sábado, 29 de novembro de 2014

Ela (Her, 2013)

O filme Ela é lindo. Quando o vi, algumas semanas atrás, parei estarrecida em frente à televisão pensando justamente isso: que filme bonito. Não só pelo seu roteiro fantástico, feito com bastante detalhe e cuidado por Spike Jonze, também diretor, mas como pelos aspectos estéticos da obra, a direção minuciosa e delicada, a composição dos dois personagens principais, interpretados (sim, interpretados!) por Joaquin Phoenix e Scarlett Johansson, como pelas reflexões que ele deixa no caminho, ligadas ao futuro dos relacionamentos humanos.

Ela conta a história de Theodore, um escritor de cartas por encomenda, uma realidade da futurística Los Angeles do filme (cuja data escapa ao autor). Neste admirável novo mundo, Theodore vive relações esfriadas, tem poucos amigos e amarga uma decepção amorosa que não consegue esquecer. Theodore, aquele que trata de sentimentos no seu próprio ofício, ao escrever cartas de aniversário, de amizade e de amor, não consegue externar sua angústia e seus sentimentos - e vive solitário.
Theodore e o OS Samantha
Até que, um belo dia, é lançado um novo sistema operacional (OS) que, na verdade, é uma inteligência artificial que conversa com você, reconhecendo seu perfil, suas convicções, defeitos e interesses, e rapidamente Theodore começa a utilizar a tecnologia - em um tentativa de buscar um novo relacionamento, mesmo que não humano, que dê algum sentido à sua rotina repetitiva. Desta forma, ele conhece Samantha (Scarlett Johansson), que mesmo sendo apenas uma tecnologia e apenas uma voz, faz ele se sentir confortável com ele mesmo, e começar a ter mais esperança na sua existência humana.


Theodore passeando com Samantha
Samantha, diga-se de passagem, é interpretada pela voz de Johansson, que em momento algum aparece no filme. Interpretada, também, com muito primor. A voz dela é tão reconhecível e a imagem dela é tão comum hoje, que fiquei já com a imagem da atriz na cabeça ao pensar em como Theodore imaginava ela - uma imagem irreal, mas que para nós é incorporada pela atriz reconhecidíssima em Hollywood.

Desta forma, começa o romance de Theodore e Samantha, que para nós é algo inimaginável de pensarmos no mundo atual, mas não impossível de existir no futuro. E se no futuro um sistema de computador pudesse reconhecer pessoas como Samantha reconheceu Theodore, com suas qualidade e defeitos, e ser um companheiro bom em momentos de tristeza? E se o sistema operacional pudesse se apaixonar, como nós, humanos, nos apaixonamos, afinal, eles adquirem características humanas por terem sido criados por nós?

Algumas dessas perguntas são feitas atualmente por especialistas de tecnologia informacional que tentam criar uma inteligência artificial bem parecida com Samantha, porém, ainda falham no famoso Teste de Turing (volta e meia algum desenvolvedor diz que conseguiu criar uma inteligência artificial que se comporta como humano, mas falha - até hoje ninguém passou). Mas cada vez estamos chegando a um nível de complexidade maior e isso pode se tornar uma realidade em um futuro não tão distante.

Ela mostra como uma paixão pode surgir entre um humano e um programa de computador. Porém, mostra mais ainda: como que as tecnologias, como é Samantha, podem evoluir para se transformar cada vez mais em humanos, e romper as barreiras que as tornam dependentes de nós. As transformações que Samantha traz à vida de Theodore são perceptíveis, mas as transformações de Samantha, que aprende com o sentimento compartilhado pelo humano, são bem maiores.

A fotografia do filme é linda
O filme de Spike Jonze pode parecer elaborado demais ou futurista demais, mas ele lembra muito O Homem Bicentenário, de Isaac Asimov (cujo personagem título é estrelado pelo saudoso Robin Williams). Trazendo uma nova estética e um novo olhar sobre as máquinas, imaginadas por Asimov de uma forma muito diferente quando escreveu o livro em 1976, Ela traz uma reflexão sobre as relações humanas que uma máquina, robô ou inteligência artificial pode ter com seus companheiros - no caso, Andrew, o robô da família retratada em O Homem... é extremamente fiel aos seus donos, mas com o tempo aprende a viver como os humanos e deseja ser igual a eles e ganhar sua liberdade. Ele persegue sonhos, apesar de ser robô, e se apaixona, apesar de ser robô.

