domingo, 15 de março de 2015

O Despertar de Rita (Educating Rita, 1983)

Em homenagem ao aniversário de Michael Caine, resolvi escrever uma crítica que tinha me prometido há um bom tempo sobre um filme relativamente antigo dele (dois anos mais novo que eu!) que achei fantástico. Em inglês, seu nome é "Educando Rita" e em português o filme recebeu o nome de O Despertar de Rita, apesar da peça na qual ela se baseia (de Willy Russel) ter sido traduzida como Educando Rita na nossa língua. O filme me tocou muito, não só por ser bastante delicado ao tocar nas questões de relacionamento, diferenças de classes e as trocas de conhecimento na educação, como também por mostrar dois atores excelentes (Michael Caine e a também incrível Julie Walters) contracenando uma peça que, transformada em filme, não perdeu suas características dramáticas.

Julie Walters e Michael Caine como Rita e Prof. Frank Bryant

Sir Michael Caine é um ator de várias facetas, um dos melhores de sua geração, talentoso e com certeza galanteador em seus tempos de Alfie (1966), mas com uma potência teatral incrível, como muitos atores britânicos. Ver filmes com Caine para mim é um prazer. É o tipo do ator cujos filmes procuro assistir, como se tivessem um certo "selo de qualidade". Alguns mais comerciais marcaram sua carreira, mas outros são tão poderosos que você começa a amar a arte de interpretação e se questionar "como pode um ator ser tão brilhante e realista em cena?" Muitos com certeza amaram sua atuação em O Americano Tranquilo (2002, outro filmaço dele), filme relativamente mais recente que ele protagoniza. Outros ainda o lembram em Hannah e suas irmãs (1986), de Woody Allen, que lhe rendeu também um Oscar pela atuação incrível.

Caine interpreta brilhantemente o professor de literatura antipático
 e alcóolatra que se torna tutor de Rita

O Despertar de Rita é um longa que, por se basear em um roteiro de peça teatral, tem como características diálogos intensos entre os dois protagonistas da trama, Frank Bryant (Caine), professor de literatura inglesa, e Rita (Walters), uma cabelereira de origem humilde que busca na universidade aberta se aprimorar nos estudos e na leitura de clássicos da literatura. Com sotaque puxado devido à sua criação em bairro trabalhador (o chamado cockney), e procurando dar algum sentido maior à sua existência que não perpasse as questões práticas e simples do cotidiano, Rita busca o conhecimento, com o sonho de estudar e, quem sabe, se formar em literatura e escrever romances. Na universidade, Bryant, um professor considerado brilhante mas tomado pelo alcoolismo e desiludido com a vida, é praticamente forçado a aceitar a aluna, uma vez que sua atitude irascível é vista com temor pelo departamento e lhe restam poucas opções para continuar ativo no mesmo, como ser tutor de Rita. 

Rita e sua busca pelo conhecimento - e autoconhecimento 

Desta forma se inicia o longa, que vai ganhando a nossa atenção a cada cena contracenada por estes dois protagonistas. Muito comparado a Pigmalião e, claro, My Fair Lady, O Despertar de Rita tem a clareza desta inspiração, mas se propõe a mais que isso. Não há apostas nem obviedades na relação entre os dois protagonistas. As tensões surgem e diminuem com o aumento da afetividade dos dois, e a profundidade dos diálogos tira o aspecto paternalista presente em My Fair Lady. O longa retrata o desenvolvimento de Rita como uma pessoa com maior auto-estima, e de Bryant também, abalado por uma desilusão amorosa e, consequentemente, acadêmica.

Uma parte interessante do longa é decisivamente a vida de Rita fora do campus da universidade. Casada com um eletricista, sua família vive do trabalho para pubs e para casa, e seu pai a pressiona para ter logo um filho. Em um diálogo interessante entre pai e filha, o pai a questiona por ter vinte e sete anos, ser casada há seis e sem nenhum filho, sendo que sua irmã mais nova já estava grávida. Rita ignora os clamores do pai e adia a decisão da gravidez por desejar ainda estudar antes de criar família, e não cair no mesmo círculo vicioso que suas amigas e irmã. 

Walters e Caine passeando pelo campus universitário

Claro que a decisão de Rita propõe uma tomada de consciência de sua vida, em uma atitude autônoma de buscar o conhecimento e crescimento pessoal, e uma visão bastante idealizada de um futuro o qual ela ainda não conhece. Neste conflito pessoal, Rita encontra no professor, que resiste em lhe ensinar, um desafio, pois para ela, ele tem justamente tudo o que ela luta para conseguir, mas não valoriza. Com o tempo, os dois passam a ter um entendimento e compreensão mútua da vida de cada um e a respeitar cada um. Rita percebe que muitas vezes a idealização do futuro pode não trazer a felicidade plena - como não o fez para ele. Da mesma forma, a vida dela passa a ser conhecida por Bryant, que vê as angústias da aluna em tentar se afirmar junto à família, que não vê sentido no interesse de Rita pelos estudos.

Escrito por Willy Russel e dirigido por Lewis Gilbert (que fez parceria com Caine em Alfie, sendo indicado a vários prêmios, e com Willy Russel novamente em Shirley Valentine), o longa foi indicado a quase todos os prêmios principais de cinema em 1984, tendo ganhado Bafta de melhor filme, ator e atriz neste ano. Julie Walters ainda ganhou o Globo de Ouro por sua primeira performance no cinema, e foi indicada ao Oscar, assim como Caine. O longa debate um tema interessante e a busca pelo autoconhecimento - de ambos os protagonistas. É um filmaço para ser visto e revisto (eu revi assim que assisti pela primeira vez) , além de não trazer nenhum final convencional como filmes hollywoodianos. 

Mais uma vez os dois protagonistas do longa


O Despertar de Rita é um filme para assistir, refletir e pensar na complexidade da vida e nos caminhos que ela nos traz - e como nós mesmos somos responsáveis por estes caminhos. Pra terminar, em um diálogo emblemático no filme, Rita diz a Bryant, ao falar sobre seus estudos: "estou começando a me achar. Está sendo ótimo" ("I'm begginning to find me. It's great") E esse é o mote do filme, na minha opinião: o caminho para o autoconhecimento, para ambos os personagens.