorado Anthony Fiorela, em Brooklyn, bairro de imigrantes em Nova York
Saiorse Ronan, que interpreta a jovem protagonista da trama, está muito bem no papel. Também filha de pais irlandesas, ela incorpora o papel da jovem que cresce com a nova experiência de viver sozinha em uma terra estranha. Interessante também no longa é a dinâmica apresentada das jovens que vivem no pensionato de Mrs. Keogh, interpretada pela sempre ótima Julie Walters, mas cuja participação é muito pequena na trama. Na mesa nas refeições principais, todas as meninas conversam sobre namorados, empregos, saídas e esperanças, cada uma com a sua característica específica (a mais fofoqueira, a mais namoradeira, a mais reservada). É como se Hornby mostrasse ali várias características de jovens que, como Eilis, tinham expectativas no novo país. 
À mesa com Mrs. Keogh, jovens pensionistas conversam sobre suas vidas
A história mostra os conflitos da jovem em viajar e deixar a família, assim como os mesmos conflitos dela de retornar à sua cidade, e já estar dividida entre sua terra natal e sua nova casa. Nesse sentido, o roteiro bem delineado de Hornby apresenta a visão do passado, presente e futuro, daquilo que é natural ao ser humano, mudar, construir novos laços, não ficar preso a algo que não é mais parte da sua vida. Os laços que prendiam Eilis ao passado, aos poucos vão se dissolvendo, na perspectiva futura de uma vida com mais sonhos e expectativas. 
Brooklyn é um longa bastante bonito esteticamente, com uma direção de arte bem legal também. Difícil não se apaixonar pelos costumes, vestidos, estilo de vida e simplicidade de uma época em que o glamour e a beleza estavam na moda - e que a elegância era o mote deste estilo de viver e se vestir. Tudo parece muito elegante, assim como Eilis, elegante na sua humildade e na forma de tratar as pessoas.
Eilis retornando às suas origens,muito mais determinada que antes de viajar
Posso dizer que Brooklyn não é um filme que, em minha visão, não traz uma história inovadora. Mas é uma história contada por muitos, vivida por muitos, por isso ele ganha pontos ao expectador. Não sei se tem chances ao Oscar, a não ser pelo belo roteiro de um veterano na arte de contar histórias de vida (Horbny) e interpretação de Saiorse Ronan, que segura bem o papel e é uma joven atriz que tem tudo para despontar em Hollywood. É um filme bonito de se ver, com uma história que nunca perde sua importância e beleza ao ser contada.

domingo, 21 de fevereiro de 2016

A Garota Dinamarquesa (The Danish Girl, 2015)

Dirigido por Tom Hooper, mesmo diretor de O Discurso do Rei, o longa A Garota Dinamarquesa lança um olhar sobre Einar Wegener/Lily Elbe, conhecido pintor dinamarquês que passa por uma transição de gênero, e sua esposa, a também pintora Gerda Wegener, mostrando a história de transformação dele e de amor entre os dois.
Eddie Redmayne como Einar/Lily Elber
O filme estreou como uma sensação no cinema por abordar, principalmente, a transformação de Einar em transgênero na década de 1920. Com a biografia do pintor em mãos, o longa se inspira na sua história, e acaba se tornando não uma biografia histórica, mas uma história de autodescoberta e de amor, que transforma a relação do casal.
A Garota Dinamarquesa impressiona desde o início - um elenco jovem, porém bem escolhido, que mostra um pouco das transformações da juventude nos anos 1920, época do jazz, do ragtime e da revolução nos costumes femininos, comuns em toda a Europa. O relacionamento do casal de pintores desde o início chama atenção: cumplicidade é a palavra chave. O longa vai, entretanto, delineando uma nova realidade com a necessidade de Einar de mudar radicalmente a forma como se via no mundo, porém mantendo a mesma cumplicidade com a esposa que tinha no início. A relação muda e não muda ao mesmo tempo. O amor romântico abre espaço para um amor diferente. Esta é para mim o fio condutor da trama, que conta, na verdade, a história da garota dinamarquesa do título, interpretada por Eddie Redmayne, e sua esposa, interpretada por Alicia Vikander, atriz sueca.
Alicia Vikander e Eddie Redmayne como o casal Lily Elber e Gerda Wegener

