segunda-feira, 28 de junho de 2010

Linha de Passe



Completando o fim de semana com mais um "choque de realidade" (após ter visto O Contador de Histórias), deixei para o final Linha de Passe. Não estava enganada. Enquanto o Contador conta a história de uma excessão, Linha de Passe conta a história da maioria, da realidade brutal do dia-a-dia de uma família pobre que vive em São Paulo.

O que me chamou a atenção em ver esse filme pode ter sido, talvez, as críticas positivas quando do seu lançamento (que foi em 2008, como o tempo passa); Sandra Corveloni, a atriz principal, ter ganhado o prêmio de melhor atriz em Cannes (o que alçou o filme a mais salas de cinema na época, pois até então, pouca gente ouvia falar nele)e também a história simples,sobre o cotidiano de uma família de baixa renda em São Paulo. Uma mãe, quatro filhos e mais um para vir, empregada doméstica, com um filho tentando ser um jogador de futebol profissional, outro frentista e outro motoboy. Família que existe em todas as grandes cidades do país. E é partir daí que Walter Salles constrói sua narrativa.

O filme impressiona pelo realismo. Para começar, não há atores e atrizes no filme que pareçam ser atores lindos e globais. Todos tem o rosto enbrutecido, e como a maioria da população brasileira, cansado, devido à dura realidade de trabalho e falta de perspectiva.

As expectativas da família se fazem presente no filho jogador de futebol, Dario (que eu pasmei em saber que é o mesmo menino de Central do Brasil, Vinícius de Oliveira. O trabalho de caracterização, maquiagem e indumentária nesse filme está perfeito). Afinal, é o sonho de nove entre dez meninos de comunidades carente no país se tornar um jogador de futebol famoso e enriquecer. É a única forma, em muitos casos. Dario é um menino de dezoito anos, que tenta a todo custo ser percebido pelos olheiros que fazem teste para seleções juniores dos times paulistas. É bom jogador, mas como diz um dos olheiros, tem 18 anos, enquanto tem mil iguais a ele com 15, que serão contratados antes.

Dinho e Dênis, por sua vez, são os irmãos mais velhos. O mais velho, Dênis, já tem um filho e trabalha com motoboy. Tenta entrar pra carreira do crime, mas não consegue. Dinho, por sua vez, já entrou pra carreira do crime, mas desistiu a tempo. Se tornou evangélico e arranjou um emprego, renegando um passado que não quer mais.

Sem dúvida as personagens de Linha de Passe que mais impressionam são o filho mais novo, Reginaldo, e a mãe dos meninos, Cleusa. Reginaldo, não mais que doze anos, insiste em saber quem é seu pai. Viaja de ônibus todos os dias, procurando dentre os motoristas aquele que tinha vista na foto com sua mãe, em uma garagem de uma companhia de ônibus na cidade. Inconformado pelo silêncio da mãe em relação ao pai, ele chega a matar aulas para andar de ônibus - e aprender também a dirigir. Observando todos os macetes dos motoristas, as marchas, pedindo para ensiná-lo.

Cleusa, por sua vez, Corintiana doente, está grávida do quinto filho, e vive uma vida miserável e sem alegrias. Acostuma-se com esse cotidiano. Se vê ameaçada no trabalho, onde faz de tudo pela patroa, ao ouvir dela que contrataria uma nova empregada para ajudá-la devido a gravidez. Se sente triste ao lembrar dos homens que ficaram para trás em sua vida. se sente feliz ao sentar na arquibancada do Morumbi e ver o seu Corinthians ganhar. Se sente indignada ao ver o filho lhe dar de presente uma bolsa roubada. Cleusa é, verdadeiramente, o retrato de uma mulher sofrida brasileira. Não preciso nem falar de sua interpretação, acho que dispensa comentários.