A partir desta temática, Jonze tece uma trama muito delicada sobre a relação de Samantha e Theodore, mocinhos pelo qual você se apaixona, esquece os detalhes de sua essência humana ou robótica e acaba torcendo para ficarem juntos.

Um outro fato legal do filme é sua estética - uma direção de fotografia incrível, feita por Hoyte Van Hoytema, holandês que também produziu Interstellar, que ainda não vi mas está na listinha de próximos filmes com as férias chegando. Engraçado que achei a estética bem legal, mas descobri aos poucos que havia uma coisa muito estranha na Los Angeles futurista: havia muitos atores extras asiáticos. Com o tempo, fui prestando mais atenção e achei um erro de continuidade: Theodore, em uma das cenas, desce em uma estação de metrô cheia de orientais e aparece uma plaquinha de indicações de caminho (eu acho!) em chinês. Descobri, ao ver os créditos, que o longa foi filmado também em Xangai.
Ela foi filmado parcialmente em Xangai
Pra terminar esta pequena crítica, acho que Ela entra na lista de filmes obrigatórios de serem vistos em 2014. Não só porque vale a pena, pelo roteiro, pelas atuações e direção, mas por ser um filme antenado com o presente e que nos faz refletir que num futuro não tão distante, essas pequenas máquinas que andam nas nossas mochilas ou bolsos poderão nos trazer ainda mais reflexões sobre o que é ser humano - que no final das contas, essencialmente se volta para a nossa capacidade de sentir o outro e refletir sobre isso, nos transformando com novas experiências e relacionamentos.

sexta-feira, 5 de setembro de 2014

O Último amor de Mr. Morgan (Mr. Morgan's Last Love, 2013)

O último amor de Mr Morgan é um filme que deve ser apreciado lentamente. Eu mesma demorei um dia pensando como iria fazer a crítica deste drama que é tão intenso, que havia momentos que eu conseguia sentir a angústia de Matthew, o Mr. Morgan do título, vivido pelo Michael Caine, e a indecisão de Pauline, vivida pela francesa Cleménce Poésy. O longa é denso, complicado e angustiante justamente porque lida com seres humanos desiludidos, perdidos ou envolvidos em tanto drama emocional que fica difícil você digerir tantas emoções ao mesmo tempo. Porém, decidi fazer essa crítica pois o ponto mais forte do filme foi aquele que me fez ter o interesse por ele primeiramente: Michael Caine.

Sir Michael Caine interpretando brilhantemente Mr. Morgan
Sou fã incondicional do "Sir" Michael Caine, seja no início de sua carreira, interpretando Alfie, o sedutor, seja interpretando maravilhosamente Thomas Fowller em O Americano Tranquilo, de 2002. Porém, o filme dele que mais gostei foi Educando Rita (Educating Rita), de 1983, o qual eu vi e revi imediatamente, de tanto que ele e Julie Walters me fascinaram com duas atuações brilhantes - o qual os dois ganharam o prêmio britânico  BAFTA e o Globo de Ouro pela atuação.

Em O Último amor de Mr. Morgan, Caine faz novamente um professor, de Filosofia, norte-americano, que vive em Paris sozinho após o falecimento de sua esposa. O filme nos apresenta pouco a pouco a rotina solitária do americano (pois é, com sotaque britânico, mas tudo bem) que vive triste pela falta de sua esposa. Eis que Matthew Morgan conhece uma jovem ao acaso em um ônibus, que pelo cuidado e simpatia acaba fazendo com que ele se sinta acolhido, e comece uma amizade que por vezes parece levar a um romance.

Mr. Morgan e sua esposa, Joan (Jane Alexander)
A joven Pauline, interpretada por Cleménce Poésy (mais conhecida pelo papel de Fleur Delacour em Harry Potter), não tem família e demonstra um carinho enorme por Matthew, correspondido de forma maestral e sutil por Caine, que começa a se animar mais após conhecê-la. O amor platônico, porém, é interrompido constantemente pelas lembranças de sua falecida esposa, e o estado depressivo de Matthew oscila em toda a filmagem.

