sábado, 26 de novembro de 2011

A chave de Sarah (Elle s'appelait Sarah)




Paris, 16 de julho de 1942. Em um dia quente de verão, dois irmãos brincam em casa, quando de repente são interrompidos pelas batidas na porta. A polícia pede que a família Starzynski a acompanhe até o velódromo da cidade, por ordens superiores. Já acostumada com a atitude da polícia e amedrontada, a mãe chama os pequenos e encontra apenas Sarah, de dez anos, que esconde o irmão Michel em um armário com medo que a polícia o leve. "Irei voltar pra te buscar", diz Sarah baixinho ao trancar a porta do armário de roupas com o irmão junto, guardando a chave na camisola. Após sair de casa, Sarah e sua mãe se deparam com seu pai, que as acompanha ao velódromo de inverno da cidade. As cenas que se seguem são de agonia e terror. O antigo velódromo de inverno de Paris (hoje Ministério do Interior), comportou cerca de treze mil pessoas, homens, mulheres e crianças judias que, sem opção, se enfileiravam nas arquibancadas e permaneceram por dois dias enclausurados no lugar fétido e quente. Quem não se suicidou ou adoeceu, partiu de lá para o campo de concentração de Drancy, para depois ser enviado a Auchswitz e nunca mais ser encontrado.

Julho de 2009. Julia Jarmond, uma jornalista americana radicada na França, decide fazer uma reportagem relembrando a prisão em massa de judeus na França, em 1942. Ao entrevistar uma senhora que vivia em frente ao antigo velódromo, Julia pergunta : "como foram aqueles dias?" "Horríveis" - responde a mulher - "Nõs não podíamos fazer nada. A situação se tornou ainda pior com o passar dos dias". "Por quê? Por causa dos gritos?" - questiona a jornalista - "Não, por causa do mau cheiro que saía de lá, insuportável. Estava muito quente naqueles dias. Não conseguíamos ficar de janelas abertas".

A partir dessas duas realidades, o filme A chave de Sarah conta a história de duas personagens que se encontram após uma busca frenética de Julia pela verdade: a verdade sobre o que ocorreu naqueles dias de verão em 1942, a verdade sobre a família judia que habitou o antigo apartamento da família de seu marido e a verdade silenciosa que permanece sem muitas explicações na França: a memória sobre o apoio de franceses e do governo ao nazismo durante a Segunda Guerra Mundial.

A Chave de Sarah é um filme complexo pela verdade que ele quer mostrar; e pelo que foi encoberto silenciosamente pela memória de muitas pessoas que vivenciaram o holocausto e que se recusaram, até hoje, a falar sobre o que viram ou o que fizeram. Sarah, a menina título do filme, tinha apenas dez anos quando foi tirada do seu estado brincalhão e inocente, para conhecer os horrores da guerra, da morte e da violência.

Julia, uma cidadã americana vivenda na França moderna, tenta entender de perto o que de fato ocorreu, e acaba descobrindo o envolvimento da própria família no acontecimento que permanece esquecido por muita gente no mundo inteiro. Confesso que nunca tinha lido nada sobre o acontecimento - e isso porque sou professora de História, então deveria saber alguma coisa. Porém, a busca de Julia sobre a verdade de Sarah e sua família se torna a busca por uma verdade: a compreensão e reconhecimento do erro que ninguém quer lembrar.

A luta pela memória esquecida é o mote do filme, que em flashbacks, dá uma vantagem ao espectador, que desde o início já sabe a história de Sarah e sua família, enquanto Julia desvenda aos poucos o que ocorreu. Sarah, desesperada por ter deixado seu irmão preso no armário reza para que ele seja achado e se agarra à sua chave, tentando de todos os jeitos fugir e salvá-lo da situação em que o colocou - que, na sua inocência, seria uma forma de proteção. Julia busca desesperadamente a verdade por trás da compra do apartamento da família de seu marido, que pertencia à família Starzynski antes deles se mudarem para lá. Com a reforma do apartamento, a jornalista se depara com indícios de que algo errado aconteceu lá, e por isso sai em busca da verdade.

Os conflitos internos de Julia, que se vê em uma situação difícil com o marido por querer uma gravidez indesejada por ele, contrasta com os conflitos de Sarah (a pequena atriz Mélusine Mayance, excelente no papel), que se arrepende e se angustia em sua jornada para salvar seu irmão, por ter sido inocente e por o ter colocado naquela situação.

Dirigido por Gilles Paquet-Brenner, e baseado no best-seller de Tatiane Rosnay, A chave de Sarah é um filme instigante, bem construído, delicado e ao mesmo tempo forte, que se determina a revelar aquilo que nós escondemos de todos: angústia, medo, arrependimento e desilusão, sob dois pontos de vistas. O filme vale por si só pela atuação de Kristin Scott Thomas e Mélusine Mayance, que agarram seus papéis com todas as forças, delicadamente e, ao mesmo tempo, impactante.

Quanto ao aprisionamento e tortura de famílias judias que ocorreu naquele verão de 1942 na França, cabe a todos nós lembrarmos, e divulgarmos, para que este massacre não fique esquecido na História. Certamente não deve, mas cabe a nós relembrarmos constantemente algo que não queremos repetir na História.

sábado, 19 de novembro de 2011

A pele que habito (La piel que habito)




Vi recentemente o novo filme do Pedro Almodóvar, A pele que habito, com Antonio Banderas, Marisa Parede e Elena Anaya. Gostei muito, explicarei por quê.

A pele que habito é o novo filme do diretor que segue uma linha bem diferente dos seus últimos longas, muito mais dramáticos e sentimentais do que este. Este é um suspense que chega a um ápice um tanto quanto chocante, recheado de cenas enigmáticas e de sexo, é claro, que fazem o espectador sentir o lado mais vil do ser humano e mais apaixonado também, na pele da personagem de Antonio Banderas.

A história do filme já começa com um suspense, um enigma, que é quebrado ao longo da trama. O cirurgião plástico Robert Ledgard (Banderas) tenta criar uma pele perfeita, que não sofreria ações do tempo e queimaduras. Viúvo e fechado para o mundo, Robert mantém em sua antiga clínica, agora sua residência, uma paciente, cobaia de seus experimentos. Ele vê Vera (Elena Anaya) como sua obra prima. Defensor de novas técnicas de transplante de pele, as quais são proibidas em humanos, Robert esconde em sua grande mansão este segredo: a habitante que sofreu inúmeras intervenções cirúrgicas e que também é a personificação da sua mulher, morta de forma trágica.

O enredo se desenvolve na tentativa do espectador de descobrir, com os constantes flashbacks, de forma pouco linear, quem são essas personagens, se Robert é um grande benfeitor da humanidade, criando uma nova técnica que poderia restaurar vítimas de queimaduras, ou se ele é um crápula que mantém uma paciente como cobaia para fins puramente pessoais e egoístas. Se vocês acham que este é o grande segredo da trama, estão enganados. O filme dá voltas e voltas até você sair da sala "atordoado" com a eloquência da trama, com a relação conflituosa das personagens com elas mesmas, e com a capacidade transformadora do ser humano, como na maioria dos filmes de Almodovar.

Baseado no livro do escritor francês Thierry Jonquet (Tarântula), a ficção, o terror e a mistura de elementos de uma personagem embrutecida pela tragédia (Doutor Robert) e de uma outra, que devido a circunstâncias só esclarecidas no decorrer do filme, se aproxima de Robert, se tornam verdadeiras bombas relógios para o espectador, que espera ansiosamente a resolução do suspense, a explicação para tudo o que ocorre, que se deleita ainda mais com as pequenas dicas e detalhes que o diretor apresenta para desenvolver sua história.

O filme é uma adaptação minimalista, e tem a cara do diretor. Sim, ele é um filme autoral, mas qual filme de Almodóvar não é? Me lembrou muito filmes do início de sua carreira, da década de 1980 na verdade, enfáticos, fortes, com cena após cena mostrando algum movimento brusco, algum elemento forte, uma cor que se sobressai, um diálogo seco e emblemático, cenário marcante, que têm tudo a ver com a estética do diretor.

Li uma crítica (se não me engano do Rubens Ewald Filho) em que o autor dizia que Almodóvar melhorou com o tempo e, por conhecer melhor a estética do cinema, como dirigir os atores, posicionar a câmera e conseguir o enquadramento perfeito, consegue, cada vez mais, se superar. O diretor desenvolve sua trama de forma muito enérgica, e por isso, brilha por trás da mesma. Consegue se sobressair por fazer algo absolutamente diferente do que costuma fazer e, ao mesmo tempo, com elementos comuns e o mesmo impacto que costuma deixar registrado nas telas.

Não dá para contar muito sobre o filme, senão ele fica sem graça. E quem sou eu para contar final de filme. Só recomendo que assistam e depois, se puderem, postem seus comentários, pois cada crítica que li tem um ponto de vista diferente sobre a trama, e sempre interessante. Descreveria o longa como "gutural", outros o descrevem como drama psicologizante. Mas quem sabe, ele apenas lida, mais uma vez, com sentimentos de paixão, ódio, vingança, angústia e sofrimento inerentes ao ser humano, sempre tão bem mostrados pelo diretor? Essa capacidade de fazer refletir e, mais importante, sentir, é algo absolutamente normal no universo do Almodóvar - para nossa felicidade.

domingo, 30 de outubro de 2011

A Condenação (Conviction)


De volta ao blog e assistindo a muitos filmes por sinal. Decidi postar uma crítica sobre um que me fez refletir sobre nossas crenças. A Condenação, drama estrelado por Hillary Swank e Sam Rockwell, conta a história verídica de uma mulher que busca inocentar o irmão acusado de assassinato e e condenado à prisão perpétua em Massachusetts, nos Estados Unidos, na década de oitenta.