O filme se chama Linha de Passe, um título que lembra o futebol do filho de Cleusa. Porém, a linha de passe também é a linha que separa sua família de outros problemas mais sérios da comunidade onde vivem (drogas, violência, bandidagem). Outra alusão ao nome seria ao cotidiano da família, que a cada dia, "passa a bola" um ao outro, se ajudando ou levantando o outro.

Para terminar, não tem como não se emocionar com a cena final de Reginaldo (eu não costumo contar final de filme, mas apenas dessa personagem farei). Escondido no banco de um ônibus, ele se aproveita do motorista não tê-lo visto e saído do carro na garagem e dá partida. Reginaldo busca sempre uma resposta, e parece que com aquele ônibus, viajando livremente, ele vai buscar as suas respostas. E o filme Linha de Passe é isso. Mais do que um filme que relata o cotidiano duro de uma família, ele mostra que cada um da família, do seu jeito, está buscando as respostas para uma vida melhor e que faça sentido.

O Contador de Histórias




Sei que prometi a crítica de Bonequinha de Luxo. Mas acabei alugando dois filmes esse fim de semana brasileiros, porque...estava com vontade. Queria ver o Linha de Passe há muito tempo, e ouvi falar do Contador de Histórias.Ainda farei a crítica de Bonequinha, mas a promessa era relatar todos os filmes que vi. Então vamos lá.

O Contador de Histórias é baseado num relato verdadeiro de Roberto Carlos Ramos (cuja história eu já conhecia, uma professora conhecida levou um vídeo dele para a escola certo dia), que de menino de rua em Belo Horizonte se tornou um pedagogo e contador de histórias, reconhecido no mundo todo. O filme se baseia na relação entre Roberto e Marguerite, pedagoga francesa que vem ao Brasil estudar as condições dos meninos de rua na década de 1970. Na Febem em Belo Horizonte encontra Roberto Carlos, de treze anos, considerado pela direção da instituição um menino "irrecuperável". Fugiu mais de cem vezes,fumava, cheirava, roubava na rua e não obedecia ninguém. Era mais um menor para entrar na estatística.

Marguerite se interessa pelo menino - e pelas causas que o levariam a se tornar um menino de rua. Insiste em entrevistá-lo e logo no primeiro encontro, Roberto Carlos conta uma história absurda e imaginativa sobre como foi parar na Febem. Marguerite se interessa mais. Quando volta para vê-lo, ele já tinha fugido da instituição novamente. E novamente Marguerite vai procurá-lo nas ruas.

Após encontrá-lo, Marguerite o convence a dar mais entrevistas, acolhendo-o em sua casa. No início, Roberto Carlos se aproveita e tenta roubar-lhe. Porém, após mais um período duro nas ruas, onde quase morre, ele decide voltar a vê-la. E assim os dois começam a conviver e aprender a gostar um do outro.

O filme todo se baseia na relação entre os dois - logo a primeira cena prenuncia isso. Roberto Carlos, por sua vez, é visto como uma criança que por consequência do destino, acaba sendo levada a fazer coisas erradas. Isso fica bem claro no filme. Afinal, como Marguerite coloca para a diretora da Febem, ela sabia que uma criança de treze anos não poderia ser considerada irrecuperável. Marguerite é a "princesa no cavalo branco". Ela surge do nada na vida do menino e resolver dar um jeito nela, pois acredita no seu potencial. Como a diretora também afirma no filme, ele teve "sorte" por encontrá-la. Apenas uma em mil teria essa sorte de ser adotada por uma pessoa como ela.

O filme é recheado de cenas tristes e que mostram o cotidiano dos meninos de rua. Crianças esquecidas, de fato, pelo governo, pelas instituições que cuidam de menores infratores e outras tantas que cuidam de órfãos e crianças abandonadas, que muitas vezes mais deseducam do que cumprem seu papel. Ensinam pelo menos os menores a se virarem. Seja pela lei do mais forte, seja pela malandragem. Isso também fica claro em O Contador de Histórias. porém, ao mesmo tempo em que o filme mostra a realidade dura dessas crianças, Roberto Carlos também deixa claro que sabia o que estava fazendo e tinha consciência dos seus atos. Mas não ligava mais para nada.