Mr. Morgan e Pauline (Cleménce Poésy) almoçando em um parque em Paris
Outros personagens de destaque na trama são seus filhos, cuja relação com o pai é bastante estremecida. Gillian Anderson, em uma aparição relâmpago, interpreta a filha Karen, egoísta e fútil, e seu filho, Miles (Justin Kirk), protagoniza as cenas mais dramáticas com o pai, que se recusou a vida inteira a demonstrar carinho e atenção a ele. 

A trama começa a se tornar mais densa na medida em que estes personagens trazem o pior de Matthew - suas lembranças da vida difícil em família e de sua esposa, que era o único elo entre eles. Jane Alexander, famosa atriz da Broadway, também brinda o filme com suas poucas aparições nas lembranças de Matthew, como sua querida Joan.

Matthew, seu filho, Miles (Justin Kirk) e Pauline em um momento de discussão familiar
O último amor de Mr. Morgan, apesar do nome, não é uma comédia romântica, e sim um drama, muito bem montado pelos atores e personagens, mas que nos deixa com um nó na cabeça e uma angústia terrível durante o longa, por vê-los sofrer demais. O drama é, porém, muito bem dirigido e filmado - com cenas de Paris e do interior da França lindíssimas.

Creio que o filme vale a pena pelas atuações - não preciso comentar a de Caine, que comanda absolutamente todas as cenas - e pela história extremamente sensível, de como um amor profundo entre um casal acaba levando as pessoas a abdicarem tudo o que tem. O último amor de Mr. Morgan é, sobretudo, um drama familiar, denso e reflexivo, que mostra as nuances de vidas que mesma sofridas após a morte de um ente querido (nesse caso, todos os personagens partilham uma perda) seguem seus caminhos, em um cenário bucólico de uma Paris no inverno.

Uma das muitas cenas com fotografia lindíssima do filme, nos arredores de Paris

quinta-feira, 28 de agosto de 2014

O Grande Hotel Budapeste (Grand Budapest Hotel, 2014)

Creio que escrever sobre filmes requer uma boa dose de análise pessoal, crítica e encantamento. Por isso neste blog tenho escrito apenas sobre filmes que gosto - uma história que me cativa, que se torna interessante por alguma atuação, estética ou direção, ou que por si só é bela e vale a pena assistir. Os três casos se aplicam ao Grande Hotel Budapeste. O vi no avião voltando de um congresso e a princípio, já sabia que era um filme com vários atores bem conhecidos, com uma estética detalhista e até mesmo surrealista, presente nas obras do diretor Wes Anderson, em uma história que se passa no início do século XX. Mas o que me encantou neste novo filme do diretor de Moonrise Kingdom e Os Excêntricos Tennenbaum foi a história singela e delicada de um mundo que parecia apenas uma ilusão no pós-Primeira Guerra. 

O Grande Hotel Budapeste

A belle époque se tornou um símbolo de uma época de grandes impérios, de crescimento econômico e de uma cultura fervorosa que surgiu na Europa pós-industrial. Os costumes, a estética romântica, o desenvolvimento da ciência em uma época que de fato foi importantíssima para a literatura, para o cinema e para a arte se fazem presentes no filme que retrata um caso de mistério envolvendo um concierge do famoso hotel na cidade ficíticia de Zubrowka, bem parecida com a Hungria do título. O filme conta com elementos estéticos como cores vivas, elementos de cenário que parecem ter sido desenhados à mão, timing perfeito entre música e movimento dos atores que são especialmente destacados na história de assassinato e fuga envolvendo o personagem principal, o concierge Gustave H., interpretado por Ralph Fiennes, e seu fiel escudeiro, o "lobby boy" Zero (Tony Revolori). 

Seu enredo se inicia na visita de um escritor ao antigo hotel, já decadente, na década de 1960, e o encontro com Zero (com certa idade, interpretado por F. Murray Abraham), que o apresenta à história de como conheceu o Hotel Budapeste e seu concierge "mais famoso", Gustave H., que para Zero, "era o hotel".

Zero e o "jovem autor", a quem conta a História de como conheceu 
Gustave H. e do tempo saudoso do hotel

Voltando à década de 1930, com personagens ricos ainda da próspera sociedade da belle époque, o Grande Hotel Budapeste é retratado como cenário de beleza e de sonhos, se tornando ainda um reduto dos valores e costumes anteriores. Gustave H. seria o mais famoso de todos os concierges, o homem que retinha aqueles valores e que mantinha o Grande Hotel impecável e como era há décadas. O "guardião" desta memória transforma seu funcionário adolescente, Zero, em seu escudeiro e pupilo, o qual ele ensina tudo o que deveria saber para se tornar um grande funcionário como ele.