A Condenação é um filme de baixo orçamento e atuações contundentes, que tem por objetivo mostrar uma história verdadeira e dramática de uma mulher forte que luta por seus ideais. No caso, Swank interpreta uma mulher de origem pobre e família conturbada, Betty Anne Waters, que de dona de casa se torna uma estudante de direito com um objetivo apenas: libertar seu irmão da prisão perpétua e provar que ele é inocente. Sam Rockwell, por sua vez, interpreta Kenny Waters, o irmãos encrenqueiro de Betty Anne que acaba sendo acusado e condenado, de acordo com ela, injustamente pela justiça.

Bom, a história do filme se passa na década de 1990, período em que Betty Anne luta pela libertação do irmão, mas com flashbacks de sua infância com ele e do passado em que ele foi acusado de ser assassinado. Dirigido por Tony Goldwin, o filme tem um leve toque de suspense - devido à dúvida que fica no ar, para o espectador, se no final das contas Kenny teria matado uma senhora alemã a facadas para roubar-lhe ou não. Na verdade, o filme se desenvolve a partir do olhar de Betty Anne em relação ao irmão e à certeza de que ele é inocente do caso, um olhar inocente e apaixonado, captado brilhantemente por Swank.

Apesar de Swank roubar a cena, sendo muitas vezes angustiante a certeza que Betty Anne tem sobre o irmão, que mesmo que improvável, faz com que acreditemos em sua história, por outro lado Sam Rockwell compõe um personagem contido e violento, porém humanizado, o que faz com que tenhamos simpatia também pela sua causa. Sem dúvida a relação dos irmãos é o mote principal da história e Rockwell está ótimo como Kenny, um homem com passado sombrio e perigoso, mas que tenta provar que apesar de todos os indícios, ele não é um assassino.

Kenny e Betty Anne são também frutos de uma família branca empobrecida do interior, chamados de "white trash", com mãe e pais ausentes. Vivendo sozinhos, eles tentavam criar um mundo de fantasia por onde passavam, invadindo casas e vivendo como pessoas "normais", como afirmou Betty quando criança. A realidade dura une os irmãos (mesmo que pouco explicado no filme, que dá a entender que, separados quando crianças pela assistência social, eles permaneceram com fortes laços na vida adulta).

Kenny é um verdadeiro herói na visão mistificada de Betty. Não importa o que fizesse, ele era o salvador de Betty, o "anti-heroi" da história, na verdade, mas o irmão mais velho no qual ela se espelhava. Por isso a Betty adulta não consegue se desvencilhar da imagem fantasiosa do irmão quando ele se torna mais velho, tentando inocentá-lo a todo custo.

O filme faz uma crítica ao sistema prisional norte-americano, assunto bem visto pela filmografia americana, mas por outro lado, o foco está nos laços afetivos entre Kenny e Betty Anne. A junção da luta de uma mulher com poucas oportunidades mas insistente e lutadora, com a importância dada à família são os principais condutores da trama, transformando o "thriller" em um drama complexo, angustiante e ao mesmo tempo, emocionante.

Swank e Rockwell compõem suas personagens de forma tão realista que, a certo momento, o olhar do espectador se desvia da falta de credibilidade da história de Betty para a aceitação da inocência de Kenny, o que mostra que os atores souberem "vender" muito bem suas personagens.

Tudo se torna crível e o espectador começa a torcer para os dois, grandes anti-heróis de um sistema opressor e cruel com as classes mais baixas, principalmente devido às penas de morte e perpétua existentes no país. Mas o filme não discute a crueldade das penas, e sim a injustiça de um sistema que acusa aqueles menos favorecidos, dando poucas chances de recursos em casos como os de Kenny - o júri aceita prontamente os indícios de que Kenny teria matado a senhora alemã, existindo apenas provas circunstanciais sobre o caso, não dando chance nenhuma de defesa.

O filme peca na originalidade e deixa muitos fatos sobre o assassinato mal explicados. Mesmo que apresente traços de suspense, é um drama que promete deixar o espectador em lágrimas, além de ter elementos básicos de filmes dramáticos: luta contra o sistema ou alguma "força" maior, sofrimento das personagens principais, personagem feminina forte e que luta pela família, e ser baseado em uma história verdadeira que, nas mãos do roteirista, se torna uma história extremamente humana e a aproxima da gente, mesmo que as personagens principais não sejam o exemplo perfeito de "good guys" - pois ninguém o é.

Dou meus créditos aos dois atores, que conseguem, muito bem, compor as personagens e apresentar uma história realista e humanizada, sem precisar da ajuda de nenhum tipo de efeito ou orçamento exorbitante, nem a apelação habitual de muitos atores que, na inabilidade de compor suas personagens, pecam pelos excessos. Recomendo o filme para aqueles que estejam a fim de ver um filme sem muitos excessos, com boas atuações, mas com história triste e realista, que nos faz refletir sobre nossas convicções.

domingo, 24 de julho de 2011

Meia-noite em Paris (Midnight in Paris)



O filme Meia-noite em Paris é uma agradável surpresa. Woody Allen é conhecidamente um autor que faz filmes bem distintos da indústria de cinema, simples, com diálogos deliciosos e uma análise psicólogica das personagens - em uma própria releitura dos seus pensamentos. Sua cidade natal, Nova York, deixou de ser cenário exclusivo de seus filmes há muito tempo, desde que ele decidiu utilizar incentivos em outras cidades e trazer um diferencial a seus filmes, que incluem a leveza e sensação de novidade a cada lugar que ele retrata. Em Meia-noite em Paris não é diferente, ele retrata a "cidade luz" de uma forma extremamente elogiosa e, claro, mostrando suas belezas, que são inúmeras.

O longa tem sido considerado um dos melhores do autor, que como sempre se sobressai a cada ano com uma novidade que cá entre nós, nos faz ter vontade de ir ao cinema. Já critiquei aqui filmes com efeitos especiais extremos e a falta de roteiros de qualidade no cinema Hollywoodiano. Por isso Allen não é Hollywoodiano - ele se recusa a transformar seus filmes em máquinas de dinheiro. Com poucos recursos, atores que pedem para ter um papel em seu filme - de graça - e com os incentivos das cidades que ele escolhe para filmar, Allen tem total liberdade de falar o que quer, mostrar o lado mais engraçado e interessante de suas personagens sem se preocupar com as críticas. É claro que as críticas são importantes - mas Allen deixou de dar bola para elas há muito tempo. Por isso, é sempre um prazer assistir a um filme de Allen no cinema. E recomendo que todos o façam. Baixar filmes dele...não vale a pena. A experiência do cinema é insubstituível.

O filme retrata a história de Gil (Owen Wilson), um roteirista de filmes na Califórnia que se aventura a escrever seu primeiro romance, devido à mesmice e falta de criatividade que acredita existir na indústria de Hollywood (alfinetada básica). Ele viaja com sua noiva e os pais dela para Paris, entusiasmado com as possibilidades de talvez convencer sua noiva a viver em uma cidade que, como ele mesmo diz, pode ser apreciada na chuva, onde é possível carregar uma baguete debaixo do braço, conversar em bistrôs com estranhos ou simplesmente sentar em um café e apreciar o ar nostálgico e "respirar história". Sua noiva, Inez (Rachel McAdams), por outro lado, sonha comprar uma casa em Malibu, quer que Gil ganhe dinheiro escrevendo roteiros para a indústria de cinema e não suportaria viver numa cidade como Paris. Nesse ambiente de tensão entre as duas personagens, Gil tenta finalizar seu primeiro romance, usando como referência autores americanos consagrados na literatura e que viveram a intensa atividade cultural da década de 1920 em Paris - cidade que abrigou artistas, intelectuais, cantores, e promovia uma cultura inovadora nos chamados "anos loucos" ou "era do jazz".

Cansado dos passeios de compras e culturais com o amigo "pseudo-intelectual" de sua esposa (papel de Michael Sheen, outra alfinetada de Allen a pessoas que tem "verborragia" sobre assuntos culturais mas que na verdade pouco entendem em profundidade do assunto), Gil decide passear em Paris sozinho e uma certa noite, uma antigo limusine modelo Ford para em sua esquina e eis que surgem Zelda e Scott Fitzgerald, o convidando para entrar e ir à uma festa. Estupefato, Gil é transportado no tempo e conhece todos os artistas e escritores que tanto admira do período. Conhece também uma jovem amante de Pablo Picasso, Adriana (Marion Cotillard), a qual começa a se interessar.

Maravilhado pelos encontros com Gertrude Stein (Kathy Bates), que gentilmente lê seu romance, e com as conversas com o novo amigo Ernest Hemingway, além da presença de Adriana, Gil começa, cada vez mais, a viver a cidade, a história e a cultura dos anos 1920. Porém, como Woody Allen bem mostra, o futuro de Gil não está no passado, mas sim naquilo que ele trilha no presente - seu relacionamento com Inez, sua vida como roteirista nos Estados Unidos e sua visão de mundo compartilhada com os novos amigos parisienses.

Meia-noite em Paris é uma história leve, porém que de despretensiosa não tem nada, sobre a vida e as decisões que tomamos - e como em um rápido segundo tudo pode mudar. É inevitável que lembremos da Rosa Púrpura do Cairo, filme de realismo fantástico também de Allen, cuja personagem de Jeff Daniels também se chama Gil. Através da personagem principal de Meia-noite em Paris, Woody Allen pode ser nitidamente percebido. A incorporação de seus trejeitos e forma de falar, cuidadosamente trabalhado pelo Owen Wilson, personagem principal, é impressionante. Talvez, este seja o melhor papel de sua carreira. Rachel McAdams, excelente atriz, está ótima no papel da noiva impaciente e mimada de Gil. O filme conta ainda com pequenas mas marcantes participações de atores como Kathy Bates, Adrien Brody, Marion Cotillard e até mesmo Carla Bruni, que ganhou um pequeno papel no longa (pequeno mesmo - e dispensável também).