Uma cena que me chamou atenção foi quando Roberto Carlos conta a verdadeira história de como foi parar na Febem. Diferente da história inicial, em que inventa um fabuloso assalta a banco com seus nove irmãos e sua mãe e é deixado para trás, ele conta que sua mãe, ao ver a propaganda da Febem na única televisão na comunidade onde morava, acredita que ali seria um lugar onde o filho mais novo teria educação, assistência de saúde, refeições completas, uma vida melhor. E acaba entregando o filho a uma instituição que como é colocado no filme, já começou errada.

Uma das críticas que faço ao Contador de Histórias é em relação às cenas fantasiosas da imaginação de Roberto Carlos. Parecem um tanto quanto fora de contexto. Outra é sobre o andamento do filme, um pouco arrastado pro meu gosto, são mais de duas horas e no meio, você já fica cansado de assisti-lo. No início, o filme parece ser bem lento e no final, parece que as cenas são contadas de forma muito rápida.

O filme tem uma atuação ótima de Maria de Medeiros, famosa atriz portuguesa, no papel de Marguerite, e vê-se que foi feito um bom trabalho de interpretação com as crianças. A história de Roberto Carlos é uma história bonita, uma história cheia de histórias, porém, acabamos chegando à conclusão que ele foi realmente uma excessão à regra. E geralmente dessa excessões se constroem belos filmes - porém, que não correspondem muito com a realidade da maioria da população.

sexta-feira, 25 de junho de 2010

Capote (Capote)




Ontem cheguei em casa - extremamente cansada, como sempre - e consegui arranjar um tempo para ver um filme, coisa que tem sido difícil. Tinha comentado há duas semanas que iria postar minhas críticas de Capote e Bonequinha de Luxo, e vou manter minha promessa. Começando por Capote.

Capote conta a história de como Truman Capote escreveu seu livro À Sangue Frio (In cold blood), onde ele relata o assassinato de uma família no interior do estado do Kansas, baseando seu relato numa história verídica. Capote, que escreve para a revista The New Yorker, já famoso pelo sucesso de Bonequinha de Luxo e conhecido no mainstream de Hollywood, decide viajar até a pequena cidade de Holcomb com sua amiga de infância, Harper Lee (sim, ela mesma, de To Kill a Mockingbird), para investigar o assassinato daquelas pessoas. Ao chegar na cidade bucólica, como ele mesmo coloca em seu livro, com seus trigais e aquele silêncio de fim de tarde, Capote se torna amigo do xerife local e sua esposa e consegue informações exclusivas do assassinato, até mesmo entrevista com os assassinos. A partir do contato dele com um dos assassinos, Perry Lewis, ele começa a desenvolver sua história (na ficção) e também a desenvolver uma relação muito próxima com o preso na vida real.

A relação de Capote e Lewis se torna intensa, pois o assassino vê em Capote a esperança para conseguir reverter a sentença de morte e Capote vê em Lewis uma história incrível, que daria, de acordo com ele, um dos melhores livros que já existiu. Criando um gênero novo, o de "romance de não-ficção", Capote decide que a sua história é Perry e os motivos que o levaram a assassinar aquela família eram muito mais profundos do que simples maldade. Dedicando quatro anos de sua vida a esse romance, Capote estabeleceu ao mesmo tempo um sentimento de compaixão com o preso e de paixão pelo seu livro, o que o faz parecer bastante maniqueísta e frio. Ao mesmo tempo em que sente pena e consegue adiar a pena de morte do preso, ele precisa dele vivo para terminar seu livro. E assim, durante o filme, percebe-se que ele estabelece uma relação ora de distanciamento com seu "objeto" retratado, ora de aproximação.