Além de Zero, se destaca na história a jovem Agatha (Saiorse Ronan), a namorada apaixonada de Zero, e uma série de personagens encantandores que perpassam o filme rapidamente e que se destacam também pelos seus perfis bem definidos e carismáticos, dentre eles a Madame D Taxis (Tilda Swinton), seu filho, Dmitri (Adrien Brody), o inspetor de polícia Henckels (Edward Norton), o colega de prisão de Gustave, Ludwig (Harvey Keitel) e o assassino Jopling, interpretado fantasticamente por Williem Dafoe. O longa ainda conta com muitas participações especiais, de atores que trabalham com Anderson há anos, como Owen Wilson e Bill Murray, e outras agradáveis surpresas, como F. Murray Abraham, Jude Law e Tom Wilkinson.

Agatha, a jovem confeiteira de Mendl's

Como juntar um elenco tão "estrelado" em uma história tão inusitada e, ao mesmo tempo, cativante? Provavelmente Anderson tem uma série de atores que gostam de sua estética, bastante original, e que confiam no seu roteiro, que dessa vez foi baseado em alguns livros e escritos deixados pelo famoso autor do início do século XX - um dos mais lidos na Europa nesta época - Stefan Zweig. Pode ter sido essa a chave do sucesso do autor, uma vez que Zweig é celebrado como um dos maiores escritores de seu tempo, também como um profundo crítico das guerras que devastaram a Europa de sua época.

A história flui maravilhosamente e as personagens e o cenário nos encantam - mesmo com a guerra se aproximando. Detalhe para o uso de um símbolo fictício do exército aliado à Hungria na Segunda Guerra, que parece a suástica nazista que na verdade não é uma suástica. Talvez no mundo fictício de Zubrowka, a suástica carregaria uma simbologia pesada demais para uma história leve como esta.

Zero e Gustave H.

Para quem quiser assistir, Grande Hotel Budapeste é um filme excelente, com uma história idílica e passada em uma época que como o próprio Zero afirma, não existia mais na década de 1930, mas que o Monsieur Gustave H. buscava manter viva no maravilhoso hotel dos Alpes que ainda vivia um tempo áureo, mesmo que de forma ilusória.

terça-feira, 22 de abril de 2014

A vida secreta de Walter Mitty (The Secret Life of Walter Mitty, 2013)

Vi ontem “A vida secreta de Walter Mitty” e tive uma grande vontade de ler o conto que deu origem ao filme, de James Thumber,de 1939, e ao filme original, de 1947. Não consegui ver o filme, mas li o conto, que é bem pequeno e bem legal. Porém, nada tem a ver com o filme. O conto narra a história de Mitty, um homem cuja esposa dita suas ações e vive sonhando no horário vago. Os momentos de devaneio de Mitty são momentos de escapismo, nos quais ele se torna um cirurgião importante, um aviador da Segunda Guerra ou um advogado inflamado em busca da inocência do seu cliente. Ele é um homem comum, provavelmente de meia idade, que vive nos subúrbios norte-americanos, cuja vida só tem graça ao se imaginar como herói e no mundo excitante da imaginação. E o escapismo é a única relação do conto com o filme, que conta a história de um funcionário da seção de negativos da Life Magazine nos dias atuais. 

Ben Stiller e Kristen Wiig como Mitty e Cheryl, em um dos devaneios de Mitty
 Com uma mãe idosa e uma irmã atriz para sustentar, Walter não vive, na verdade devaneia quando pega o metrô para o trabalho, quando chega ao trabalho, no momento do café e quando volta para casa. Até que um belo dia recebe um presente de um fotógrafo famoso: uma carteira e negativos do último rolo dele para a revista. A revista, fechando suas operações impressas e em transição para operar somente de forma digital (o que aconteceu em 2009), busca a última foto de capa, a foto perfeita. Essa foto, o negativo 25, é a única faltando no rolo enviado para Mitty. Assim, Mitty decide correr atrás do fotógrafo, como uma última missão na sua profissão que está fadada a desaparecer e passa finalmente a viver, a se aventurar, e esta é a parte do filme – ligada à redescoberta – em que ele começa a viver a vida que sonhou nos últimos vinte anos.