Meia-noite em Paris, como a maioria dos filmes de Allen, nos deixa feliz ao sair do cinema, esperançosos com os caminhos que a vida nos proporciona e com uma vontade muito, mas muito forte, de visitar a bela cidade que merecidamente foi escolhida como parte, e não apenas como cenário, de seu filme.

quinta-feira, 21 de julho de 2011

Harry Potter e as Relíquias da morte - 1 e 2 (Harry Potter and the deathly hallows - Parts 1 and 2)

Harry Potter é o nome de uma série de filmes, baseada em uma saga de livros infanto-juvenis que conta a história de um menino órfão, rejeitado pela família, que descobre que na verdade é um bruxo e super conhecido em um estranho mundo mágico, onde ele pode fazer tudo que sempre quis e conquista carinho e amizade de pessoas que cruzam seu caminho. Bom, quem não conhece a história de Potter? A saga de livros escrita por J. K. Rowling ganhou status de blockbuster mundial ao ser lançada em filmes, e por isso mesmo, acabou gerando uma renda considerável cinemas afora. Se você é fã de Harry Potter - como eu - ou não é fã, pode assistir a todos os filmes e apreciar a história do pequeno bruxo que acaba se tornando um grande homem. E esta é a real história de Harry Potter: se tornar uma pessoa madura. Muitos jovens estão lamentando o fim da saga, pois esta atravessou a vida deles - a infância e a adolescência, justamente o momento em que eles estavam se tornando adultos.

O primeiro livro da saga, Harry Potter e a pedra filosofal, foi lançado em 1997, e o último, As relíquias da morte, em 2007. A geração de crianças de 11 anos, como Harry, em 1997, hoje tem 25 anos. Claro, todas cresceram. Harry Potter marcou época e é inegável que arrebatou recordes de vendas ( 450 milhões de exemplares de livros vendidos) e se tornou uma das maiores sagas contadas nas telas, traduzida pela Warner, que abocanhou bastante dinheiro com isso(cada filme contou com mais de 900 milhões de dólares de renda de bilheteria, além de jogos, produtos e até um parque temático inaugurado na Disney, que rendem também um dinheiro considerável a autora e aos estúdios Warner e Disney).

J. K. Rowling, uma ex-secretária que afundada em dívidas, escreveu o primeiro livro em um café com o carrinho de bebê do lado (pois não tinha dinheiro para pagar aquecimento em casa), é considerada uma verdadeira “self-made woman”: do nada, conquistou um império, se tornando a segunda mulher mais rica do Reino Unido (após a própria rainha). Assim sendo, vamos ao filme.

Harry Potter e as relíquias da morte conta a história do jovem bruxo (Daniel Radcliffe), já com 17 anos, que junto com Hermione (Emma Watson) e Ron (Rupert Grint), seus fieis amigos e escudeiros, pretendem acabar com Lorde Voldemort (Ralph Fiennes), o bruxo que quer matar Harry Potter e dominar o mundo mágico, destruindo os hoarcruxes, que são objetos mágicos que permitem que Voldemort continue vivo. No meio do caminho, Harry descobre o que Voldemort deseja, além de dominar o mundo mágico: os três amuletos (ou relíquias) que podem fazer com que um homem seja imortal. Assim, Harry e seus amigos se lançam em uma jornada para atingir seu objetivo, fugindo dos dementors e caçadores de recompensa, além dos soldados de Voldemort, que os procuram (Harry se torna o procurado número um do mundo mágico), após a morte do diretor da escola Hogwarts, Alvus Dumbledore (Michael Gambon). Dominada pelos mágicos que apoiam Voldemort, e com Severus Snape (Alan Rickman) como diretor, Hogwarts vive dias sombrios: os alunos não podem se expressar e são punidos severamente, além de serem obrigados a ter aula de magia negra todos os dias. Harry, Hermione e Ron desistem do ano escolar, e escondidos em uma floresta, tentam desvendar onde estão os hoarcruxes que restam, além daqueles já destruídos.

No meio do caminho, Harry é ajudado pelos bruxos da Ordem de Fênix que, mesmo sofrendo baixas e com a morte do Ministro da Mágica, permanece escondida apostando em Harry a única esperança que resta para acabar com o exército de Voldemort e para que impere a paz no mundo mágico. Em uma alusão ao nazismo, Harry, Ron e Hermione vêem esse exército sendo treinado cegamente e a propaganda de ordem sendo imposta nas ruas de Diagonal Alley e no próprio Ministério da Mágica, em uma verdadeira ditadura imposta por Voldemort. No decorrer do segundo filme, a situação fica mais difícil de ser controlada, uma vez que Voldemort se torna mais poderoso, matando e prendendo inimigos, e Harry retorna a Hogwarts, para, junto com os jovens alunos, lutar de igual para igual com os mágicos malvados que acompanham o “Lorde das trevas”.

Destaca-se nesse filme Neville Longbottom (Matthew Lewis), a criança gordinha e desajeitada, que cresce e se torna o líder de Hogwarts contra o exército de Voldemort, o verdadeiro herói do filme. Outro destaque vai para Alan Rickman, que interpreta Severus Snape, em uma atuação emocionante de Rickman e um dos melhores momentos dos filmes/livros de Potter. É claro, não podemos deixar de destacar Ralph Fiennes, o Lorde Voldemort, que também está brilhante no papel, e em toda a saga interpreta de forma perfeita o verdadeiro “mestre do mal”. Outra personagem que é necessário destacar é Dobby, o elfo livre, que se transforma em um verdadeiro herói no final da primeira parte do filme.

Dirigido por David Yates, e com a participação de alguns dos atores mais brilhantes da Grã-Bretanha, como Alan Rickman (Snape), Ralph Fiennes (Voldemort), Helena Bonham Carter (Belatrix, em um papel feito para ela), Julie Walter (Molly Weasley), Robbie Coltrane (Hagrid), Gary Oldman (Sirius Black), a espetacular Maggie Smith (Prof. Mcgonagall), o incrível John Hurt (Ollivander), entre muitos, muitos outros que participaram dos filmes e especialmente destes dois últimos, Harry Potter é um filme que vale - e muito - a ida a um cinema. Não somente pelas interpretações, mas pela história envolvente, bem dirigida e finalização da saga de forma impecável.

O filme As relíquias da Morte é um bom desfecho para a saga do bruxo - quem leu o livro, provavelmente chorou no final (eu não chorei...quase :P). Os fãs de Harry Potter com certeza também ficaram emocionados no desenvolvimento da amizade de Hermione e Harry e no desenvolvimento do romance de Hermione com Ron. O livro é enervante em algumas partes, descritivo demais em outras, mas emocionante no final. Tudo traduzido para as telas de forma excepcional.

Geralmente as traduções de livros pro cinema deixam a desejar, mas aqui, é o contrário: os filmes traduzem em imagens a mágica proporcionada por Rowling, e os detalhes, em exatidão àquilo que é lido. À medida que o filme passa, você relembra os diálogos desenvolvidos no livro, com a mesma intensidade, na trama. É bom reiterar que Ron, Hermione e Harry, mesmo que personagens principais, são ofuscados nesta obra por Neville Longbottom, em um final heróico e espetacular (que é claro que eu não vou comentar aqui, não sou spoiler). Ver a evolução de Neville na saga é emocionante.

Ok, ok, sei que geralmente faço críticas positivas dos filmes e deixo de lado as partes negativas. Mas, neste filme, não há o que contestar: a história flui rapidamente (até por ser uma continuação) e ocorre o fechamento de uma história bem escrita e bem pensada para as telas, com efeitos especiais excelentes (o que era de se esperar) e atuações emocionantes. Não há muito mesmo o que reclamar. Os atores principais são jovens atores que, apesar dos dez anos de filme, ainda estão começando na arte de atuar – por isso, é previsível que sejam ofuscados por atores antigos e premiados. Mesmo dividido em dois que, é claro, gerou lucros imensos para a Warner, seria necessário um filme de quatro horas mesmo para contar a história do livro de 780 páginas, de uma forma bonita e merecedora de atenção.

Eu sou fã de Harry Potter e por isso, assistir as Relíquias da Morte foi uma experiência emocionante - mesmo já sabendo o final há três anos. Não cresci lendo os livros, e por isso acho que o final da saga foi muito mais impactante para os milhares de adolescentes e jovens adultos que, de repente, viram sua infância passar e a idade adulta chegar – acompanhando a vida do bruxinho famoso e vendo que ele, também, como todo o mundo um dia, se tornou adulto.

terça-feira, 28 de junho de 2011

A Revolução de Dagenham (Made in Dagenham)


Assisti ao ótimo A Revolução de Dagenham, filme britânico de 2010, dica da blogueira Lola (www.escrevalolaescreva.blogspot.com), cujo blog comecei a visitar recentemente. Filmes com mulheres poderosas ocupando lugares dominados por homens sempre pareceram interessantes para mim (vou rever Norma Rae, filmaço, com Sally Fields como ativista sindical, e postarei a crítica aqui). Ainda mais esse filme, que contém depoimentos das verdadeiras costureiras da fábrica Ford de Dagenham no final, cujo roteiro foi baseado no depoimento das mesmas - como historiadora, deu vontade de entrevistar todas elas.

O filme conta a história das costureiras/maquinistas da fábrica britânica da Ford, em Dagenham, bairro do subúrbio de Londres, que em 1968 ganhavam menos da metade dos salários masculinos e trabalhavam em condições muito ruins, em galpões mal arejados e quentes no bairro. 187 mulheres trabalhavam na montadora no país, que em contrapartida contava com 55 mil homens, e muitos deles faziam serviços considerados skilled (ou seja, especializados), enquanto o trabalho de costura delas era considerado unskilled (não especializado) - o que fazia cair seus salários. A conformidade das mulheres estava prestes a acabar naquele ano: em uma sociedade machista mas que até hoje é pautada na força dos trabalhadores e poder do Partido Trabalhista, elas começaram a reivindicar mudanças. Vale lembrar que em 1968 muitas coisas aconteciam no mundo: corrida espacial, descoberta da pílula e revolução jovem, entre diversos outros movimentos de busca por direitos femininos, de minorias e de liberdade de expressão que ocorreram na mesma época. Assim, as reivindicações das costureiras de Dagenham estavam de acordo com as mudanças culturais que surgiam. Porém, em um mercado de trabalho tipicamente masculino, a luta a ser travada seria difícil.