O filme trata da vida de Capote e da personalidade dele a partir de um ponto específico de sua história, quando escreveu seu grande best-seller, e uma das obras mais importantes da literatura norte-americana. Pode-se dizer que Phillip Seymour Hoffman, que produz o filme e interpreta o papel principal, está perfeito no papel título do filme. Capote tinha sido uma criança abandonada, criada no sul dos Estados Unidos por uma mãe ausente e depois por tias (na mesma cidade de Harper), quando começou a desenvolver uma série de problemas afetivos. Sua carreira decolou ao escrever roteiros que começaram a fazer grande sucesso em Hollywood, na década de 1950.

Algumas passagens de sua vida são descritas pela personagem durante o filme (nos momentos em que Capote, propositalmente, ao meu ver, estabelece uma proximidade com o preso mostrando que ele também fora abandonado, era sozinho, excluído e discriminado por ser gay). Outro momento que me chamou a atenção é sua relação com Harper, que, escritora como ele, mas não de sucesso até então, o acompanhava em suas "empreitadas", mas no momento em que ela consegue ser reconhecida pelo meio literário com seu livro To Kill a Mockingbird e posteriormente pelo sucesso do filme (leia a crítica abaixo!), que foi feito, diga-se de passagem, antes de Bonequinha de Luxo, é menosprezada por Capote. O reconhecimento e talvez a baixa auto-estima fizeram Capote necessitar sempre atenção - o que o filme também mostra com brilhantismo. Ele era sempre a alma da festa.

Para finalizar, acho que algo que me chamou atenção também no filme é que, mais que um retrato de Truman Capote, ele faz uma crítica sobre a pena de morte, me lembrando muito "Os últimos passos de um homem". Assassino confesso, Perry tem todos os motivos para receber a pena de morte: matou à tiros à sangue-frio quatro pessoas de uma família por um motivo fútil (assalto), mas mostrou-se arrependido. Seu histórico, filho de mãe índia, crescendo em um meio de exclusão, sendo maltratado e esquecido pela mãe que era alcoólatra, vivendo uma vida errante, faz com que o espectador se comova com sua história. Mas, como Capote diz de forma magistral em uma cena no filme: "Perry se parece comigo, mas parece que eu saí pela porta da frente e ele escolheu sair pela porta de trás".

domingo, 13 de junho de 2010

Cinderela em Paris (Funny Face)




Esta semana será dedicada a Audrey Hepburn e Truman Capote, atriz e escritor de Bonequinha de Luxo, um clássico dirigido por Blake Edwards em 1961. Como passei uma semana muito cansativa e de certa forma frustrante, decidi que veria alguns filmes dela (que eu adoro) e acabei alugando também Capote para finalizar (aguardem as críticas de Capote e Bonequinha de Luxo, não deu tempo de ver e rever ainda).

Neste fim de semana assisti Cinderela em Paris (Funny Face), que acredito que fez muito sucesso por incorporar três gêneros que estavam em voga na década de 1950 (comédia, romance e musical), além de inovar trazendo a moda e o glamour parisiense para Hollywood, com o figurino belíssimo desenhado por Givenchy e que fez bastante sucesso na época.

Cinderela em Paris é um filme para entreter, e surgiu na época em que as mulheres estavam ganhando um papel maior na sociedade trabalhadora norte-americana. A personagem de Audrey, Jo Stocktohn, é uma simples e sem graça livreira em Nova York e como sem querer, "esbarra" no fotógrafo Dick Avery (interpretado pelo incrível Fred Astaire), que a lança ao estrelato ao apresentá-la a editora-chefe da revista Quality, a maior revista feminina na época. A editora procura justamente um novo rosto para a revista, um modelo de mulher diferente, e Dick enxerga em Jo as qualidades dessa mulher: intelectualizada, com o rosto diferente para os padrões da época (daí o nome Funny Face) e com opinião. No meio da história, os dois começam a se apaixonar.