O visual do filme é muito legal, essa cena é na Islândia

Não dá pra contar mais da trama, esse é apenas o roteiro inicial, mas o filme tem cenas muito boas, e cenas bem dispensáveis. A estética dele, por outro lado, é bem bonita, e há sempre o contraste do vermelho com o azul, como se fosse a capa da Life, com fotos em preto e branco que contrastavam com a faixa vermelha sangue. A estética azulada do filme o deixa também com um ar futurista, apesar da trama se passar na Nova York atual. Acho que o grande problema de “A vida secreta de Walter Mitty” é que ele contrasta cenários lindos como a Islândia com cenas dispensáveis como a de Mitty sonhando ser Benjamin Button. Há um ar dramático em sua história, que também contrasta com humor, mas acho que não há uma definição entre humor e drama, tudo fica bem no meio termo. Tudo bem, eu sei que o Bem Stiller produz, atua e dirige o filme, mas sei lá, perdeu um pouco o ar dramático– porque a beleza do filme está nas descobertas que Mitty faz ao finalmente viver.
Aliás, uma das coisas que mais gostei do filme foi ele ter se baseado na história do fechamento de uma revista de fotojornalismo que foi referência no século XX. Achei que fizeram uma homenagem, na verdade, à revista. Cenas muito bonitas, cores incríveis, sempre contrastando com o vermelho da capa.

Cheryl cantando Space Oddity, numa das cenas mais bonitas do filme
Walter Mitty é um bom filme, mas não se assemelha ao conto de Thumber, apesar da ideia principal poder ser universal. Thumber escreveu em 1939 uma sátira à vida suburbana de muitos americanos, com críticas sarcásticas ao American Way of Life. O conto em si é bem legalzinho. O filme parece que buscou uma inspiração no conto para mostrar a vida de um homem que não viveu, e que começa a se perguntar, com quarenta anos, qual o seu propósito. Pena que Ben Stiller não consegue responder à altura de uma trama que tinha tudo para ser excelente.
Pra terminar, vou deixar o link pro conto de Thumber e o link de Space Oddity que David Bowie e Kristen Wiig cantam juntos (e ela interpreta no filme). A música tema do personagem é muito bonita, e tem tudo a ver com o filme. 



quinta-feira, 17 de abril de 2014

Les Misérables (2012)

Vi ontem no ônibus voltando do trabalho Les Misérables, o musical, dirigido por Tom Hooper em 2012. Fiquei impressionada com a qualidade do longa. Achei o filme muito bem dirigido, produzido, com boas atuações e me assustei mais ainda quando li que ele foi filmado com as músicas sendo gravadas ao mesmo tempo, ou seja, o trabalho vocal dos atores foi pesado, e por isso mesmo que certas horas sentia que havia um desafino aqui ou ali.

Hugh Jackman interpretando o prisioneiro Jean Valjean

A adaptação do musical baseado no livro de Victor Hugo, que é um clássico emocionante sobre o período pós-revolucionário na França, na minha opinião, foi muito boa. Hooper soube adaptar bem o estilo musical para o cinema, o que é muito difícil devido às dificuldades de adaptação do palco para a câmera. E eu já gosto de musicais, imagino que quem não está acostumado tenha menos paciência em ver um longa de duas horas e meia com todos os diálogos cantados.

O que me impressionou mais ainda foram os focos constantes nos atores, o jogo de câmera que deu uma originalidade ao filme e trouxe também mais angústia e sentimentalismo ao mesmo. Sim, eu achei Les Miserables emocionante! Desde um Jean Valjean muito bem interpretado por Hugh Jackman, à Fantine de Anne Hathaway (não vou discutir se ela ou Sally Field mereciam o oscar de coadjuvante, mas posso dizer que Hathaway “entregou” bem aquilo que tinha proposto fazer) e aos jovens revolucionários de Paris, que são uma parte importante do musical.

