terça-feira, 28 de junho de 2011

A Revolução de Dagenham (Made in Dagenham)


Assisti ao ótimo A Revolução de Dagenham, filme britânico de 2010, dica da blogueira Lola (www.escrevalolaescreva.blogspot.com), cujo blog comecei a visitar recentemente. Filmes com mulheres poderosas ocupando lugares dominados por homens sempre pareceram interessantes para mim (vou rever Norma Rae, filmaço, com Sally Fields como ativista sindical, e postarei a crítica aqui). Ainda mais esse filme, que contém depoimentos das verdadeiras costureiras da fábrica Ford de Dagenham no final, cujo roteiro foi baseado no depoimento das mesmas - como historiadora, deu vontade de entrevistar todas elas.

O filme conta a história das costureiras/maquinistas da fábrica britânica da Ford, em Dagenham, bairro do subúrbio de Londres, que em 1968 ganhavam menos da metade dos salários masculinos e trabalhavam em condições muito ruins, em galpões mal arejados e quentes no bairro. 187 mulheres trabalhavam na montadora no país, que em contrapartida contava com 55 mil homens, e muitos deles faziam serviços considerados skilled (ou seja, especializados), enquanto o trabalho de costura delas era considerado unskilled (não especializado) - o que fazia cair seus salários. A conformidade das mulheres estava prestes a acabar naquele ano: em uma sociedade machista mas que até hoje é pautada na força dos trabalhadores e poder do Partido Trabalhista, elas começaram a reivindicar mudanças. Vale lembrar que em 1968 muitas coisas aconteciam no mundo: corrida espacial, descoberta da pílula e revolução jovem, entre diversos outros movimentos de busca por direitos femininos, de minorias e de liberdade de expressão que ocorreram na mesma época. Assim, as reivindicações das costureiras de Dagenham estavam de acordo com as mudanças culturais que surgiam. Porém, em um mercado de trabalho tipicamente masculino, a luta a ser travada seria difícil.

Liderando as costureiras nas reuniões sindicais (cem por cento masculinas), Rita O'Grady (Sally Hawkins) decide dar voz ao movimento e em uma demonstração que as mulheres deveriam ser consideradas especializadas e com direitos iguais aos homens na fábrica, se impõe de forma inédita como negociadora, renegando o uso de porta-vozes masculinos na reunião. A greve encabeçada pelas costureiras custou caro a Rita (que no filme, é uma personagem fragilizada, que descobre a sua força na luta sindical - não creio que na vida real fosse assim), e ela sofreu retaliações, ameaças e viu seu casamento quase acabar. Porém, as maquinistas da Ford em Dagenham não cederam - e isso começou a incomodar chefões da indústria e o próprio governo britânico, que estava às voltas com uma série de manifestacões e ações grevistas no país.

O filme enfoca o papel de O'Grady na luta das mulheres, mas também mostra diferentes mulheres na luta pela sua própria libertação. Sandra (Jaime Winstone), maquinista que sonhava em ser modelo, em uma cena brilhante resolve usar seu corpo para uma manifestação contra salários desiguais. Outra personagem interessante é Lisa Hopkins (Rosamund Pike), a esposa de um dos diretores da fábrica e que se sente tolhida intelectualmente por ser uma dona de casa formada em uma das mais renomadas universidades do país porém pouco ouvida pelo marido (me lembrou o filme O sorriso de Mona Lisa, que retrata a situaçao vivida pelas alunas de uma prestigiada escola particular norte-americana que se preparam para o casamento e as funções de uma dona de casa, apesar de muitas prosseguirem os estudos na faculdade - isso na década de 1950).

Entretanto, o papel mais interessante - além de O'Grady - é o interpretado por Miranda Richarson, de forma brilhante, como a Secretária de Estado Barbara Castle. Castle foi uma ativista socialista, com princípios e personalidade fortes e papel de destaque na política britânica, que, entretanto, se viu na situação delicada de conter as manifestações das grevistas, além de ter que ouvir comentários machistas à sua volta sobre a incapacidade das mulheres de tomarem decisões. Richardson interpreta Barbara com imponência e firmeza, algo que não é nem um pouco fácil, devido à trajetória de Barbara Castle e sua força política na Grã-Bretanha.

A Revolução de Dagenham, dirigido por Nigel Cole (lembram? O mesmo de O Barato de Grace), é um filme interessantíssimo por mostrar diferentes mulheres e um mesmo propósito - sua afirmação no mercado de trabalho, com igualdade de direitos. Algo que discutimos hoje de forma tão banal, pois é inaceitável você ganhar menos realizando a mesma função de um colega homem, há quarenta anos atrás era um tabu. O filme tem também uma excelente reconstituição de época (como de praxe nos filmes britânicos), uma participação muito boa de Bob Hoskins (mesmo que pequena) e tem roteiro ágil, sutil e divertido, com situações que vão do completo drama (como o suicídio de uma personagem) aos risos (como a atuação do marido de O'Grady tomando conta da casa e dos filhos, enquanto ela participa das reuniões sindicais e manifestações). Vale a pena conferir - homens e mulheres.