domingo, 28 de fevereiro de 2016

O quarto de Jack (Room, 2015)

Me lancei ao desafio de ver os filmes concorrentes ao Oscar até a cerimônia, que é hoje, e foi um desafio bem difícil. Em poucas semanas consegui ver uma boa parte dos filmes que queria, mesmo com dificuldades no trabalho e de tempo, que ultimamente têm me tomado todo o meu tempo acordada e, diga-se de passagem, de sono. E o longa O Quarto de Jack foi, pra mim, um dos filmes mais perturbadores que vi ultimamente, que me fez mergulhar em um universo totalmente diferente e me fez pensar bastante para escrever sua crítica. Por isso a própria dificuldade e demora em fazê-la.

O longa é perturbador por chocar, por trazer um tema tão complexo, tão difícil, tão assustador quando pensamos que, ao mesmo tempo que o longa é uma obra de ficção, ele é baseado em histórias existentes de pessoas que passaram pela mesma situação de Joy (Brie Larson) e Jack (o brilhante ator mirim Jacob Tremblay) - uma jovem sequestrada aos 17 anos e mantida como refém em um quarto há sete anos, período o qual tem um filho com seu algoz. E também, por incrível que pareça, o longa consegue lançar um olhar lindo sobre o tema ao mostrar toda a situação de clausura e abusos sofridos por Joy pelos olhos ingênuos de uma criança de cinco anos, seu filho Jack. O Quarto de Jack é, ao mesmo tempo, perturbador e belo. Como equacionar isso?
Jack e Joy, no quarto título do filme
O roteiro do longa se inicia com um olhar da vida de Jack no seu quarto, junto à sua mãe e os elementos criados por ele e por ela para que Jack pudesse ter uma infância saudável - elementos da sua imaginação, que afloram sob o olhar da mãe que faz questão que o menino tenha sonhos, fantasias, amigos imaginários e tudo o que uma criança de cinco anos pode ter no seu desenvolvimento. Joy faz questão de manter uma rotina, estudar com o filho, comemorar seu aniversário, fazer exercícios, estabelecer horário de dormir - e poupar o filho dos encontros com seu sequestrador, Old Nick (Sean Bridgers), toda vez que ele os visita, o levando para armário e fechando-o de todo o horror que Joy vive diariamente. Narrado por Jack, que vive neste mundo à parte, mas que é o seu mundo, o longa traz justamente uma contraposição ao espectador o cotidiano de fantasia e de descoberta, pela visão de Jack, e a realidade da vida dele, pela visão de Joy, a qual o espectador percebe aos poucos, com o andar do filme. 
 O ator mirim Jacob Tremblay, incrível atuando no longa
Dirigido por Lenny Abrahamson, o longa foi roteirizado pela própria autora do livro, a canadense Emma Donoghue, e por isso se torna muito fiel à obra escrita. O filme é canadense, britânico e irlandês, e por isso acredito que sua estética e história não sejam lugares-comuns como outros filmes hollywoodianos, apesar da história se passar nos Estados Unidos. Digo isso porque apesar da indústria cinematográfica norte-americana ser diversa hoje em dia, não acredito que um roteiro com este peso e teor seria fácil de ser aprovado por estúdios hollywoodianos, acostumados com longas que, mesmo que contenham temas pesados, são baseados em uma cultura puritana que renega a desconstrução de pilares familiares, como o conceito de família (que neste caso, inclui o agressor de Joy, pai de Jack) e de infância, que devido à clausura, faz com que Jack tenha uma infância que não se enquadra em conceitos tradicionalmente concebidos.

Pode-se dizer que o longa se divide em dois grandes momentos ou partes, e não vou contar aqui quais são, para não fazer spoiler, mas que nos dois momentos vemos o mundo pelos olhos de Jack, uma criança que vê o mundo com o olhar de criança. É, sobretudo, neste aspecto que o filme deixa de tratar de um tema específico de uma cultura, e se torna universal: Jack é uma criança como outra qualquer, e isso fica claro também nos seus dilemas, brincadeiras, birras, inseguranças e perguntas intermináveis à sua mãe.
Jack e Joy no quarto, brincando e vendo televisão
Achei muito interessante uma crítica que li do filme no blog Plano Crítico (http://www.planocritico.com/critica-o-quarto-de-jack/) , feita por Matheus Fragatta, na qual ele compara claramente o filme com a alegoria da caverna, de Platão. E é um pouco isso mesmo: a percepção do real, de acordo com Jack, vai mudando ao longo da trama, e em diversos pontos podemos perceber que, ao mesmo tempo em que Jack desconhece o mundo, ele quer conhecê-lo com o medo comum de alguém que nunca o vivenciou, a não ser pela tela de uma televisão. O mundo de Jack é o quarto de Jack, título do filme, e esse universo, esmiuçado na trama, é o único universo que conhece e por si só, é belo, em contraste de sua mãe, que vê o confinamento e o quarto com horror, e deseja desesperadamente sair do quarto.
Jack em seu universo conhecido, o quarto
O quarto de Jack é, sim, perturbador, mas ao mesmo tempo, o longa traz muitas discussões filosóficas as quais poderíamos ficar horas discutindo. Por ser uma situação ficcional, mas também já ocorrida no mundo real, ela nos espanta. Porém, todo o roteiro do filme, e a atuação impressionante de Joy e Jack, nos faz mergulhar neste universo e nos perguntar: "e se fosse comigo, o que faria?" Creio que todos ao verem o filme se colocam no lugar de Joy, e que todos compreendem o olhar de Jack. Creio que, por este motivo, o longa atrai logo de início o espectador. 

Em relação à corrida pela estatueta do Oscar, pode ser que O quarto de Jack não ganhe o Oscar de melhor filme. Se ganhar, será um dos filmes mais interessantes que já ganharem a estatueta. Se não ganhar, nada tira o brilhantismo da obra, que traz questionamentos extremamente profundos sobre o ser humano e como ele se adapta na vida a qualquer situação. Brie Larson, que interpreta Joy, por outro lado, tem grandes chances, e merecidamente já ganhou o Globo de Ouro e diversos outros prêmios pelo longa. Para finalizar: sei que é difícil uma criança de cinco anos concorrer ao Oscar, mas Jacob Tremblay já se tornou o ator mirim mais sensacional dos últimos anos no cinema. Palmas para ele.



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