Valjean resgatando Fantine (Anne Hathaway)
Acho que os pontos fracos da trama são de uma narrativa às vezes rápida demais, com cenas curtas, como as de Fantine no início do filme, e outras muito longas. O livro perdeu muito na adaptação. Achei muuuito chata a interpretação de Eddie Redmayne como Marius e de Amanda Seyfried como Cosette. Acho que podiam ter escolhido outra atriz para o papel, Seyfried pouco aparece e não está bem, além da idade bem maior que a personagem do livro. Porém, o ápice do filme, com a cena das barricadas na Rua Saint-Denis e do combate entre os jovens revolucionários e o exército foi emocionante, além da participação de Valjean.
A Revolução de 1832
Uma coisa é certa: Hugh Jackman está ótimo, e ele consegue se afirmar no papel principal de forma segura e forte: impossível não sofrer com um personagem preso dezenove anos por roubar pão e condenado a fugir eternamente da perseguição do seu algoz, Javert. Russel Crowe, por sua vez, que interpreta o inspetor Javert, não conseguiu fazer um antagonista à altura de Jackman. 
Recomendo fortemente o filme, mas recomendo também um lencinho a tiracolo, pois as cenas emocionantes me fizeram chorar no ônibus algumas vezes, o que levou alguns passageiros a me olharem meio esquisito durante a viagem.


sexta-feira, 14 de março de 2014

The Spectacular Now (2013)


"The Spectacular Now" é um filme surpreendente, que vi apenas para relaxar numa viagem longa. Destacado na internet por um desavisado como uma das "melhores comédias românticas de 2013", achei que seria um bom entretenimento. Mas eis que surge um drama intenso, ligado ao mundo adolescente e às escolhas do que fazer no futuro, que permeiam a cabeça de 10 entre 10 adolescentes que estão no último ano do colegial. Descobri depois que o filme é do mesmo produtor de "500 dias com ela", um outro longa que conta com status "comédia romântica" mas que é bastante reflexivo e trata da temática do relacionamento amoroso e as desilusões e reencontros da vida.

Milles Teller e Shailene Woodley interpretando Sutter e Aimee

O filme, narrado por Sutter (Milles Teller), um adolescente que busca viver o aqui e o agora, curtir o colegial, é popular, engraçado e bebe praticamente todo o dia, mostra o retrato de jovens que buscam esquecer problemas com bebida e muitas vezes drogas. Essa é a idade de curtir, diz Sutter, mas a falta de planejamento do futuro e as constantes bebedeiras mostram que o adolescente ocupa um bom espaço da sua vida não pensando em nada e fugindo das decisões. E a partir de um início que parece bobo, de um adolescente que vemos em tantos filmes americanos, temos a impressão que o filme vai ser um desfile de clichês de High School como estamos acostumados.

Sutter bebe...demais.
Mas é aí que ele surpreende: Sutton conhece uma menina centrada (Shailene Woodley), que parece ser a garota mais fofa e madura do mundo, começa a se envolver em um relacionamento sério onde ele se confronta com os próprios medos. E assim vários personagens que parecem tão superficiais, como a ex-namorada bonitona, rainha do baile, o líder do time de futebol e a família de Sutton começam a ganhar vida, se transformando em seres humanos frágeis e cheios de dúvidas, inseguranças e problemas.

Concordo com algumas críticas que contam que o desempenho dos dois coadjuvantes é o que faz o filme crescer, e sem dúvida eles conquistam o espectador. Interessante também pois são estreantes, tendo poucos filmes no currículo, mas super bem dirigidos. Para quem ainda não se convenceu a ver, o longa ganhou um prêmio especial do júri de Sundance ano passado e críticas positivas em vários blogs e jornais especializados. 

Os dois protagonistas na pequena cidade da Georgia

Não foi lançado no cinema no Brasil, mas para aqueles que veem pela internet ou estão dispostos a alugar, não vão se arrepender. O filme ainda me lembrou outro muito interessante, com temática bem parecida, "As melhores coisas do mundo" (2010) de Laiz Badansky, brasileiro e de primeiríssima qualidade. Para mim, filmes que tratam adolescentes como seres pensantes sempre são interessantes, afinal, todos que já passaram por essa fase sabem os conflitos que surgem nesse período da vida.

O casal na "prom"
(Publicado no facebook em 12.03.14)

12 Anos de Escravidão (2013)

Talvez eu esteja muito ligada à minha profissão, e não consegui ver o filme com olhos apenas de espectador. De fato, fiquei analisando o realismo e a veracidade dos acontecimentos do longa, pois é uma coisa que faço geralmente com filmes históricos. Vi 12 anos de Escravidão e gostei - mas não o achei sensacional ou atual. 