Diga-se de passagem, impressiona a atuação de Eddie Redmanyne como Einar e Lily, uma transformação detalhada para o espectador. Um dos grandes trunfos do roteiro é mostrar essa transformação em todos os seus passos. Redmayne transforma delicadamente seu personagem, e quando percebemos, já é Lily. De fato me impressionei com a interpretação, e creio que talvez consiga o seu segundo oscar em seu segundo papel de destaque no cinema, o que é impressionante. Como sabemos que Leonardo DiCaprio historicamente é preterido pela academia, não me espantaria se a estatueta fosse para Redmayne.
A atuaçào de Redmayne impressiona pelas nuances e dificuldade de seu personagem
Em contrapartida, Alicia Vikander não deixa a desejar. A atriz está excelente no papel, e desconhecida do grande público, impressiona pela força de atuação, em um papel dramático e difícil.
Chamo atenção ainda para a direção de arte, fotografia do filme e a trilha sonora. O longa é lindo, considerado particularmente como "um filme artístico" devido à fotografia e direção de arte dele ser exuberante, mesmo mostrando uma dinamarca fria e chuvosa. Não faço spoiler, mas posso dizer que a cena final é de uma beleza impressionante, o que me faz lembrar que Hooper também dirigiu o musical Os Miseráveis, longa que demorei a ver mas fiz crítica aqui no blog, um dos filmes mais bonitos que já vi.
Gerda pintando Lily, sua inspiração
A Garota Dinamarquesa recebeu muitas críticas devido à adaptação do livro do escritor norte-americano David Ebershoff, e por não contar a verdadeira história do casal. O longa, na verdade, é inspirado na história do pintor. Caso contrário, realmente não há como dizer que o filme seria bem recebido, pois as mudanças biográficas foram muitas no romance e na adaptação para o cinema.
Acredito que o filme seja relevante pois traz uma discussão atual, assim como Carol, sobre a liberdade da escolha de gênero e mostra, com muito cuidado e delicadeza, o drama de Einar/Lily, em uma época em que era sua mudança de gênero trazia ainda muito preconceito. Infelizmente, nos deparamos com uma realidade atual que nos faz ver que o preconceito ainda persiste. Por isso, se torna mais que importante o lançamento de filmes que reforcem a liberdade de escolha individual.

sexta-feira, 19 de fevereiro de 2016

Carol (2015)