Liderando as costureiras nas reuniões sindicais (cem por cento masculinas), Rita O'Grady (Sally Hawkins) decide dar voz ao movimento e em uma demonstração que as mulheres deveriam ser consideradas especializadas e com direitos iguais aos homens na fábrica, se impõe de forma inédita como negociadora, renegando o uso de porta-vozes masculinos na reunião. A greve encabeçada pelas costureiras custou caro a Rita (que no filme, é uma personagem fragilizada, que descobre a sua força na luta sindical - não creio que na vida real fosse assim), e ela sofreu retaliações, ameaças e viu seu casamento quase acabar. Porém, as maquinistas da Ford em Dagenham não cederam - e isso começou a incomodar chefões da indústria e o próprio governo britânico, que estava às voltas com uma série de manifestacões e ações grevistas no país.

O filme enfoca o papel de O'Grady na luta das mulheres, mas também mostra diferentes mulheres na luta pela sua própria libertação. Sandra (Jaime Winstone), maquinista que sonhava em ser modelo, em uma cena brilhante resolve usar seu corpo para uma manifestação contra salários desiguais. Outra personagem interessante é Lisa Hopkins (Rosamund Pike), a esposa de um dos diretores da fábrica e que se sente tolhida intelectualmente por ser uma dona de casa formada em uma das mais renomadas universidades do país porém pouco ouvida pelo marido (me lembrou o filme O sorriso de Mona Lisa, que retrata a situaçao vivida pelas alunas de uma prestigiada escola particular norte-americana que se preparam para o casamento e as funções de uma dona de casa, apesar de muitas prosseguirem os estudos na faculdade - isso na década de 1950).

Entretanto, o papel mais interessante - além de O'Grady - é o interpretado por Miranda Richarson, de forma brilhante, como a Secretária de Estado Barbara Castle. Castle foi uma ativista socialista, com princípios e personalidade fortes e papel de destaque na política britânica, que, entretanto, se viu na situação delicada de conter as manifestações das grevistas, além de ter que ouvir comentários machistas à sua volta sobre a incapacidade das mulheres de tomarem decisões. Richardson interpreta Barbara com imponência e firmeza, algo que não é nem um pouco fácil, devido à trajetória de Barbara Castle e sua força política na Grã-Bretanha.

A Revolução de Dagenham, dirigido por Nigel Cole (lembram? O mesmo de O Barato de Grace), é um filme interessantíssimo por mostrar diferentes mulheres e um mesmo propósito - sua afirmação no mercado de trabalho, com igualdade de direitos. Algo que discutimos hoje de forma tão banal, pois é inaceitável você ganhar menos realizando a mesma função de um colega homem, há quarenta anos atrás era um tabu. O filme tem também uma excelente reconstituição de época (como de praxe nos filmes britânicos), uma participação muito boa de Bob Hoskins (mesmo que pequena) e tem roteiro ágil, sutil e divertido, com situações que vão do completo drama (como o suicídio de uma personagem) aos risos (como a atuação do marido de O'Grady tomando conta da casa e dos filhos, enquanto ela participa das reuniões sindicais e manifestações). Vale a pena conferir - homens e mulheres.

domingo, 22 de maio de 2011

Rio Congelado (Frozen River)


Assistir Rio Congelado (Frozen River, 2008) com esse friozinho que tem feito no Rio pode ser um tanto quanto incômodo. Isso porque como o nome diz, Rio Congelado se passa numa região muito, muito fria, de fronteira entre o estado de Nova York, EUA, e a província de Quebec, no Canadá, no inverno congelante habitual. Você chega a sentir o friozinho na espinha em algumas cenas. Entretanto, não deixem de ver o filme por isso. Eu assisti e gostei bastante. Me lembrou Inverno da Alma (Winter’s bone), pela mesma sensação que me deu. Apesar de não ser um suspense como Inverno e sim uma história dramática, ele tem o mesmo clima escuro/noir e uma temática de crítica social e realista. O longa conta a vida de uma mãe de família miserável (apelidados de white trash, brancos e pobres do interior), Ray (Melissa Leo), que para se sustentar e sustentar seus filhos, e não perder a casa nova comprada (daquelas já prontas por encomenda, coisa que só tem por lá mesmo), acaba entrando na contravenção, traficando imigrantes ilegais pela fronteira.

Rio Congelado também retrata a vida de uma outra mulher, que acaba “esbarrando” em Ray, e que tem peso igual ao da protagonista no filme. Lila (Misty Upham) é uma jovem moicana, que vive na reserva indígena retratada pelo longa, na região de Akwesasne (St Regis Mohawk Reservation). Lila vive, como bem é retratado, à margem da sociedade, passeando por diversos locais na reserva e convivendo com diversas personagens como ela, invisíveis. Na reserva a jogatina é liberada, ninguém pode ser preso, mas também não há oportunidades para nada. Lila vive de “bicos”, pois se envolvera com o tráfico de pessoas para ganhar dinheiro fácil, passando imigrantes pelo território moicano onde a legislação norte-americana não a atinge, e por isso não consegue emprego fora da reserva. O tráfico só é possível devido ao congelamento do rio Saint Lawrence que separa as duas regiões na época do inverno. A travessia, feita por carro, leva menos de uma hora, e já na fronteira norte-americana, os imigrantes são recebidos por um dono de hotel ligado ao esquema. Ray, desesperada em com medo de perder a casa nova por falta de pagamento na semana de véspera do natal, dirige até a reserva indígena para procurar o marido no cassino local. Lá encontra Lila, que lhe faz uma oferta generosa para transportar uma mercadoria entre os países. Ray aceita quase que prontamente, mas ao chegar lá, se surpreende com a “mercadoria”: imigrantes chineses e indianos, que se escondem no porta-malas de seu carro para fazer a travessia. Após o susto da primeira viagem, Ray acaba querendo mais dinheiro e procura Lila, que se torna sua companheira de viagens pela reserva, dividindo os lucros.

Rio Congelado acaba focando, no final das contas, na relação de amizade entre as duas, que de desconhecidas acabam criando laços: Lila tem um filho pequeno que não vive com ela, Ray tem dois filhos e tenta ser uma mãe presente; Lila vive em um trailer e na pobreza da reserva, sem perspectiva de vida; Ray não tem perspectiva nenhuma de vida, reservando isso para seus filhos, a quem proíbe de trabalhar para que completem os estudos e “procurem ser alguém na vida”. As duas acabam conhecendo melhor a outra, e acabam se solidarizando com a situação da companheira.

Bom, o filme é um drama, oficialmente, e tem cenas bem duras (como a de um bebê filho de imigrantes “esquecido” na neve), portanto, aconselho quem não está acostumado com filmes pesados a ver com calma. Porém, ele retrata um quadro dos Estados Unidos que, mais uma vez, só o cinema independente mostra: a pobreza, miséria e a situação de vida da população indígena (que se não me engano, só vi uma crítica igual em Sinais de Fumaça, de 1995!). A vida em “preto e branco” da população miserável do interior, em uma época de recessão e desemprego, é sempre um ótimo “prato” para as críticas governistas, mas creio que retratam uma realidade que é importante ser vista. Enquanto no Brasil as pessoas insistem em afirma que os filmes só mostram pobreza, favela e violência e os estrangeiros acabam associando esta imagem ao país como um todo, é enganoso achar que nos Estados Unidos só existem subúrbios bonitos, uma vida de luxo e praia na Califórnia e adolescentes de High Schools que não tem mais nada o que fazer a não ser praticar bullying com colegas. Claro que seriados e filmes de ação mostram roubos, gangues, máfia, e violência. Mas não é esse o objetivo de Rio Congelado. O filme faz um retrato simples e realista de duas vidas sofridas e de exclusão, de Ray e de Lila. A interação entre as duas pessoas até então totalmente diferentes dá a tônica ao filme, além, é claro, da crítica social presente no longa.

OBS: destaque para Melissa Leo, atriz que concorreu ao Oscar pelo longa, que está belíssima como Ray. A cena inicial já mostra a personalidade da personagem e detalhe, sem nenhuma fala. Poucas vezes vi um filme com uma primeira cena tão emblemática.

domingo, 24 de abril de 2011

Rio

Feriadão com sol no Rio de Janeiro e e eu acabei me despencando até uma salinha de cinema para ver um filme que instigou a minha curiosidade desde que estreou, Rio. Me instigou primeiro porque tenho um pequeno histórico de trabalhar com história do cinema e principalmente com imagens do Brasil no exterior. Segundo porque o filme foi amplamente divulgado na imprensa brasileira como uma "propaganda" do Rio para a Copa e Olimpíadas que estão chegando. E terceiro porque é dirigido pelo Carlos Saldanha, co-diretor de Era do Gelo e brasileiro radicado nos Estados Unidos. Portanto, fiquei na dúvida se o filme iria reiterar uma imagem estrangeira com estereótipos da cidade ou traria uma imagem diferente, mais ligada à nossa realidade. Bom, essas minhas dúvidas ocorreram porque as animações que já retrataram a cidade, do Disney, e os filmes estrangeiros de Hollywood sobre o Brasil geralmente reiteram estereótipos de samba, carnaval, futebol e natureza. As ideias de que o brasileiro é uma pessoa que não liga para nada, que samba todos os dias, "enrola" o trabalho com a barriga e que vive no meio da Floresta Amazônica são as mais comuns, infelizmente.

Posso assim, portanto, dizer que Rio é um filme com um olhar estrangeiro porém aparece como uma tentativa de não estereotipar da cidade. Ele mostra sim o samba, uma natureza exuberante e brasileiros alegres na comemoração do carnaval. Porém, o cuidado em revelar estas imagens conhecidas pelos estrangeiros vem com um olhar não preconceituoso nem comparativo, mas de tentativa de compreensão da nossa cultura e admiração.

