quinta-feira, 10 de março de 2011

A Época da Inocência (The Age of Innocence)




Estava eu em casa cansada ontem e resolvi rever A Época da Inocência, filme de Martin Scorsese de 1993. Não me lembrava de praticamente nada do filme, só das paisagens da Nova York do final do século XIX e do triângulo amoroso formado por Michele Pfeiffer, Daniel Day-Lewis e Winona Ryder. Como estou estudando o movimento Progressista deste período, achei que o filme seria interessante para visualizar a época. Ver filmes históricos, bem montados, como este, dão uma dimensão muito boa de realidades estranhas à nossa e pouco estudadas no Brasil.

Sem efeitos especiais sofisticados, computação gráfica ousada e com uso de cenários e montagem de época extremamente bem feitos (palavra de historiadora!), Martin Scorsese conseguiu retratar bem um período em que os valores tradicionais esbarravam nas mudanças do mundo moderno - em uma América marcada pelo individualismo, tradicionalismo e círculos fechados de amizade e poder, presentes nas famílias tradicionais da costa leste.

Em 1877, época em que o filme começa, começava também um período de grandes reformas no país. As ruas das grandes cidades, como Nova York, Boston, Filadélfia e Washington, estavam tomadas por obras e fábricas e as cidades aumentavam gradativamente, à medida em que chegavam novos imigrantes. Este período, chamado Progressista, foi um período de luta por direitos da população trabalhadora, das mulheres e foi marcado também pela moralização da sociedade e das instituições políticas. A disputa de poder entre partidos, as greves e manifestações nas ruas, as visíveis modificações nas cidades com o crescimento da pobreza e dos cortiços eram algumas das mudanças verificadas. A ideia da moralização da sociedade, baseada em um protestantismo missionário, na evangelização de imigrantes e na busca por valores familiares trazia incertezas e agitações a uma vida antes bucólica e isolada.

Visto sob uma perspectiva histórica, o filme é ótimo, pois retrata bem em pequenos detalhes as transformações que ocorriam. São pequenas mudanças, como o relance da janela da casa da família de Newland Archer (Daniel Day-Lewis), com a fumaça vinda das chaminés das fábricas, ou a caneta tinteiro nova, oferecida por Archer à Condessa Olenska (Michelle Pfeiffer), para escrever um bilhete. Os costumes tradicionais também estão presentes, como na ópera italiana para onde conflui toda a alta sociedade nova-iorquina ou nos bailes proporcionados pela família Beaufort.

O minimalismo de Scorsese na adaptação do romance de Edith Wharton, e na apresentação do mundo da elite burguesa nova-iorquina, de fato é extraordinário. Dentro da mesma lógica tradicional da sociedade, era inaceitável levar para o círculo social uma pessoa como Condessa Olenska, americana de origem mas vinda da aristocracia francesa, e que deixava para trás regras vistas como obrigatórias nesta sociedade. O uso de roupas pouco apropriadas, atitudes inaceitáveis como se dirigir a homens para conversar, além dos rumores de sua separação com o Conde, que deixara na Europa, eram inaceitáveis. A partir de então, o envolvimento pouco usual da Condessa com Newland Archer, advogado e noivo de sua prima, May Welland, segue uma lógica também minimalista, levando o espectador a cada vez mais compreender a mente de Archer, que sofre por amar alguém que não pode ser amada.

Engana-se quem acha que o filme retrata este triângulo amoroso com cenas fortes ou paixões arrebatadoras. Tudo é muito discreto. Diferente de Ligações Perigosas (de Stephen Frears), que retrata os jogos de sedução e poder entre nobres na França aristocrática, A Época... não nos conduz ao mesmo sentimento de ódio, raiva, ou angústia. Ele simplesmente nos deixa devanear sobre aquilo que era possível e o que não era, em um drama que não nos faz nem chorar, mas suspirar pelos mocinhos, na medida em que May se torna uma figura pouca inocente e manipuladora da vida de Archer.

Em uma das cenas mais emblemáticas do filme, uma das "matronas" da alta sociedade nova-iorquina, Manson Mingott (Miriam Margolyes), envia um convite a toda a alta roda para que compareçam a um jantar de boas vindas à Condessa Olenska. Educadamente, todas as famílias declinam o convite, alegando os mais diferentes motivos. A narradora, neste ponto, aponta que todos viviam em Nova York como em um mundo "hieroglífico", onde a verdade nunca era dita ou realizada, mas representada por sinais arbitrários. Esta cena retrata, de fato, aquilo que é a tônica do filme: o jogo de poderes, a aceitação do novo e a sua mesma rejeição pela tradicional sociedade nona-iorquina da época.

Vale dizer que o conflito interno de Archer é brilhantemente retratado por Lewis. Conhecido por ser uma pessoa extremamente metódica nos sets, Lewis se tornou um "queridinho" de Scorsese, que o dirigiu novamente em Gangues de Nova York (onde interpretou Bill "The butcher" Cutting) e também o fará no novo filme, Silence, novamente um filme histórico, mas passado no século XVIII (que só será lançado em 2013). Sua interpretação é conduzida de forma perfeita, Archer sofre por amar uma pessoa que não poderia, e percebe, com o passar do tempo, estar preso a uma realidade que o faz ser infeliz.

Sobre a chamada "obsessão" de Scorsese pelo período Progressista, não sou lá muito conhecedora do diretor para comentar essa fato. Sei que curti o filme, não só pelo fato de ser historiadora mas porque acho que qualquer um pode gostar da adaptação de Scorsese e como ele retrata, muito bem, esta sociedade e o romance. Para quem quiser ler algumas críticas neste sentido, aqui vão duas que achei muito bem feitas:



Prometo que verei novamente Gangues de Nova York (2002), que se passa nessa época, e postarei aqui a crítica. Vale (muito) a pena rever estes filmes, para quem já viu, e vê-los, para quem não os viu ainda.