O filme Carol estreou como uma das grandes sensações do cinema de 2015. O filme foi ainda indicado ao Oscar em seis categorias. Sendo um drama ambientado na década de 1950, me indaguei sobre o que faz com que Carol seja um drama que, em geral passaria escondido pelo grande público, ser tão badalado?
O longa lança mão de uma realidade feminina na década de 1950 - preconceito em relação à casais homossexuais - para relatar o drama de duas mulheres que se apaixonam mas não podem ficar juntas, por questões legais, por pressões de ex-marido, ou pela sociedade não aceitar que uma mulher divorciada crie uma criança com outra mulher.
Cartaz do filme Carol
O tema ligado ao universo feminino está em alta ultimamente, o que é fantástico ao percebermos os movimentos coletivos femininos, na internet, nas ruas e na circulação de notícias por pessoas que entendem e enxergam que a mulher é, sim, historicamente, alvo de muito preconceito. Neste sentido, Carol, interpretada por Cate Blanchett, é uma mulher linda, inteligente, bem articulada, amorosa com a filha, que tem um "pecado": ser gay. E entender que, em uma época tão próxima à gente, essa condição era motivo para perder a guarda de crianças e considerada distúrbio psiquiátrico.
Dirigido por Todd Haynes, que descobri que é autor de Mildred Pierce, série premiada da HBO que relata a história de superação de uma dona de casa que se divorcia do marido no mesmo período do filme Carol, o longa tem um ritmo lento e uma fotografia belíssima. Explora não somente a vida da personagem título, mas também da mulher de quem se apaixona, contando, na verdade, a história das duas a partir da realidade de Therese (Rooney Mara), a balconista da loja de departamentos que se torna companheira dela.
Carol e Therese se conhecendo
O longa é ainda muito bonito por contar uma história de romance de forma delicada e realista. Imaginando como deveria ser na década de 1950 duas mulheres namorarem, fico pensando que era exatamente assim - sendo consideradas amigas, viajando juntas, sendo paqueradas em bares...é, até hoje me parece que isso é uma realidade. Mulheres que andam de mãos dadas são apontadas na rua, beijos na rua são motivo de piadas masculinas...é uma realidade dura, mas uma realidade.
O que quero dizer é que Carol, no alto de sua fotografia belíssima, atuações principais comedidas e excelentes, sua caracterização de época muito bem feita, é um drama que pode não concorrer a um prêmio principal ao Oscar, mas com certeza é um dos filmes mais bonitos feitos em 2015.
Ressalto, ainda, que Rooney Mara, creio que propositalmente, está a cara de Audrey Hepburn em Sabrina, de 1954, longa em que a atriz faz o papel da filha do motorista de uma família endinheirada, cujos filhos se apaixonam, e Ann, personagem de Hepburn em A Princesa e o Plebeu, de 1953. Acredito que, de forma intencional ou não intencional, o romance entre Carol e Therese se assemelha também aos longas, mas ao invés do casal tradicional masculino-feminino, são duas mulheres que se apaixonam.
Cate Blanchett fantástica no papel, como sempre
Posso dizer que achei Carol um longa bonito e muito interessante, e creio que faz jus à todas as indicações a que concorre. É, ainda, relevante, pois por mais que os tempos tenham mudado, a nossa sociedade está longe de conviver em harmonia e paz com as escolhas pessoais e orientações de gênero dos outros. Compreender o outro é sempre importante para entendermos que a luta por direitos e tratamentos iguais é uma luta sofrida, diária, histórica e permanente.

sexta-feira, 12 de fevereiro de 2016

Segredos Revelados (Spotlight, 2015)

Após um longo período sem postagens e a pedido de uma amiga, eis que volto a fazer crítica de filmes neste blog. E para comentar um filme concorrente ao Oscar, já que esse período pré-premiação é um período bom pra sentar na sala de cinema/de casa e ver um filme indicado. Apesar das polêmicas envolvendo a premiação (inclusive a deste ano, com zero diversidade nas indicações), os filmes indicados em geral têm muita qualidade.

Cartaz de Spotlight
Spotlight, ou Segredos Revelados, em português, é um filme que surpreende gradativamente e pela fluidez do roteiro, direção, atuação e continuidade se torna um filme fantástico ao espectador. Por isso, provavelmente, não foi uma surpresa sua indicação para melhor filme. O longa tem um tema "duro" para o cinema e para quem está acostumado com ritmo rápido, efeitos visuais ou uma história com final dantesco, o filme deixa a desejar. Porém, para quem gosta de filmes investigativos, jornalísticos e realistas, cuja história se revela aos poucos, o filme é primoroso. Primeiro porque ele se passa em 2001, em uma época em que o jornalismo era feito de forma diferente. Não havia grandes redes sociais e os jornais ainda eram comprados em bancas ou por assinaturas. Hoje o jornalismo vive da web, e cada vez mais sua versão "física" deixa de existir - tempos modernos... o longa mantém um ritmo um pouco mais lento, conectado com o tempo em que a história se passa. É muito interessante ver como o ritmo de vida era outro - mesmo sendo um passado um tanto quanto recente.

O time de jornalistas investigativos do Boston Globe
Segundo, o roteiro - baseado em uma história verídica - se desdobra na investigação do grupo de jornalistas do Boston Globe conhecidos como Spotlight Team, reconhecidos por trabalhar com jornalismo investigativo. A investigação que fez o grupo se tornar conhecido no mundo se relaciona a crimes de pedofilia reconhecidos pela Arquidiocese de Boston e encobertos por acordos fechados na Justiça na cidade, das décadas de 1970 a 1990. Apesar do filme não focar em comentários de abusos ou relatos muito pesados, é possível sentir o peso tanto das pessoas que carregam na vida adulta o trauma do abuso sexual sofrido, quanto dos jornalistas que se deparam cada vez mais com histórias sofridas e dolorosas de serem contadas e ouvidas.