Escravos no mercado em Alexandria, VA
 (maior mercado de escravos dos EUA)
Excelentes atuações, especialmente de Chiwetel Ejiofor, que interpreta Solomon Northup, e de Michael Fassbender, que faz o dono de escravos Edward Epps. Porém, ouvi comentários de pessoas dizendo que ficaram chocadas e o acharam extremamente pesado. Eu particularmente não achei. Uma cena ou outra, mas no geral, o filme me pareceu ser aquilo que o roteirista propôs ser: realista. 

Não há novidade nenhuma nas cenas de terror psicológico, físico, castigos e outros infinitos tipos de tortura possíveis efetuadas em escravos ao longo da vergonhosa história do trabalho no novo mundo. Acho que o longa traz indignação a muitas pessoas, mas o realismo retratado já deveria estar presente no imaginário da população. São décadas e décadas de trabalho de historiadores e professores para mostrar que a escravidão foi uma realidade cruel, foi um sistema complexo se pensarmos na objetificação de seres humanos (em sociedade religiosas cristãs) e trouxe consequências terríveis até os dias atuais, que são o preconceito racial e a desigualdade social. 

Chiwetel Ejiofor, interpretando Northup em uma fazenda produtora
de algodão na Louisiana

Algumas cenas são bem interessantes, como o diálogo entre o carpiteiro canadense (Brad Pitt, produtor do longa) e Epps sobre liberdade de escolha e o mal social da escravidão, um adotando a visão clássica escravocrata e outro a visão liberal. Nao foi pra mim muito verídica, pareceu algo bem didático, inserido por Steve Mcqueen por achar necessário. Outra parte interessante é a relação de Patsy com a esposa de Epps, que a invejava, mas nada podia fazer contra a preferida do marido, e Patsy com a vizinha, casada com o seu dono, que se torna ela mesma dona de escravos, outro fato bastante relevante se pensarmos na escravidão como parte de um sistema social naturalizado. 

Lupita Nyong'o que interpreta Patsy (a fotografia
do filme é incrível)
Mas 12 anos tem seu mérito: insiste, na verdade, persiste em mostrar algo que deve ser relembrado constantemente. Que venham outros filmes então. Não vejo o filme como o melhor e mais emocionante dos últimos tempos no cinema, mas o vejo particularmente como um filme realista e relevante, que serve pra levantar, mais uma vez, o debate sobre as consequências do mal escravocrata em sociedades ocidentais, como a nossa. 

Destaque para a fotografia, figurino (o jogo de cores é deslumbrante) e a direção do filme, acho que estão sensacionais. E Anima Cris, concordo com você, talvez escolhesse outros filmes para trabalhar em sala. Mas este serviria como bom exemplo de uma biografia de tristeza e de luta, que tem um final relativamente feliz (pois Northup jamais será o mesmo), com algumas cenas bem interessantes de trabalhar. No caso de milhões de escravos que nunca experimentaram a liberdade, o final não foi tão feliz assim.

Michael Fassbender e Chiwetel Ejiofor, dono e escravo que
contracenam nas cenas mais tensas do filme
(Publicado em 09.03.14 no facebook)


Dallas Buyers Club (2013)


Nas duas últimas semanas vi três filmes que concorreram ao Globo de Ouro e creio que pelo menos dois concorrerão ao Oscar: August-Osage County, Philomena e Dallas Buyers Club. Engraçado que dos três dramas, diga-se de passagem muito bons, o que ficou martelando na minha cabeça foi o Dallas Buyers Club, que eu esperava menos. 

Matthew McConaughey surpreendente como Ron Woodrof
Não sei se foi por causa da impressionante atuação de Matthew McConaughey (que convenhamos, pra me impressionar ele tinha que bater as atuações de Meryl Streep e Judi Dench, ou seja, não foi mole não), que definhou para fazer o papel do cowboy de rodeio/eletricista/con man/white trash que descobre que é HIV positivo, em uma época em que o preconceito era escandalosamente maior e os remédios de combate à doença ainda estavam caminhando a passos pequenos (o filme começa em 1985).

O filme conta a história de Ron Woodroof, um texano que descobre a doença em fase já extremamente avançada e, desesperado com os poucos avanços do AZT, droga aprovada pela FDA e ainda em testes, busca novas drogas no México. Porém, com o tempo e sua melhora, Ron acaba não só tomando os remédios mas abrindo um negócio aparentemente muito comum naquela época chamado Buyers Club. Como as drogas estavam classificadas como vitaminas ou não catalogadas como ilegais no país pela FDA, ele passou a vendê-las para outras pessoas, em um valor mensal de 400 dólares, criando assim o Dallas Buyers Club. 