Roteiristas e desenhistas norte-americanos e os brasileiros Renato Falcão (diretor de fotografia) e Saldanha desenham um Rio alegre, bonito e cheio de gente simpática, o que é ótimo para a Copa e para as Olimpíadas, mas também é uma homenagem à cidade que é sim bela e tem sim uma natureza de tirar o fôlego. Os cartões postais, mostrados no filme, são realistas pois a aquipe teve o cuidado de conhecer minuciosamente a geografia da cidade. O laboratório do especialista em pássaros Túlio, fica na Urca, e a livreira norte-americana Linda se hospeda em Copacabana (uma Copacabana hiper realista, com cadeiras de plástico no calçadão e uma Avenida Atlântica perfeita). Além disso, a história das aventuras das personagens-protagonistas da história, as ararinhas azuis Blu e Jade, se desenvolve também na Lapa e em Santa Teresa, mais uma vez retratados com exatidão pela equipe de animação do filme (alguém reparou que até a Catedral e o prédio da Petrobrás aparecem ao fundo do bondinho?)

Rio conta a história de Blu, uma ararinha azul que é pega por traficantes de aves e levada aos Estados Unidos. Porém, no meio do caminho ela é extraviada e encontrada por uma menina, Linda, que cuida da ararinha como se fosse seu melhor amigo. Blu cresce, desenvolve "habilidades" não muito comuns a aves que vivem na natureza (Blu não sabe voar, mas se exercita, lê livros, toma café e ajuda Linda nos afazeres domésticos). Para acabar com a paz de Blu, um belo dia o Dr. Túlio aparece na livraria de Linda, pedindo para que a moça leve a ave ao Rio de Janeiro para acasalar com uma ave fêmea, pois senão a espécie irá acabar. Comovida, Linda leva o leva e aí começa a aventura (dos dois), que inclui uma nova captura dos animais por traficantes, uma incursão de Linda em uma favela (provavelmente Rocinha, pelo que dá pra perceber) para encontrar seu bicho de estimação e o surgimento de personagens-pássaros que ajudam Blu e Jade, a ararinha fêmea, a se livrarem dos traficantes e reencontrarem Linda.

Minha conclusão ao assistir Rio é que, diferente da opinião de parte da crítica de cinema de que ele reitera estereótipos antigos da cidade e do brasileiro, Rio não nega os elementos culturais lugares-comuns no exterior, mas acrescenta a eles um olhar diferenciado, com naturalidade e sem preconceitos.

Uma das cenas mais interessantes se desenvolve na Avenida Atlântica, quando Linda e Túlio avistam um bloco de carnaval, o qual Túlio logo avisa que ela chegou no meio do feriado que é considerada a maior festa do país, e uma bela mulher aparece sambando. Linda, admirada, pergunta se ela é dançarina profissional, e Túlio diz que ela na verdade é a sua dentista, ou seja, uma mulher com uma profissão absolutamente séria e que se diverte no carnaval. Uma segunda cena, dos dois comendo churrasco, demonstra o embaraço da norte-americana ao ver a quantidade de carne servida no restaurante. Não há crítica embutida, mas um recurso de "exagero" da cena, tornando-a mais divertida, muito comum em desenhos infantis.

Para além de um filme infantil com belas paisagens (agora turbinadas com o 3D) e apesar de alguns pequenos escorregões que alguns críticos cismam em reiterar para reafirmar seu discurso de que o Brasil só é retratado como país do samba, mulatas e floresta amazônica, Rio é um retrato absolutamente bem feito da cidade e com uma narrativa cuidadosamente elaborada para que o Rio seja visto de uma forma simpática e bonita. É claro que o filme não mostra os problemas da cidade, ele é uma animação positiva dela e desta forma sim se transforma em um grande carro chefe do país para os eventos que estão por vir. Existem mil problemas na cidade? Existem. Porém, a intenção da animação é entreter. Neste sentido, não cabe a ele criticar coisas que cabem a nós fazermos, como moradores dela ou como brasileiros, até mesmo pelo propósito do desenho, que é infantil.

Saldo final do filme: animação bem feita, com efeitos 3D discretos, uma fotografia linda, história leve, que agrada a todas as idades, e a projeção positiva da cidade no exterior. Bom, alguns deslizes ocorrem, como já comentei, por exemplo quando toca uma música em que os pássaros cantam que estão em Ipanema quando estão na Lapa e a imagem do avião de Linda descendo no Santos Dumont ao invés do Galeão ( e eu li críticas a isso...), que não tiram a beleza do filme. Ele serve para entreter, é claro. É uma animação com um olhar estrangeiro sobre o Brasil, mas sem a intenção de não a ser. E, para terminar, acredito que a tentativa de retratar a cidade e o povo brasileiro sem caricaturá-los foi maior do que a necessidade de mostrar samba, mulher e futebol. Valeu meu dinheiro e eu curti o cinema.

quinta-feira, 10 de março de 2011

A Época da Inocência (The Age of Innocence)




Estava eu em casa cansada ontem e resolvi rever A Época da Inocência, filme de Martin Scorsese de 1993. Não me lembrava de praticamente nada do filme, só das paisagens da Nova York do final do século XIX e do triângulo amoroso formado por Michele Pfeiffer, Daniel Day-Lewis e Winona Ryder. Como estou estudando o movimento Progressista deste período, achei que o filme seria interessante para visualizar a época. Ver filmes históricos, bem montados, como este, dão uma dimensão muito boa de realidades estranhas à nossa e pouco estudadas no Brasil.

Sem efeitos especiais sofisticados, computação gráfica ousada e com uso de cenários e montagem de época extremamente bem feitos (palavra de historiadora!), Martin Scorsese conseguiu retratar bem um período em que os valores tradicionais esbarravam nas mudanças do mundo moderno - em uma América marcada pelo individualismo, tradicionalismo e círculos fechados de amizade e poder, presentes nas famílias tradicionais da costa leste.

Em 1877, época em que o filme começa, começava também um período de grandes reformas no país. As ruas das grandes cidades, como Nova York, Boston, Filadélfia e Washington, estavam tomadas por obras e fábricas e as cidades aumentavam gradativamente, à medida em que chegavam novos imigrantes. Este período, chamado Progressista, foi um período de luta por direitos da população trabalhadora, das mulheres e foi marcado também pela moralização da sociedade e das instituições políticas. A disputa de poder entre partidos, as greves e manifestações nas ruas, as visíveis modificações nas cidades com o crescimento da pobreza e dos cortiços eram algumas das mudanças verificadas. A ideia da moralização da sociedade, baseada em um protestantismo missionário, na evangelização de imigrantes e na busca por valores familiares trazia incertezas e agitações a uma vida antes bucólica e isolada.

Visto sob uma perspectiva histórica, o filme é ótimo, pois retrata bem em pequenos detalhes as transformações que ocorriam. São pequenas mudanças, como o relance da janela da casa da família de Newland Archer (Daniel Day-Lewis), com a fumaça vinda das chaminés das fábricas, ou a caneta tinteiro nova, oferecida por Archer à Condessa Olenska (Michelle Pfeiffer), para escrever um bilhete. Os costumes tradicionais também estão presentes, como na ópera italiana para onde conflui toda a alta sociedade nova-iorquina ou nos bailes proporcionados pela família Beaufort.

O minimalismo de Scorsese na adaptação do romance de Edith Wharton, e na apresentação do mundo da elite burguesa nova-iorquina, de fato é extraordinário. Dentro da mesma lógica tradicional da sociedade, era inaceitável levar para o círculo social uma pessoa como Condessa Olenska, americana de origem mas vinda da aristocracia francesa, e que deixava para trás regras vistas como obrigatórias nesta sociedade. O uso de roupas pouco apropriadas, atitudes inaceitáveis como se dirigir a homens para conversar, além dos rumores de sua separação com o Conde, que deixara na Europa, eram inaceitáveis. A partir de então, o envolvimento pouco usual da Condessa com Newland Archer, advogado e noivo de sua prima, May Welland, segue uma lógica também minimalista, levando o espectador a cada vez mais compreender a mente de Archer, que sofre por amar alguém que não pode ser amada.

Engana-se quem acha que o filme retrata este triângulo amoroso com cenas fortes ou paixões arrebatadoras. Tudo é muito discreto. Diferente de Ligações Perigosas (de Stephen Frears), que retrata os jogos de sedução e poder entre nobres na França aristocrática, A Época... não nos conduz ao mesmo sentimento de ódio, raiva, ou angústia. Ele simplesmente nos deixa devanear sobre aquilo que era possível e o que não era, em um drama que não nos faz nem chorar, mas suspirar pelos mocinhos, na medida em que May se torna uma figura pouca inocente e manipuladora da vida de Archer.

Em uma das cenas mais emblemáticas do filme, uma das "matronas" da alta sociedade nova-iorquina, Manson Mingott (Miriam Margolyes), envia um convite a toda a alta roda para que compareçam a um jantar de boas vindas à Condessa Olenska. Educadamente, todas as famílias declinam o convite, alegando os mais diferentes motivos. A narradora, neste ponto, aponta que todos viviam em Nova York como em um mundo "hieroglífico", onde a verdade nunca era dita ou realizada, mas representada por sinais arbitrários. Esta cena retrata, de fato, aquilo que é a tônica do filme: o jogo de poderes, a aceitação do novo e a sua mesma rejeição pela tradicional sociedade nona-iorquina da época.

Vale dizer que o conflito interno de Archer é brilhantemente retratado por Lewis. Conhecido por ser uma pessoa extremamente metódica nos sets, Lewis se tornou um "queridinho" de Scorsese, que o dirigiu novamente em Gangues de Nova York (onde interpretou Bill "The butcher" Cutting) e também o fará no novo filme, Silence, novamente um filme histórico, mas passado no século XVIII (que só será lançado em 2013). Sua interpretação é conduzida de forma perfeita, Archer sofre por amar uma pessoa que não poderia, e percebe, com o passar do tempo, estar preso a uma realidade que o faz ser infeliz.