O grupo investigativo no Boston Globe
O filme recebeu um nome em português que tira um pouco a atenção do seu foco:  o foco não é a história em si, mas o "time" de jornalistas investigativos do Boston Globe. A história dos abusos sexuais de padres da Arquidiocese de Boston é contundente e chocante, mas a ação investigativa é o que traz o suspense ao filme e o que o faz quase perfeito. Perfeito em sua proposta e na sua continuidade - a continuidade é impressionante neste filme; perfeito na escolha de seus atores: Michael Keaton finalmente após Birdman conseguiu mostrar sua versatilidade; Rachel McAdams sempre ótima (não consigo achar um falha de atuação em nenhum filme com a atriz até agora, sem esquecer seriados, especificamente vi True Detectives); Mark Ruffalo, mais uma vez impressiona com a dramaticidade presente em gestos contidos, e Stanley Tucci, o qual não teço comentários pela grandiosidade de sua atuação, sempre. O longa é, ainda, excelente nos quesitos fotografia e edição, antenadas ao sem tempo e que nos faz "transportar" para 2001.

Stanley Tucci, interpretando o advogado Mitchell Garabedian
Spotlight conta com a direção de Thomas McCarthy, diretor com boa carreira em Hollywood, mas creio que após este longa irá deslanchar mais ainda na indústria. Posso dizer que vi um filme escrito e dirigido por ele, o primeiro da sua carreira, "O Agente da Estação" (2003), e que é um debut muito interessante para um diretor norte-americano. O filme fez muito sucesso no cenário independente.

Finalizo dizendo que gostei, e muito, de Spotlight. O tema é extremamente relevante, a história deslancha com o passar do tempo e me surpreendi, ao acabar, com a sensação de querer ver mais. O cinema, quando bem feito, dá essa sensação mesmo...filmes nunca acabam, mas permanecem em nossa memória, sendo revisitados de tempos em tempos.


domingo, 20 de setembro de 2015

Que horas ela volta? (The second mother, 2015)

Pela primeira vez escrevo o nome do filme em português e em parênteses em inglês. Faço isso com orgulho porque o novo filme de Anna Muylaert, que vem conquistando público no país, só começou a engrossar sua bilheteria após anúncio de ser o candidato ao Oscar de filme estrangeiro, feito dia 10. O longa faz "carreira internacional" desde o início do ano, sendo lançado em vários países com o nome de "A segunda mãe". Além disso, já recebeu prêmios de melhor atuação para Regina Casé, no Festival de Sundance, de crítica e de público no Festival de Berlim e de melhor filme no Festival de Amsterdã. Não dá pra deixar de nos indagarmos porque uma comédia supostamente despretensiosa anda conquistando tanto público lá fora.

Regina Casé como Val, a "segunda mãe" de Fabinho (Michel Joelsas)
Receber tantos prêmios e ser lançado em vários países me deixa um tanto quanto orgulhosa, uma vez que são poucos os filmes nacionais que têm tido sucesso de público no exterior e no país simultaneamente. Mas conquistar público nas salas nacionais, quando o filme tem uma estética inovadora ou uma temática social, também é algo para se comemorar, mesmo que sua fama tenha precedido o público. É interessante entender, também, o porquê disso.

O longa conta a história de Val (Regina Casé), que é a empregada doméstica/babá da família de Bárbara (Karine Teles), uma publicitária ou especialista em moda, cuja profissão não fica claro na história. Val é nordestina, vive no trabalho e visita pouco a filha e a família, com quem conversa via telefone quase todos os dias. Val é o retrato de muitas mulheres que trabalham em casas da classe média alta ou alta em São Paulo e no Rio de Janeiro. E é em São Paulo que encontra um "novo filho", o filho da patroa. Não é à toa que na maioria dos países o filme ganhou o nome de "A Segunda Mãe". É Val quem cuida do filho de Bárbara, Fabinho (Michel Joelsas), quem educa, que é cúmplice dele, que pergunta sobre a vida dele e quem o mima antes de dormir. Val é a mãe que Fabinho não teve.