Não vou contar mais da trama, mas o filme é bom, conta uma história verídica (o que eu também não sabia), e faz uma crítica ferrenha à FDA e sua relação com a indústria farmacêutica nos Estados Unidos. A crítica não é infundada, vide a enorme influência política que essa indústria exerce lá. Ron, nos percalços de sua busca pela sobrevivência, conhece o drama de muitas pessoas com HIV, aprende a ser tolerante, dá um show de persistência e ainda ignora os médicos que, calados por força da carreira, não questionavam os terríveis testes feitos com doses altíssimas de AZT em pacientes com estágio avançado da doença.

Ron e Rayon, a transsexual vivida por Jared leto

Pena que a Jennifer Garner não acompanha McConaughey na atuação. Está sofrível, acho que melhor um pouquinho do que seu papel como Electra (que convenhamos, está longe de ser seu melhor desempenho vide a tragédia cômica que foi Demolidor, né?) Em compensação, Jared Leto está ótimo como o transsexual Rayon. Emagreceu horrores também para o papel!

De quebra vou postar uma foto de McConaughey que está incrivelmente magro, esquelético, e com certeza se doou para o papel, não só pelo sacrifício do corpo mas também pela atuação incrível, que creio eu baterá Leonardo di Caprio em O Lobo de Wall Street (se bem que o páreo é duro).

Este é o Matthew McConaughey!


(Publicado no facebook em 20.02.14)

Blue Jasmine (2013)


Vi Blue Jasmine ontem. Engraçado que não sou fã do Woody Allen de carteirinha, não conheço a trama de muitos dos seus filmes mais famosos e não tenho um filme preferido dele, mas gosto muito de seus roteiros (nem vou discutir a polêmica recente sobre ele, mas sim seu filme). Muitos filmes dele que vi têm roteiros ótimos e que se baseiam em ações do cotidiano que nos fazem refletir bastante sobre as relações humanas. Acho que existem muitas expectativas do público em ver comédias feitas por Allen, mas Blue Jasmine não é um filme engraçado. É um drama que não nos faz rir da protagonista ex-milionária e ex-socialite que perde tudo o que tem. 

Cate Blanchett sensacional como Jasmine
Nos faz sentir pena da protagonista, às vezes raiva, às vezes empatia. As situações tragicômicas que Allen descreve tão bem estão ali no filme, mas tive a impressão que o olhar crítico sobre as diferenças de classe está muito mais aguçado neste filme. Jasmine, personagem título, interpretada por Cate Blanchett, é um ótimo exemplo da premissa "dinheiro não traz felicidade". Tanto dinheiro, tantos remédios, tantas redes de relacionamento, tantas poses de família perfeita na casa de praia, tantas roupas de marca...ter não significa ser feliz. Mas para Jasmine, o dinheiro e a vida de luxo a farão feliz, e ela acredita nisso piamente - mesmo quando as únicas coisas que tem são a compaixão da irmã, de seu namorado e de seus sobrinhos. Em compensação, sua irmã adotiva, pobre, divorciada, cafona, namorada de um mecânico de carros e com dois filhos é muito mais feliz que Jasmine, pois não sonha com aquilo que não tem - ou que não é. 

Jasmine, Ginger (Sally Hawkings) e amigos e Ginger em selfie coletivo 



Engraçado que deu vontade de ver o filme novamente assim que ele acabou. É assim com os filmes de Allen, cada vez que os vejo, dá vontade de refletir sobre outras questões vendo-os de novo. 

É importante ressaltar que Blue Jasmine também não seria a mesma coisa se Cate Blanchett não tivesse uma interpretação tão arrebatadora quanto esta. Pra mim, disparada uma das melhores interpretações de 2013. Ela domina a cena, brinca com o espectador, fazendo-nos sentir empatia e raiva, ao mesmo tempo, por sua personagem. Mas Cate não está sozinha. Apesar da atuação maravilhosa da protagonista, a coadjuvante Sally Hawkins (de A Revolução de Dagenham) também tem uma atuação primorosa. Elas são opostos em personalidade e atitude, e são absolutamente sensacionais na criação desta oposição. Não me surpreendo se Blanchett e Hawkins ganharem o Oscar este ano.


(Publicado 06.02.14 no facebook)