Sobre a chamada "obsessão" de Scorsese pelo período Progressista, não sou lá muito conhecedora do diretor para comentar essa fato. Sei que curti o filme, não só pelo fato de ser historiadora mas porque acho que qualquer um pode gostar da adaptação de Scorsese e como ele retrata, muito bem, esta sociedade e o romance. Para quem quiser ler algumas críticas neste sentido, aqui vão duas que achei muito bem feitas:



Prometo que verei novamente Gangues de Nova York (2002), que se passa nessa época, e postarei aqui a crítica. Vale (muito) a pena rever estes filmes, para quem já viu, e vê-los, para quem não os viu ainda.

segunda-feira, 28 de fevereiro de 2011

O Discurso do Rei (The king's speech)

Aproveitando o ensejo, aqui vai mais uma crítica de um agora vencedor do Oscar. Eu vi o filme sábado, portanto acho que não estou tão atrasada...:P

O Discurso do Rei é um filme sublime. Bom de todas as formas para todos que gostam de um bom filme, ele ainda causa aquela sensação de satisfação e felicidade quando termina. O Discurso é um filme ganhador de Oscar, de fato. Agrada a todos os públicos, encanta também crianças (e vi muitas na sessão que assisti, assim como adolescentes que se divertiram) e faz os adultos se sentirem mais leve. Ele tem a leveza de um filme despretensioso que por ser tão redondinho e tão agradável de assistir, acabou caindo nas graças do grande público (e críticos de cinema, e votantes do Oscar...).

Pra quem ainda não sabe a história, vamos lá: ele conta a história real (sem trocadilhos!) de George VI, ou o Duque de York, que assumiu o trono em 1936 após seu irmão, rei Eduardo VIII, ter que deixar o mesmo pelo parlamento britânico não aceitar seu comportamento “libertino” e seu casamento com uma norte-americana divorciada (duas vezes, é bom reiterar. Escândalo total :D).

O Príncipe Albert tinha tudo para não ser rei da Inglaterra. Desde jovem, sofria com gagueira e com uma série de doenças estomacais, sendo sempre excluído de eventos com a nobreza. Não tinha aptidão para falar e estar em público, mantendo-se sempre reservado. Além disso, não tinha a personalidade extravagante do seu irmão, que pilotava aviões, viajava pela Europa e era capa de jornais o tempo todo.

O duque (ou príncipe) sofria principalmente de problemas de dicção, que ele adquiriu quando criança, e não conseguia falar em público. Para um filho de estadista, isso é uma coisa séria. Mesmo não prevendo que seria rei um dia, e mesmo que que governasse (no Parlamento britânico o rei não tem poderes maiores do que as câmaras, mas é uma figura simbólica), Albert tinha que saber falar em público, porque muitos ingleses amam sua família real e vêem neles a imagem do Reino. Por esse motivo, Albert era pressionado de todas as formas pelo pai, governantas, professores e a própria esposa, Elizabeth (sim , ela mesmo, a rainha mãe!) a buscar aulas de dicção e médicos que pudessem curar sua gagueira.

Desta forma, o duque de York acaba conhecendo Lionel Logue (com uma interpretação mais uma vez fantástica de Geoffrey Rush), que é um especialista em dicção. Não era médico, não era fonoaudiólogo, mas para a época, convenhamos, a fonoaudiologia ainda era uma especialidade médica, e muitos especialistas em fala não tinham mesmo diploma. Logue era um ator nas horas vagas e especialista em dicção que acabou recebendo Albert de uma maneira um tanto quanto inusitada. O tratava no mesmo tom, não o reconhecia como um nobre dentro de seu consultório e usava de técnicas um tanto quanto ousadas para a época (as cenas dele falando palavrão para impedir a gagueira, por exemplo, são fantásticas).

A relação entre Logue e o príncipe de York dão o tom ao filme, que através de cenas divertidas e também dramáticas, e dos conflitos entre os dois, que muitas vezes acabava em um “tapinha nos ombros” e uma conversa amiga, Albert conseguiu se desvencilhar do seu terror pessoal e avançar na arte da oratória.

O Discurso do Rei é, portanto, um filme que trata de um tema um pouco frívolo de uma certa forma, mas um tanto interessante por outra. Por meio da gagueira do príncipe (e futuro rei do Reino Unido), ele relata a vaidade e os sacrifícios impostos àqueles de sangue azul, em uma época que as coisas não eram tão “light” como hoje (vide o casamento de Middletown com o Príncipe William, uma jovem filha de industrial...uma burguesa!). Assim como o outro lado da nobreza já foi retratado em diversos filmes (como o com nome idem, Maria Antonieta, Ligações Perigosas, A Rainha, e por aí tem vários), o Discurso é imperativo ao avaliar que todo rei, por mais título que tenha, é humano. E assim é Albert, que de príncipe preterido pelo pai se torna rei no momento em que estourava uma guerra que mudou o contexto geopolítico da Europa – e mundial.

O Rei George VI, saiu nos jornais, era simpático aos nazistas, assim como o herdeiro do trono, que visitou a Alemanha hitlerista. Acho que esse argumento para desqualificar o filme é fraco – somente para desqualificar o filme, pois o filme trata da luta de George VI com sua gagueira. Não vou também defender se George Vi era anti-semita ou não, pois não conheço bem sua biografia para afirmar isso. Porém, infelizmente o anti-semitismo era comum na Europa na década de 1930 e muitos países adotaram políticas preconceituosas contra judeus antes da guerra estourar (não me interpretem mal, sou absolutamente contra o anti-semitismo, políticas e ações racistas em qualquer sentido e também acho que Hitler foi um assassino de massa, ok? Estou só fazendo uma avaliação de porque acho que desqualificar o filme pelo fato de se ter indícios de que George VI era racista não é um argumento forte. E de fato o filme não foi desqualificado por isso, pois ganhou o Oscar principal, dado pela Academia que tem uma boa parte de seus integrantes de origem judia).

Voltando ao filme, O Discurso tem, por conseqüência, uma temática que traz à tona questões muito sérias e conscientes da relação entre o povo e seu governante e também do peso que a exposição traz às pessoas.

Sobre o filme, ainda, que arrebatou três oscars, incluindo direção (Tom Hooper) e ator (Colin Firth, o eterno e impecável Mr. Darcy) e roteiro original, para David Seidler, acho que Rush merecia o Oscar de coadjuvante. Porém, não vi a atuação de Christian Bale, o favorito da noite. Reparei muito na estética azulada do filme, bem condizente com a foggy britânica, e também na fotografia fantástica do consultório de Logue.

O Discurso do Rei é um filme, como eu disse, sublime. E posso garantir que não tem quem não goste.

quinta-feira, 17 de fevereiro de 2011

Inverno da alma (Winter's bone)


Inverno da Alma é um dos filmes concorrentes ao Oscar, que você vê que faz parte daquele seleto grupo de películas que são independentes, mas fazem um contrapeso à falta de filmes com roteiros fortes e atuações idem no Oscar.Pois é, a premiação já foi uma referência para o cinema, mas hoje em dia parece que a crise no cinema americano está abrindo espaço para os festivais independentes, como o Sundance, e às premiações europeias, como Cannes e Berlim.

A história de Inverno da Alma é impactante, e aquilo que mais chama atenção logo de início é a caracterização da vida e do local onde moram a personagem principal e sua família, Ree Dolly (Jennifer Lawrence, jovem atriz e já indicada ao Oscar e outros inúmeros prêmios). Ree, seus dois irmãos pequenos e sua mãe que sofre de uma doença mental vivem nas montanhas Ozark, no Missouri, em uma região muito, muito pobre, muito, muito fria e esquecida no meio-oeste americano. Com o pai na prisão por tráfico, eles vivem comendo esquilos e veados de caça, sem eletricidade, e têm apenas as montanhas e sua madeira para salvá-los do frio. Jennifer Lawrence se despe de qualquer vaidade para fazer o suspense, que retrata ela, e somente ela, na busca de seu pai para não perder a casa onde vivem - e a única forma se sobrevivência que conhece.

O problema é que Jessup Dolly, pai da menina, some após sair da prisão e coloca sua casa e o terreno nas montanhas como fiança. Se ele não comparecer ao tribunal, ele perde tudo e por isso Ree busca desesperadamente pelo pai na cidade, passando por personagens medonhos (no sentido literal!) e tristes do universo em que circula. Traficantes, mulheres de traficantes, avôs, primos e tios que a espancam ou a ignoram por ser filha de quem é e perguntar demais. Essa é a rotina de Ree, que persiste, como uma boa heroína, na sua luta para salvar sua casa e seus irmãos.

Baseado numa série de livros que não chegou ao Brasil, Inverno da Alma é mais um dos oito livros de suspense escrito por Daniel Woodrell, em um estilo que - nem sabia - é caracterizado por "country noir", inaugurado aparentemente pelo próprio Woodrell. Me espantei em saber que o filme é baseado em um thriller, porque não parece. O que parece é que, pelo menos nas mãos da roteirista e diretora Debra Granik, ele se transforma no retrato de um região desconhecida e de uma "América" pouco vista fora do país. Bom, não é preciso dizer que os Estados Unidos são um país com um índice de pobreza não tão grande como o Brasil, mas considerável comparado a regiões mais desenvolvidas, e ninguém parece reparar muito nisso, pois estamos acostumados a ver uma "América dourada" em filme Hollywoodianos. Porém, volta e meia é lançado no cenário independente um filme desses, como foi Preciosa, em 2009, que acaba arrebatando prêmios e consagração da crítica.