Envolvido por músicas e coreografias belíssimas de Astaire e Hepburn, o filme tem um visual bonito, uma história que agrada todas as mulheres que se sentem de fora dos padrões de beleza e ainda tem uma nova estrela de Hollywood, Audrey, atriz belga que começava a calcar uma carreira de sucesso nos Estados Unidos na década de 1950 (o filme é de 1957, ela já havia feito Sabrina em 1954, mas os estúdios ainda apostavam em loiras platinadas como Marilyn Monroe e Grace Kelly para os papéis de mocinha).

O que me encanta em Audrey Hepburn, além de seu estilo totalmente único, e que acabou virando padrão de beleza é a sua sutileza nas interpretações e ela buscar papéis que inovassem. o filme Cinderela em Paris não era uma novidade. Mas partiu de Audrey a ideia de trazer às telas os vestidos de Givenchy (que acabou se tornando amigo dela), incorporando aos filmes na década de 1950 e 1960 o glamour das passarelas e da sofisticação da moda.

Sou fã incondicional de Fred Astaire e adoro musicais (bom, minha irmã costuma dizer que não há graça em ver um filme em que de repente, de forma artificial, as pessoas começam a cantar e dançar, mas eu gosto de musicais justamente porque nos fazem sonhar, nos remetem a um mundo de beleza, onde todos se unem em torno de algo em comum na cena). O que me encanta em Astaire não é sua atuação como Avery (que por sinal deveria ser um papel de um ator mais jovem, Astaire já tinha quase sessenta anos quando da filmagem de Cinderela), mas o magnetismo que ele gera por sua dança. É impossível ver Astaire dançando (e o exemplo perfeito disso é o filme Top Hat, com Ginger Rogers) e não se impressionar com sua leveza e agilidade. Talvez por isso tenha sido o par perfeito para Audrey, que também encantava pela sua fragilidade e feminilidade, em um período onde a luta pela emancipação feminina nos Estados Unidos estava se tornando muito forte.

Minha crítica ao filme é que ele reafirma alguns estereótipos femininos, como também ocorre em My Fair Lady, que já é de 1965, colocando a mulher como frágil, apaixonada e submissa em certos pontos. Jo tenta "quebrar" essa imagem feminina ao chegar a Paris mostrando que tinha personalidade e se "enfurnando" no pequeno café em Pigalle, bairro boêmio e frequentado por intelectuais. Em um verdadeiro estilo beatnik, Audrey aparece com as famosas calças pretas e blusa de gola rolê preta, cabelos presos, discutindo filosofia, dançando jazz e bebendo vinho. Porém, termina o filme vestida de noiva e declarando a Dick que o verdadeiro motivo de ir a Paris não era encontrar o professor de filosofia que tanto desejava, mas sim ficar perto do amado.

O filme também mostra Paris em seus vários cenários turísticos, numa clara "propaganda" para americanos conheceram a cidade luz. Cantando e dançando alegremente pela cidade, Jo, Dick e Mary Prescott, editora chefe da revista Quality (a excelente Kay Thompson, que incorpora a decidida editora que se torna uma verdadeira lançadora de estilo para as mulheres americanas - qualquer semelhança com a Miranda Priestly em O Diabo veste Prada NÃO é mera coincidência) mostram as maravilhas existentes na cidade luz, e fazem uma apologia à visita dos americanos à cidade. Porém, o filme se limita aos estereótipos de parisienses, que aparecem como pessoas cheias de personalidade e paixão, diferente dos americanos controlados (sério, já vi isso antes e em muuuitos filmes...)

Porém, Cinderela é exatamente aquilo a que se propõe: um musical, com coreografia de Fred Astaire, com belas apresentações de música de Astaire e Audrey, lindo cenário e lindas roupas, lançando uma nova tendência de beleza feminina, incorporada na figura esguia de Audrey e nos belos e arrojados vestidos feitos por Givenchy, terminando com um lindo final feliz. Bom, acho que vale a pena assistir e se divertir com o filme, que mais que entretenimento, nos remete a uma época em que as pessoas iam ao cinema para se libertar de algumas agruras do cotidiano (para quem quer ver um filme crítico em relação aos filmes românticos de Hollywood, veja A Rosa Púrpura do Cairo, lindo filme de Woody Allen sobre o assunto).