Uma cena simples e bonita do filme - Val tem um cotidiano fechado.
Pegar um sol no quintal é uma das coisas que ela tem prazer de fazer
Com o passar do tempo, Fabinho cresce e se torna um adolescente amoroso. Pouca coisa muda na vida dela e no cotidiano da casa. Um belo dia Val recebe um telefonema da filha dizendo que ela está indo para São Paulo tentar o vestibular. Sem saber ao certo o que fazer com a filha que conhece pouco, Val conversa com a patroa que diz que ela "é praticamente família", e que a filha pode vir à vontade ficar na casa. Compra até um colchonete para ela dormir no quarto de empregada com a mãe. Quando Jéssica (Camila Márdila) chega na casa, os conflitos começam a ocorrer. E não é só o cotidiano separado dos patrões e empregados mostrados na trama que a deixa interessante, mas o conflito gerado por uma menina adolescente que chega em uma casa e é chamada de convidada, mas pela patroa, é vista como empregada. Essa dinâmica de estabelecimento de papéis claros na casa de Bárbara faz com que surjam diversos problemas, e faz com que Val, a grande protagonista da trama, comece também a questionar algo que para ela nunca foi questionável.

Val e a filha, Jéssica (Camila Márdila), discutindo sobre o uso da piscina
O filme traduz, assim, uma situação social que já vimos ou vivenciamos no Brasil. Não dá pra dizer que não vimos. O conflito de classes na relação de subalternidade que se estabelece no país desde as senzalas e a escravidão, permanece em muitos lares, de forma velada, passivo-agressiva e com muito preconceito embutido. Muito mudou na relação empregada doméstica/patroa? Sim e não. Em muitos lares a mesma relação permanece, de forma velada. Só que nos acostumamos com isso. O filme, na verdade, nos faz ver nossa sociedade. Que história é esse que não podemos lavar um copo, é tarefa da empregada ou diarista? E arrumar a cama, é tarefa também da empregada? Colocar o prato na pia da cozinha, jantar na mesa da cozinha...isso tudo reflete uma situação que todos já vimos: a desigualdade social nas casas brasileiras desde o século XIX, que se desenvolve de forma espacial. E esse é um dos motes do filme, como exemplo, na cena em que a própria patroa de Val deixa claro, após ficar irritada com os "abusos" de Jéssica, que subverte a ordem local: ela deve ficar "da cozinha pra lá, pros fundos da casa".

Val na cozinha - onde a maior parte das cenas é filmada
Que horas ela volta? traz, assim, um interessante retrato do Brasil, um que achamos que já tínhamos esquecido nesse século XXI, mas que existe na nossa sociedade. O forte do filme, porém, não é só a sua crítica social. O outro forte do filme tem nome e sobrenome: Regina Casé. Ela apresenta uma composição de personagem incrível, marcante, contida e forte ao mesmo tempo, um retrato de uma mulher trabalhadora, humilde, isolada em sua vida penosa, que começa a perceber, nas situações e nos diálogos com a filha, que seu mundo poderia ser maior. Val é extremamente empática, é engraçada, e é uma personagem contida, sem grandes explosões. Casé está brilhante - e não dá pra dizer que não conhecemos o potencial dela pra comédias - neste caso, claramente um drama com pitadas de comédia. O elenco de apoio na trama - todos os membros da família de Bárbara, os empregados da casa, a sua filha e sua amiga, também empregada doméstica, estão todos muito bem também. O trabalho de direção está ótimo, a composição, os diálogos e a continuidade da trama, também. Mas quem é a estrela, sem dúvida, é Casé.

A família de Barbara à mesa, esperando Val tirá-la
Posso dizer que o longa é imperdível, e vale muito a pena ser visto. Não só pela suposta concorrência ao Oscar, mas porque precisamos parar de ter aquela velha visão de que o cinema nacional é inferior ao cinema estrangeiro. Faço ainda uma mea culpa: preciso escrever mais sobre filmes nacionais neste blog, e ver mais os filmes nacionais. Acreditem, estamos fazendo escola, e já há muito tempo.