Não é preciso dizer também que a atuação de Jennifer Lawrence faz toda a diferença. E que, para a idade dela, é realmente interessante o papel que ela escolheu interpretar. Inverno da Alma é sim um drama violento, é sim meio noir, mas o que o difere dos outros é também a delicadeza na forma que Granik mostra o cotidiano desta família. Chega uma certa hora que você não consegue nem mais sentir pena da menina, mas a vê como um mártir na história toda. Há destaque também para John Hawkes, que interpreta Teardrop, o tio dela e irmão de Jessup, e a forma como a relação deles muda com o passar do filme, de tio desalmado para defensor dos sobrinhos. É claro que isso tudo de forma bem discreta, pois o filme não tem atuações com muitas lágrimas. Ele é duro, como o inverno da região de Ozark (parece esquisito falar em delicadeza e dureza, mas o filme passa essas duas características, claro que nas mãos de uma boa direção).

Para quem gosta de ver filmes independentes e com uma temática mais inovadora, Inverno da Alma é uma boa opção. Mas quem não gosta de ver uma história baseada em personagens duros e sofridos, e que não tenha muito "estômago" para cenas fortes, não recomendo. Vai estar perdendo, é claro, um ótimo filme. E eu estou torcendo, mais uma vez, pelo cinema independente no Oscar.

quarta-feira, 16 de fevereiro de 2011

Férias frustradas de verão (Adventureland)



Taí um filme que eu não dava nada e achei interessante. Produção independente, baixo orçamento e um roteiro basicamente que fala de descobertas. Meio dramático, meio engraçado, meio filosófico...enfim, Adventureland definitivamente não é uma comédia. E o nome em português, como sempre, é péssimo.

Adventureland (novamente usando o nome do filme no original...) é meio que um A Primeira Noite de um Homem recontado. James, o protagonista, interpretado por Jesse Eisenberg (sim, o Mark Zuckerberg da Rede Social), é um recém-formado que volta a morar no subúrbio com a família devido à falta de grana dos pais em mantê-lo em Nova York estudando (crise econômica em 1987 - o filme se passa neste ano). É claro que os dois filmes partem de premissas diferentes. Em A Primeira noite..., Ben (Dustin Hoffman) decide voltar a morar com os pais no subúrbio para dar um tempo e pensar nos rumos que a vida está tomando, antes de iniciar sua carreira tão planejada. James deseja desesperadamente fazer o contrário de Ben, planeja todo o seu futuro, mas fica "preso" aos pais e à vida pacata. Mas no final das contas, os dois filmes acabam se parecendo: os dois protagonistas vivem um momento de escolhas e repensam aquilo que eles querem - e isso fica claro com o decorrer do filme.

Voltado a Adventureland: James é virgem, espera a mulher perfeita e encontra a menina perfeita trabalhando em um lugar que detesta durante o verão, o parque de diversões da cidade. A garota perfeita, Emily, é interpretada por Kristen Stewart (sim, a menina de Crepúsculo), que aliás, já percebi que não muda muito a atuação em nenhum filme. Parece a Bella Swam. Mas nos anos 1980. Só que a menina se envolve com um cara mais velho e casado (Ryan Reynolds, em uma singela participação especial). Enquanto isso, James volta às antigas amizades e começa a repensar as escolhas que queria fazer da vida e as alternativas que a vida lhe ofereceu.

O destaque de Adventureland está no elenco de apoio e no próprio ator principal, Jesse Eisenberg, que realmente já mostrou nesse filme que tinha talento. Não é a toa, ele dá um show na Rede Social. Com algumas pitadas de humor negro (principalmente na parte em que aparecem os donos do parque de diversão, personagens beeem esquisitos - e divertidos), o filme não tem nada de férias frustradas. O que seriam as férias frustradas se transforma em uma descoberta daquilo que realmente é importante para o personagem principal: o amor. Não vou contar o final, mas quem viu A primeira noite de um homem pode imaginar.

A direção e o roteiro ficaram a cargo de Greg Motolla, diretor de Superbad. Achei a direção boa, mas gostei principalmente do roteiro. A partir de uma simples premissa, em uma simples cidade, em um simples subúrbio, ele cria personagens interessantes e um filme que geralmente eu nem me interessaria em alugar se tornou um filme que eu me interessaria em ver de novo. Me lembrou um pouco também Garden State (Hora de voltar, em português), com Zach Braff e Natalie Portman. Quem não viu, taí uma boa dica. Trilha sonora excelente.

Palavra final sobre Adventureland: recomendo. E acho que vou rever A Primeira Noite de um Homem, filme que você vê e revê e continua sendo interessante (e que eu tenho em dvd, o que facilita as coisas). Pode deixar que depois eu posto a crítica ;)




sexta-feira, 14 de janeiro de 2011

65 red roses



Este documentário mexeu muito comigo. Estava ontem de noite preocupada com amigos que moram em Friburgo e estão isolados por causa da tragédia das chuvas e muito triste com a situação toda, e na tv a cabo estava passando 65 red roses. Um filme sobre uma menina de vinte e poucos anos que sofria de uma doença rara , fibrose cística, e lutava para sobreviver - mas vivia intensamente cada segundo.

Pensei duas vezes, pois estava triste com a situação toda, e achei o filme triste também, mas...resolvi assistir. E me deparei com um documentário sutil que na verdade, fala sobre a arte de viver. E belo, pois mostra que mesmo na adversidade, o ser humano encontra razões para rir novamente.

Eva Markvoot, uma canadense que nas filmagens tinha 23 anos , esperava por um transplante de pulmão para poder ser livre como sempre quis. Viveu em hospitais a vida toda, respirava com dificuldade, mas mesmo assim, via em tudo e em todos pequenas alegrias para poder continuar. Ela fez um blog, chamado 65 red roses justamente porque quando criança, não conseguia pronunciar o nome da sua doença (cystic fibrosis = 65 red roses). A sua luta contra a doença se tornou uma ode à vida.

Pode parecer que o filme é mais uma tragédia, um drama destes bem clichês que fazem você chorar sem parar. Mas não é. Na verdade, o que 65 red roses faz é mostrar que o ser humano, em qualquer adversidade, encontra forças para viver - e amar. Eva amava profundamente, e sua vida foi marcada pela luta para continuar amando. Ela era jovem, queria viver e experimentar tudo o que a vida podia oferecer.

Esperando na fila de transplante, Eva conheceu duas jovens, norte-americanas, com a sua idade aproximada, que também sofriam da mesma doença. Uma tinha recebido um pulmão e estava se recuperando. A outra não havia recebido, vivia sozinha e lutava contra as drogas. As três se comunicavam pela internet e trocavam experiências. Eva recebeu o transplante de pulmão em 2007, durante a filmagem de 65 red roses. E conseguiu, depois de muitos anos, fazer algo simples, mas que sempre quis: respirar fundo. E também algo difícil, que achava nunca conseguir fazer: praticar canoagem. A vida dela, postada no blog que se tornou conhecido no mundo todo, se tornou um exemplo para jovens que sofrem da mesma doença ou de doenças que impossibilitem uma vida comum. E seu blog se tornou, de fato, uma celebração da vida.

Vendo este filme e pensando nas tragédias que ocorrem agora no Rio de Janeiro, fico imaginando, afinal de que vale você pensar tanto na morte, se ela é algo tão eminente e não escolhemos a hora? E aquilo que realmente fica para a humanidade é o que você fez de bem durante a vida. Eva fez o bem - ela viveu, até o último segundo, na esperança de viver cada vez mais e ser feliz - espalhando essa felicidade por todos que a conheceram, pessoalmente ou por meio de seu blog. Sei que meus pensamentos estão meio confusos no momento, mas esse filme me fez respirar um pouco mais leve - e ter um pouco mais de esperança.

***

Eva Markvoot faleceu em março de 2010 com 25 anos, por rejeição ao órgão que recebeu. O documentário não mostra essa fase, pois foi finalizado em 2008. Seu site hoje é ainda atualizado e sua vida é um exemplo reconhecido de luta contra a rara doença que a padeceu. Quem quiser acessá-lo e conhecer melhor Eva:


Termino com uma frase de Machado de Assis, que sabiamente disse: "a arte de viver consiste em tirar o maior bem do maior mal". Eva o fez.

sábado, 8 de janeiro de 2011

Rindo à toa (Laughing at loud)

Estou emocionada! Três posts seguidos assim, algo inédito :) inspiração total no momento. Ou, estando de férias (ou "meia-férias", já que pós não dá descanso), estou tendo mais tempo de selecionar e assistir filmes bons. Mas faço esta crítica com muito prazer. Primeiro porque o filme que vi é bom demais. Segundo porque fiz há poucos dias uma crítica de um filme francês sobre adolescência, bobo, mas divertido, e de repente pego este filme pra assistir e "bum": aquilo que eu esperava do outro está nesse filme.

Divertido, sim, mas LOL (como no original) é um filme também francês que também discute questões sobre adolescência de uma forma muito mais realista e interessante que 15 anos e meio. Terceiro, senti uma saudade enorme dos tempos em que ia nos festivais do Rio e assistia filmes de circuito alternativo no cinema da UFF...preciso voltar a frequentar festivais, uma coisa que amo. Se ainda frequentasse, teria visto esse filme há muito mais tempo.Mas vamos à crítica.

LOL conta a história de adolescentes experimentando as coisas novas da vida: fumar, beber, namorar, fazer sexo, amar...tudo isso é novidade para o grupo de amigos que estuda no Liceu público francês. Lola é uma menina com seus...16 anos? E seu grupo de amigos vive, é claro, na internet, nas baladas, e só quer saber de aproveitar a vida. Mas...você pode culpá-los?

A vida dos adolescentes já é conturbada, e a descoberta de tantas coisas novas é uma coisa sensacional - quem já passou por essa fase sabe do que estou falando. Não acho o filme despretensioso: acho que o filme toca em pontos fundamentais: a relação de Lola com a mãe e o pai divorciado, com seu "caso/ficante" , Mael, a relação do próprio Mael com seu pai controlador, e os problemas de suas amigas, como Charlotte, que está descobrindo os prazeres do sexo, são exemplos disso. Tudo isso ligado às novas formas de comunicação (msn, twitter, facebook, i-phone) faz essa geração aprender de tudo um pouco e experimentar de tudo um pouco.