Para terminar, deixarei o link do vídeo de Astaire e Ginger Rogers dançando em Top Hat (em português, O Picolino) - quem não viu, veja o filme. Quem já viu À espera de um milagre vai se lembrar da cena. De fato, belíssima coreografia e música. Inesquecível:

http://www.youtube.com/watch?v=HYHZh-xnqhE

sexta-feira, 4 de junho de 2010

O sol é para todos (To kill a mockingbird)



Estava eu aqui em casa à noite enrolada no cobertor quando decidi ver um dos filmes que comprei e estava esperando a ocasião oportuna para ver. Um deles é O Sol é para Todos (To kill a mockingbird, 1962), o outro é Adivinhe quem vem para jantar (Guess who's coming for dinner, 1967). Já havia assistido o Adivinhe... antes, mas O Sol... não. E posso dizer que o filme é tudo aquilo que as pessoas me alardearam: roteiro bom, com atuações impecáveis, com uma história incrível, com uma montagem de época também incrível, com uma temática muito boa e atual para a época em que foi feito.

É muito difícil avaliar um "clássico" porque ele já foi avaliado tantas vezes, que a gente até se perde nos comentários. Ou sempre tem uma pessoa que é hiper entendedora de cinema e que detalha coisas que não você às vezes não sabe. Mas sabe como é, eu não sou cineasta...então minha proposta apenas é dar minha opinião, fazer uma crítica (leiga) dos filmes que estou assistindo. Dito isso, vamos lá.

O sol é para todos (prefiro o nome em inglês, para falar a verdade)conta com a atuação de Gregory Peck no papel do fantástico advogado Atticus Finch, na pequena cidade de Maycomb, no Alabama, em 1932, onde vive com seus dois filhos pequenos, Scout, de 6 anos, e Jem, de 10 anos. Nessa cidade, no estado mais retrógrado em relação a luta racial nos Estados Unidos, ocorre um caso de estupro e o acusado é um negro, que se diz inocente. Atticus resolve defender esse homem, e começa a sofrer também perseguições, ele e sua família, por causa disso.

O interessante na história de O Sol... é que os acontecimentos são narrados e vistos pelo olhar das crianças, seus filhos, numa idade em que elas estão começando a descobrir coisas novas. Uma delas é a pobreza, a outra a intolerância racial e a outra é a simples maldade humana.

As personagens dos filho de Atticus se juntam a Dill, criança vizinha deles que só passa férias na região (que no making off descobri que é a homenagem da autora a Truman Capote quando criança), e começam a explorar os mistérios da casa na vizinhança, de Boo Radley, homem que vive confinado em casa. Esta casa, quase mal assombrada na visão dessas crianças, é envolvida de mistérios pelos moradores da região. Como são crianças curiosas e livres, pois a cidade é pequena e todos se conhecem, Scout e Jem vivem rodando ela, encontrando outras personagens, e seguindo o pai aonde ele fosse.

A partir dessas aventuras infantis, Scout e Jem, Jem mais que Scout, devido à idade, começam a perceber que há algo errado na cidade e que envolve seu pai. Jem fica quieto, mas Scout está numa fase questionadora, perguntando tudo ao pai. Seu pai, de forma emblemática, responde: tem coisas que acontecem que são muito ruins e vocês não tem conhecimento. E Scout começa a tomar conhecimento, quando vê seu pai ser ameaçado por um habitante e chamado de "amante de negros" ("neiger lover", bastante ofensivo) e também no próprio julgamento de Tom Robbinson, o home negro acusado de estuprar a menina branca.