De novo parece que sou muito velha :P mas isso acontece porque acho as tecnologias de comunicação hoje fantásticas e as redes sociais possibilitam coisas que eu nem imaginava na minha época (celular na minha adolescência era um trambolho que só ricaço da Barra tinha. E não, não sou tão velha assim, apenas vinte e nove aninhos ;)). É claro que os pais dos adolescentes retratados não têm ideia do que eles fazem - e também não dominam todos esses meios de comunicação.

Lola, porém, apesar de todos os seus conflitos internos e problemas com a mãe, é uma menina descolada e responsável. Quem está esperando ver no filme cenas de brigas dantescas, uso de drogas e bebedeira, esqueça, a personagem-título não é bagaceira. Ela é uma adolescente parisiense comum e seus amigos também são adolescente comuns.

Mais ligado ao drama, este filme tem pitadas de comédia, mas no final, o que fica mesmo é um gostinho saudosista e feliz. Com Sophie Marceau no papel da mãe de Lola, o filme fez o maior sucesso na França na época do lançamento (em 2008...como é que eu não o vi antes?) e segue a linha de As melhores coisas do mundo. Filme bonito, interessante e legal de se ver - e com uma trilha sonora muuito boa (incluindo Blur!! Eu tinha que gostar, né?)

Assistam. Filmaço.




sexta-feira, 7 de janeiro de 2011

15 anos e meio (15 ans et demi)


O filme 15 anos e meio é uma comédia com ritmo ágil sobre a relação entre um pai ausente e uma filha adolescente, que voltam a dividir o mesmo teto depois de anos separados. Filme francês, porém com uma estética americana, 15 anos e meio não faz feio às comédias adolescentes presentes no cinema Hollywoodiano, porém não cria nada de novo.

Phillipe, um bioquímico radicado em Boston há quinze anos, decide voltar a Paris para realizar pesquisas e morar com a filha enquanto a mãe de sua filha, Églantine, viaja a trabalho. Églantine, a jovem em questão, é uma adolescente que vive sem regras, em uma casa mais que simpática em um bairro nobre em Paris. Como todos os jovens de classe média da sua idade (nossa, me senti uma velha agora! “Os jovens”...:P), Églantine tem um grupo de melhores amigas e amigos. Na escola, ela não vai mal. Descolada, divertida, inteligente e fofa, Églantine é uma adolescente legal.

Diferente dos filmes norte-americanos do gênero, onde os adolescentes populares e não populares se estapeiam na escola e brigam até os não-populares se darem bem no final, na escola de Églantine a realidade é um pouco diferente. Todos (ou quase todos) convivem bem – tirando a pequena rixa que ela tem com a namorada da paixonite de Églantine, o galã do colégio (sim, também existem “cheerleaders” e “jogadores de futebol” nas escolas parisienses).

O foco do filme está na relação de Églantine, interpretada por Juliette Lambolay, e Phillipe, interpretado por Daniel Auteil, que ainda trata a filha como se fosse criança e não consegue se adaptar ao cotidiano dos adolescentes – usar twitter, MSN, facebook e outros recursos de celular é coisa demais para a cabeça do bioquímico. Com a ajuda de um amigo que dá cursos para pais com filhos adolescentes problemáticos, Phillipe começa a entrar no universo da filha, tentando compreendê-la melhor (algumas das cenas mais engraçadas do filme, diga-se de passagem, são do “curso” que o amigo dá, ensinando gírias e palavreados de MSN. Ótimo).

15 anos e meio tem um nome bastante apropriado: ele é uma comédia para adolescentes – e para pais de adolescentes – verem e se divertirem. Ele é aplicável também para qualquer realidade de classe média: adolescentes querem se divertir, sair, namorar, beber e experimentar outras “cositas ” nessa fase. O filme, porém tem algumas falhar perceptíveis logo no início: erros de continuidade, personagens sem sentido e sem “fechamento” e cenas cortadas que deixam a desejar – parece que o filme foi editado às pressas.

Não creio que foi essa a intenção dos diretores, creio que eles queriam criar uma linguagem mais ágil para o filme, que se identificasse com os adolescentes, mas a percepção que tive é que os diretores tiveram pouco tempo para terminá-lo e daí os erros de filmagem. Pode ser que tenha tido esta percepção porque também não sou mais adolescente. Vai saber? :D

As cenas de Daniel Auteil contracenando com um Einstein imaginário, porém, são ótimas. Juliette Lambolay também está muito bem no papel e é um dos destaques de 15 anos e meio. Suas cenas com Auteil são boas, e isso é difícil de conseguir na idade dela (17 anos quando fez o filme).

De confusões na escola, festa de arromba na sua casa e saídas com meninos, Églantine amadurece e se torna uma adolescente bastante simpática. Ou seja, o filme passa duas mensagens, no meu ponto de vista: “adolescentes são complexos e difíceis, mas é possível compreendê-los” e “pais não compreendem os adolescentes, mas isso é normal, o importante é o diálogo”.

Morais bonitas e um final previsível. Porém, para assistir de forma despretensiosa numa tarde em casa, comendo pipoca, não há problema nenhum. Só não espere muito além disso.

PS: diferenças à parte, quem estiver a fim de ver um excelente filme sobre a adolescência e seus conflitos veja As melhores coisas do mundo, de Laís Bodanzki. Se estiverem a fim também, leiam a crítica que fiz do filme: http://femovieblog.blogspot.com/2010/05/as-melhores-coisas-do-mundo.html

quarta-feira, 5 de janeiro de 2011

Sempre ao seu lado (Hachiko: a dog's tale)



Voltando ao blog em 2011 a todo vapor. Muita coisa para fazer! O lance é não desistir e ir até o final. E é claro que eu não ia esquecer do meu blog querido. Sem mais desculpas em relação ao tempo, vamos lá.

Hachiko ou Hachi(prefiro o nome em inglês ou em japonês) é um filme triste. Triste e bonito. Não estou querendo dizer para todo mundo desistir de alugar, porque não é esse o objetivo. Estou dizendo: vejam sim, e se emocionem. Eu chorei pra caramba. E olha que eu não sou de chorar em filme com animais, ou dramas rocambolescos. Mas Hachi trata de dois assuntos muito importantes na vida de todos: amor e lealdade. Para ilustrar o meu ponto de vista, vou recorrer a uma frase de um humorista americano que pouco se conhece - pelo menos na internet - mas que disse: " a dog is the only thing on earth that loves you more than he loves himself" (um cachorro é a única coisa no mundo que ama mais você do que a ele mesmo). Isso se traduz em Hachi : o amor do cachorro pelo seu dono é maior do que qualquer outra coisa e que todas as adversidades.

A história de Hachi é baseada em um episódio, conhecido e contado no Japão até hoje, de um cachorro da raça Akito que se torna tão companheiro de seu dono que o espera na plataforma do trem todos os dias, no mesmo horário. Hachi é um cão diferente dos outros; ele não corre atrás de bolas, não brinca com crianças, não se apega à família que o cria, ele é leal ao seu dono e faz de tudo por ele.

A história começa em uma fria plataforma de trem em uma pequena e fictícia cidade norte-americana. Hachi, filhote e acoado, perdido no lugar, procura por alguém que o ajude e escolhe o Professor Wilson (Richard Gere), que está voltando do trabalho. A partir daí, Hachi o elege como seu grande amigo e não o larga nunca. Nos dias mais gelados de inverno, ele acompanha Wilson até a plataforma quando ele vai trabalhar e na volta, espera seu dono fielmente e pontualmente em frente à estação de trem.

Hachi, mais que tudo, é um filme que mostra uma relação de amizade que se estabelece entre o animal e seu dono; algo que como Josh Billings tenta explicar, é irracional e racional. Racional porque Wilson acolhe o cachorro em momentos de perigo, o trata como um membro da família, cuida dele em todos os sentidos, então a retribuição do carinho do animal é natural. Porém, é irracional porque o cachorro o ama incondicionalmente - e o espera durante nove anos em uma plataforma de trem, sempre no horário de chegada e saída do seu dono ao trabalho.

Não fiquem furiosos, eu não contarei o final do filme; ele é baseado em uma história verdadeira que só virou filme devido à lealdade do cão de ir todos os dias esperar seu dono na plataforma. Incondicionalmente, o cachorro era leal ao dono e o amava profundamente. Virou notícia de jornal no Japão, na década de 1920 - não, o filme não é baseado em uma história real norte-americana. E é claro, a participação de Gere na filmagem como o dono de Hachiko era mais que certa, sabemos que ele tem uma relação profunda com o oriente e com a religião budista (acho que é o ator ocidental que mais fez filmes no Japão e na China. Um mercado difícil de se inserir).

Baseado em uma história verídica e com direção de Lasse Hallstrom, diretor sueco mais conhecido por Regras da Vida e Chocolate (apesar de eu amar Gilbert Grape, cuja direção é dele também) e sua direção minimalista, o filme conta ainda com uma atuação contida e impecável de Joan Allen (vejam A Vida em Preto e Branco - filme excelente com uma atuação idem dela), conta ainda com a participação do sempre bom também Jason Alexander (o eterno George Constanza de Seinfeld) e de Erick Avari, ator indiano famoso em Hollywood.

A conclusão que tiro é que o filme é bonito pra caramba. Não somente pela fotografia, que é excelente, nem pelos cachorros que interpretam Hachiko filhote e na vida adulta, que roubam a cena (são tão fofos que dá vontade de dormir agarrada com eles), mas pela mensagem que ele passa, de que realmente existem amores que duram a vida toda - e que a lealdade de um cão ao seu dono é algo tão bonito que não é à toa que eles são considerados o melhor amigo do homem. Não se acanhe em chorar, porque chorar, vendo este filme, faz bem à alma.