Outra conversa importante no filme, em que Scout começa a descobrir o que está acontencendo, e perdendo de certa forma sua inocência, é com a empregada da família, Cal, que também é negra. Cal conversa com Scout e afirma que existem algumas pessoas que fazem um trabalho ruim e que são corajosas. Uma delas seria Atticus, pai de Scout.

O roteiro do filme, baseado na história do livro de Harper Lee, com nome homônimo, é extremamente bem pontuado pois aos poucos nos coloca o olhar dessas crianças sobre a cidade em que vivem, desenvolvendo os acontecimentos no ponto de vista das crianças. No início, uma cidade idílica, com muita natureza, com muito espaço livre para se brincar, onde todos se conhecem, onde não há violência. Assim a narradora do filme, a própria Scout, mais velha, define a pequena cidade de Maycomb (inspirada na infância da própria Harper em Monroeville, Alabama), até o ano em que começaram a acontecer as "mudanças". Nessa cidade idílica, num momento de depressão econômica, a vida das crianças é simples, sem perceber os problemas que assolam os moradores da pequena região. Logo no início, Scout descobre o que é a pobreza, quando um fazendeiro simples deixa como pagamento por serviços prestados por Atticus um saco de nozes. Scout chama prontamente seu pai para recebê-lo e o homem embaraçado, que pretendia só deixar o saco na porta, é obrigado a ficar de frente com o homem que deve. Outro momento que relata a depressão econômica é quando o filho desse fazendeiro, que estuda com Scout, é convidado por Atticus a almoçar na sua casa. A menina prontamente fala que ele come como desesperado e pergunta se não há comida em sua casa. Imediatamente, é repreendida por Cal, que explica que "não se deve dizer essas coisas para os menos favorecidos".

O conflito racial é o tema do filme que perpassa todo o fio da história das lembranças de Scout sobre os acontecimentos da cidade naquela época. Tom Robbinson, homem negro e casado, é acusado de estuprar uma jovem branca, filha de um fazendeiro, confusa e acuada pelo pai violento, que só aparece no momento do julgamento. Uma das cenas mais bonitas do filme e mais forte talvez não está no julgamento nem no discurso de Atticus sobre o preconceito das pessoas, mas no dia anterior ao julgamento, quando o próprio Atticus é chamado pelo delegado para vigiar a prisão onde estaria Tom. As crianças, curiosas, correm atrás de Atticus, vigiando escondidas ele no pórtico da prisão, sentado e lendo, quando chegam os homens com armas e paus e cheios de ódio, querendo matar Tom. As crianças, quando vêem o pai ameaçado, correm logo para perto dele, assustadas. Quando o pai pede para que o filho volte, Jem diz que não, e permanece com sua opinião, apoiando o pai, mesmo com ele exigindo seu retorno. Scout, por sua vez, reconhece o fazendeiro que pagava dívidas a seu pai em alimentos e pergunta para ele porque ele não conversava com ela, como faziam quando ele ia à sua casa. Ainda acrescenta que estudava com seu filho e que ele era muito bom menino. Após essa situação tensa, os homens se retiram do local, envergonhados pela situação e pela inocência das crianças.

Outra coisa que chama a atenção no filme e que está presente no making off é a situação dele não ter uma denominação. Não era um filme de romance, não era de ação nem aventura, não era terror, nem drama de soltar lágrimas. Era apenas um filme sobre a inocência das crianças, por meio da discussão racial que era algo muito presente na época em que foi feito. Talvez por isso ele seja tão bom: sua proposta não é entreter o espectador com cenas cheias de emoção, mas sim fazê-lo sentir uma época boa da nossa juventude, uma época sem problemas, mas que aos poucos vai sendo tomada da gente pela vida adulta. Nesse sentido, O Sol... nos traz de volta os melhores momentos da infância e nos faz refletir sobre nossa própria conduta na vida adulta, e o porque dos homens mudarem tanto com o tempo.